Propaganda política, sorvete, queijo e carro azedam importação de arroz

 Por Eliane Cantanhêde

Governo e entidades discordam da necessidade da medida, uso de marca do governo gera debate político e três empresas que ganharam o leilão não são do ramo.

Nem tudo o que começa errado vai errado até o fim, mas essa história de importar arroz para compensar as perdas no Rio Grande do Sul, que é o maior produtor, responsável por 70% do abastecimento do País, começou mal, continua mal e vira mais uma fonte de ataques ao governo e de dor de cabeça para o presidente Lula. Como vai acabar?

O primeiro erro pode ser econômico. O governo gaúcho e entidades do setor anunciaram e mantêm que, mesmo com as inundações no Estado, o abastecimento nacional está garantido e não seria necessário importar. O governo federal, porém, decidiu comprar um milhão de toneladas no mercado internacional, para “evitar especulação financeira e estabilizar o preço em todo País”. Afinal, é ou não importante importar, a um custo alto e subsídio interno? Se confirmado que a medida conteve aumentos e garantiu arroz na mesa dos brasileiros pobres, aplausos para Lula. Se não foi e se confirmou um excesso caro e desnecessário… Bem, vaias para Lula.

O segundo erro é político. O rótulo dos sacos de cinco quilos de arroz importado, com preço máximo de R$ 20, vai ter um aviso em letras maiúsculas e vermelhas: “Produto adquirido pelo governo federal”. Depois vêm os logotipos do governo Lula e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mais os créditos dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura. Afinal, é ou não propaganda política, num ano de eleições municipais, com a popularidade de Lula rateando?

O terceiro erro tem cara, cheiro e sabor de confusão. Concluído o primeiro leilão, para importar 263 mil toneladas de arroz, no valor de R$ 1,31 bilhão, eis a surpresa: o distinto público ficou sabendo que, das quatro vencedoras, só uma é do ramo, a Zafira Trading, que abocanhou apenas 28% do total. As três outras são uma mercearia de bairro, uma fabricante de sorvetes e uma locadora de carros. Uma coisa não é uma coisa e outra coisa é outra coisa? Afinal, o que mercearias, sorvetes e carros têm a ver com importação de arroz?

A principal vencedora foi uma mercearia de bairro em Macapá, a “Queijo Minas”, com 147,3 mil toneladas de arroz, por R$ 736,2 milhões, e segundo o Estadão, com base na Junta Comercial do Amapá, deixou de ser microempresa e registrou patrimônio de R$ 5 milhões… no dia do anúncio do leilão.

Bem, o partido Novo já acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender e apurar direitinho que história é essa e que vencedores são esses, enquanto os produtores, que já eram contra a importação, agora cobram explicações sobre o leilão. O agronegócio é forte no Sul e ambos, agronegócio e Sul, são refratários a Lula, se tornaram uma ameaça à sua vitória em 2022 e têm peso no Congresso. E o pior é que a discussão sobre o arroz está tirando o foco da tragédia, da ajuda e das cobranças para a reconstrução do Rio Grande do Sul.

Agora, é esperar as respostas às perguntas que não querem calar: era ou não importante importar? É ou não campanha política, é ou não legítimo usar os sacos de arroz importado com destaque em vermelho e logotipos do governo? O que mercearia de bairro, fabricantes de sorvetes e locadoras têm a ver com compra internacional de arroz? E, afinal, é normal uma empresa deixar de ser micro e passar a registrar patrimônio de R$ 5 milhões da noite para o dia? Essa história começou mal e continua mal. Como vai acabar? (Estadão)

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Lula cobra resposta do governo à ‘crise do arroz’; Geller fica na berlinda

Planalto avalia demissão de secretário de Política Agrícola após empresas sem afinidade com importação do produto vencerem certame que envolveu sócio de filho do ex-ministro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cobrou na segunda-feira, 10/6, uma resposta do governo federal à “crise do arroz”. Na reunião da coordenação política, que voltou a acontecer semanalmente, o presidente mostrou-se irritado com a repercussão negativa do leilão de arroz promovido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no qual até uma fabricante de sorvetes saiu vitoriosa. De acordo com interlocutores palacianos, o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, o ex-deputado e ex-ministro Neri Geller, está na berlinda e pode ser exonerado.

Na avaliação do presidente, uma pauta supostamente positiva — a compra direta de arroz pelo governo para evitar alta nos preços após as enchentes no Rio Grande do Sul — trouxe danos de imagem. Como mostrou o Estadão, firmas sem nenhuma afinidade com a importação do produto ganharam o certamente. Para Lula, o que era para ajudar o governo deu munição à oposição.

Geller entrou na mira do Planalto porque o diretor de Abastecimento da Conab, Thiago dos Santos, responsável pelo leilão, é uma indicação direta do secretário. Lula determinou uma apuração interna para decidir se vai demitir o diretor e o ex-ministro da Agricultura de Dilma Rousseff. Além disso, a FOCO Corretora de Grãos, principal corretora do leilão, é do empresário Robson Almeida de França. Ele foi assessor parlamentar de Geller na Câmara e é sócio de Marcello Geller, filho do secretário, em outras empresas.

Segundo apurou a Coluna do Estadão, Geller esteve com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro nesta segunda-feira para responder aos questionamentos sobre a participação do sócio do filho no certame. Ele negou qualquer envolvimento no leilão e disse ao ministro que França trabalhou com ele apenas até 2020. A interlocutores, Geller tem dito que Marcello saiu da empresa justamente por não poder participar de leilões públicos.

O secretário de Política Agrícola reforçou a ponte entre Lula e o agronegócio durante a campanha eleitoral e integrou o governo de transição. Ex-deputado, foi candidato ao Senado em 2022, mas teve a candidatura barrada pela Justiça Eleitoral após ser cassado por suposto abuso de poder econômico. Em dezembro do ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reverteu a cassação e devolveu os direitos políticos de Geller, que só então pode integrar o governo Lula. Ao longo de 2023, ele despachou informalmente no Ministério da Agricultura (Estadão)

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