Por Jose Eduardo Krieger
Dispomos de talentos, biodiversidade e universidades de ponta; falta-nos uma estratégia nacional robusta, com compromisso político e visão de futuro.
A recente onda de taxações promovida pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reacendeu o debate sobre protecionismo e comércio internacional. O Brasil, por meio de suas autoridades, posicionou-se contra essas medidas, o que, à primeira vista, pareceria coerente com os princípios de livre mercado.
No entanto, há um grave contrassenso: entre os países do G20, o Brasil é a terceira economia mais fechada, considerando a soma de importações e exportações em relação ao PIB. Criticar o protecionismo alheio enquanto se mantém um sistema ainda mais protecionista é incoerência estratégica, uma verdadeira piada pronta.
Esse paradoxo se estende ao sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. O país já demonstrou sua capacidade inovadora em setores como o petróleo, na prospecção em águas profundas com a Petrobras; a indústria aeroespacial, com a Embraer; e o agronegócio, impulsionado pelas universidades públicas e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) para transformar biomas antes considerados inóspitos em polos agrícolas produtivos.
Esses são exemplos de como a ciência pode se traduzir em riqueza quando há articulação entre academia, empresas e Estado.
Mas esses casos são exceções. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação continua com orçamento reduzido e baixa articulação com outras pastas. A inovação, que deveria ser eixo central do desenvolvimento, é tratada como acessório. Como explicar que não haja um esforço coordenado entre os ministérios da Fazenda, Desenvolvimento, Agricultura, Saúde e Educação? A ausência dessa articulação representa desperdício de oportunidades e talentos.
A formação de recursos humanos também preocupa. Até 2023, um em cada quatro jovens brasileiros entre 25 e 34 anos não havia completado o ensino médio, o dobro da média da OCDE. Um quarto dos jovens entre 18 e 24 anos está fora da escola e do mercado de trabalho (os chamados “nem-nem”).
Embora o número de doutores tenha crescido, o Brasil tem apenas cerca de 10 doutores por 100 mil habitantes, contra 30 nos países desenvolvidos. Menos de 30% atuam no setor produtivo e só uma minoria, menos de 20% desses, está em áreas-chave como engenharia, física, computação ou química, exatamente aquelas que deveriam ser priorizadas e que deveriam compor a espinha dorsal da inovação tecnológica e industrial.
O cenário se agrava na transição da academia para o mercado. Um pesquisador que trabalha com genômica ou terapias avançadas conta, na universidade, com isenções fiscais para importar insumos e equipamentos. Ao se tornar empreendedor ou entrar em uma empresa, enfrenta um ambiente hostil: altas tarifas de importação, burocracia e encargos que comprometem a competitividade internacional. Como competir globalmente se a inovação é penalizada em vez de incentivada?
O Brasil precisa decidir se continuará sendo o país da piada pronta ou se assumirá seu papel como protagonista global. Dispomos de talentos, biodiversidade, universidades de ponta e exemplos concretos de inovação. Falta-nos uma estratégia nacional robusta, com compromisso político e visão de futuro.
Recolocar a ciência e a inovação no centro da política de desenvolvimento é urgente. Inovação não é um luxo acadêmico, é necessidade econômica e social. É preciso integrar ministérios, desburocratizar, alinhar orçamentos e criar um ambiente propício à transformação do conhecimento em bem-estar.
O tempo da retórica acabou. A escolha é clara: ou seguimos no atraso ou inauguramos, com coragem e compromisso, um novo ciclo de desenvolvimento competitivo, sustentável e inclusivo (Jose Eduardo Krieger
É professor da Faculdade de Medicina da USP e do InCor; ex-pró-reitor de Pesquisa da USP (2014-18); Folha)