Brasil se agiganta no agro, mas desafios de adaptação à nova realidade climática exigem pensamento mais moderno agora.
“Faltam arroz, feijão, carne, café e açúcar.” Esta era a manchete da Primeira Página da Folha de 23 de maio de 1989. Preços altos e desabastecimento corriam à solta.
O jornal anunciava, ainda, que o pãozinho estava subindo 20% de uma só tacada e que a inflação acumulada em 12 meses tinha começado o ano em 1.412%. Era um período em que o governo de José Sarney, após tentativa frustrada de controlar a inflação por meio de tabelamento de preço, buscava sair desse engessamento artificial.
O governo não sabia como resolver o desabastecimento de vários produtos, inclusive o de arroz: aumentar os preços para os agricultores, e, consequentemente, para os consumidores ou subsidiar 1,3 milhão de toneladas do estoque regulador? O dinheiro para isso, no entanto, era curto.
A extinta Sunab (Superintendência Nacional do Abastecimento) controlava os preços, mas o ágio dominava as negociações no varejo. Um quilo de músculo, um dos cortes mais populares da carne bovina, estava tabelado em NCz$ 1,79 (cruzados novos), mas o consumidor era obrigado a pagar 84% a mais desse valor no açougue.
A economia era dominada por tablitas e outros indicadores econômicos. O Mappin espalhava anúncios pelo jornal, inclusive com o recente lançamento de um radinho a pilha. A Pan Am anunciava um novo voo direto para Nova York. A desigualdade econômica e social, entretanto, reinava no país e afastava a maioria dos consumidores das compras.
A agropecuária não ficava isenta aos efeitos dessa situação econômica. Os salários achatados restringiam a demanda interna por alimentos, inibindo avanços produtivos no campo e aumentando a necessidade de importações.
Importava-se de tudo no fim dos anos 1980: arroz, carnes, leite, milho e até soja. Em geral, esses preços vinham com dumping, impedindo a concorrência dos produtos nacionais no mercado.
Foi nesse cenário que surgiu a coluna Vaivém das Commodities, há 35 anos, para abordar temas da produção no campo, preços no varejo, política agrícola e mercado externo.
Na sequência, o jornal lançou a tabela diária, “Cotações Folha”, que coletava informações de 14 produtos agrícolas em 48 localidades do país. A disparidade das informações dos produtos no país era tão grande que a tabela da Folha se tornou referência para avaliações de inflação e de contratos relacionados ao setor.
O Brasil não era o único com esse drama econômico. A Argentina estava em estado de sítio, devido a saques, e a Venezuela, 30 anos depois, tinha a primeira greve geral.
A China vivia uma situação econômica grave. Muitas cidades, como Xangai, estavam paralisadas com greves. Ainda sem presença importante no mercado brasileiro, os chineses viriam a ser o grande motor do agronegócio nacional a partir dos anos 2000.
O avanço da agropecuária brasileira foi grande nestas últimas décadas. A chegada a novas áreas e a presença da Embrapa com novas tecnologias fizeram o país sair de 71 milhões de toneladas de grãos, em 1989, para 320 milhões no ano passado.
No final dos anos 1980, o Brasil utilizava 42 milhões de hectares para o plantio de grãos. No ano passado, foram 79 milhões de hectares.
Esse crescimento, no entanto, não é linear, uma vez que a mesma área é ocupada por dois produtos no ano após a chegada da safrinha. Em 1989, a segunda safra de milho, que vem após a da soja, ocupava apenas 666 mil hectares. No ano passado, foram 17 milhões.
As discussões do avanço da produção agropecuária sobre áreas de florestas não eram tão latentes como agora, quando são impostas sanções a produtos brasileiros oriundos dessas áreas.
Pesquisadores do próprio setor agrícola admitem, no entanto, que o avanço foi feito sem muitos critérios. Algumas áreas ocupadas começam a ser devolvidas para a natureza porque não têm viabilidade comercial, mesmo com as novas tecnologias.
O avanço da agropecuária brasileira permitiu que o Brasil, de importador de alimentos, passasse a ser um dos principais exportadores mundiais.
No ano passado, as exportações do agronegócio atingiram US$ 167 bilhões, representando 49% das exportações totais do país. O saldo comercial brasileiro de US$ 99 bilhões em 2023 foi gerado pelo setor agrícola, que obteve US$ 150 bilhões líquidos nas transações internacionais.
O Brasil demorou 17 anos para atingir a marca acumulada de US$ 1 trilhão em exportações do agronegócio. A aceleração das vendas externas nos últimos anos faz com que essa cifra já seja atingida em apenas dez anos.
No ano passado, o país chegou, pela primeira vez, à liderança mundial nas exportações de dez produtos.
A evolução brasileira no mercado externo se deve à China. Em 1997, quando começa o acompanhamento atual das estatísticas da Secex (Secretaria de Comércio Exterior), os chineses gastavam US$ 698 milhões com produtos brasileiros. No ano passado, essa conta chegou a US$ 59,9 bilhões.
Há até pouco tempo, as relações comerciais com a China estavam perigosamente restritas à soja. Nos anos recentes, o país asiático passou a ocupar papel importante nos mercados brasileiros de carnes, celulose e, há dois anos, de milho.
A agropecuária brasileira avançou e ganhou o mundo nos anos recentes, mas o país poderia ter feito melhores escolhas. A produção de soja já supera 150 milhões de toneladas, enquanto o abastecimento de alimentos básicos, como arroz, feijão e leite, continua sendo ineficiente.
No ano passado, o Brasil registrou as menores áreas semeadas com arroz e feijão, produtos que cederam lugar para soja, mais rentável. Falta uma política consistente para os alimentos básicos.
Em 2010, o Brasil tinha 23 milhões de vacas leiteiras, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), número que recuou para 16 milhões em 2022. A produtividade aumentou, mas o país continua sendo um grande importador desse produto.
Ao contrário do que ocorre atualmente, a produção rural era reservada praticamente para o consumo interno na década de 1980, havendo até proibições de exportações, como a de carne bovina.
O Brasil teve, àquela época, que adotar práticas atuais da União Europeia: impondo barreiras às importações para preservar a produção nacional. Câmbio artificial, demanda interna fraca, carga tributária de até 50% nos produtos básicos e custos de produção elevados inibiam o desenvolvimento rural.
A abertura econômica dos anos 1990 deixou o agronegócio brasileiro mais competitivo, mas as políticas de subsídios às exportações e à produção nos países ricos, além de barreiras alfandegárias, ainda se impõem.
O Brasil se agigantou no agronegócio, mas os desafios de adaptação à nova realidade climática, exigências do mercado internacional e de produção sustentável vão exigir um pensamento mais moderno a partir de agora (Folha)