Ação aponta pressão a comunidades tradicionais antes da COP30 e solicita pagamento de R$ 200 milhões em danos morais; governo Barbalho diz que contrato é legal.
O MPF (Ministério Público Federal) no Pará ingressou com uma ação na Justiça Federal, nesta terça-feira (3/6), em que pede a suspensão imediata e a anulação de um contrato de venda futura de créditos de carbono, firmado pelo governo paraense, no valor de R$ 1 bilhão.
Na ação civil pública, assinada por 20 procuradores, o MPF pede que o governo de Helder Barbalho (MDB) seja condenado a pagar danos morais coletivos no valor de R$ 200 milhões, por ter vendido receitas de ativos ambientais sem a devida consulta livre a comunidades tradicionais e por ter estabelecido uma cláusula contratual de ressarcimento a uma instituição intermediária do negócio.
Os alvos da ação são o estado do Pará e a Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará, vinculada ao governo local.
A União também foi citada na ação civil pública, para que se abstenha de conceder carta de autorização para que o governo do Pará busque uma certificadora internacional, de forma a validar os créditos de carbono.
Segundo o MPF, o contrato se configura venda antecipada dos créditos, o que é proibido pela lei que passou a regulamentar o mercado de carbono no país, conforme os procuradores.
Enquanto não houver adequação à legislação, o estado do Pará deve ser impedido de receber pagamentos por créditos de carbono, pede a ação.
Os procuradores afirmam que o governo de Barbalho tenta aprovar esse sistema de créditos antes da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas), “o que tem gerado considerável pressão sobre povos indígenas e comunidades tradicionais no Pará, com o intuito de uma célere aprovação do referido sistema”. Belém sediará a COP30 em novembro.
Em nota, o governo do Pará afirmou que o contrato é um pré-acordo com condições comerciais futuras, sem transações efetivas ou obrigação de compra antes da verificação da redução de emissões. “Está integralmente dentro da legalidade”, disse.
Não há possibilidade de revenda dos créditos, segundo a gestão estadual. “As cláusulas contratuais são claras ao estabelecer que qualquer operação comercial está condicionada à verificação das reduções de emissões por critérios técnicos.”
Estão previstas 47 consultas a comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas, cita a nota. “Nenhuma comunidade é obrigada a aderir ao sistema, e a decisão não implica em qualquer restrição de acesso a políticas públicas.”
Em abril, o MPF recomendou ao governador Barbalho a imediata anulação do contrato. A gestão dele contestou a recomendação no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), que anulou os efeitos das sugestões feitas.
Essa anulação da recomendação ocorreu a partir de um gesto do procurador-geral de Justiça do Pará, Alexandre Tourinho, junto ao CNMP. Ele defendeu a derrubada da recomendação, na direção oposta do que o próprio Ministério Público estadual havia solicitado.
A Promotoria do Pará assinou a recomendação com o MPF. O procurador-geral, que é o chefe do Ministério Público estadual, apontou insegurança jurídica e defendeu a derrubada da recomendação, na contramão dos próprios promotores da instituição.
Uma tentativa de conciliação foi buscada em reunião no CNMP nesta terça, sem êxito, segundo o MPF.
O acordo dos créditos de carbono foi feito com uma entidade chamada Coalizão Leaf e anunciado pelo governador em setembro de 2024.
O anúncio do contrato foi feito pelo governo local como um ato relacionado à preparação para a COP30. O mecanismo de créditos de carbono foi discutido e aprimorado no âmbito dessas conferências.
Pelo acordo anunciado por Barbalho, o acordo com a Coalizão Leaf garante a venda antecipada de R$ 1 bilhão em créditos de carbono, gerados por um ente jurisdicional, em que o próprio estado assume a dianteira na formulação e venda desses títulos. Estados amazônicos como Pará, Amazonas e Acre têm projetos nesse sentido, inclusive com intenção de venda direta dos créditos.
O acordo envolve a venda de 12 milhões de créditos de carbono a um preço de US$ 15 por tonelada. Um crédito equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão do desmatamento da floresta que é evitado.
O Pará geraria esses créditos a partir da preservação de áreas de floresta. Comunidades tradicionais, principalmente indígenas, quilombolas e de ribeirinhos, protestam contra o acordo costurado por Barbalho.
O contrato foi assinado entre o estado do Pará —por meio da Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará— e a Emergent Forest Finance Accelerator –apontada como coordenadora administrativa da Colização Leaf, como consta na recomendação do MPF.
Compõem a Leaf os governos dos Estados Unidos, Reino Unido, Noruega, Coreia do Sul e grandes empresas interacionais, como Amazon, Bayer, BCG, Capgemini, H&M Group e Walmart, segundo a recomendação expedida.
As empresas se comprometeram a comprar 5 milhões de créditos de carbono, e o restante seria vendido a outros empreendimentos, como forma de compensação das emissões de CO2 por essas empresas, segundo anunciado pelo governo do Pará em setembro (Folha)