Por Michel François Drizul Havrenne
A discussão sobre o controle das terras em mãos de estrangeiros deve garantir inúmeros direitos concomitantemente. Não é tarefa simples de se resolver.
O Brasil é um país de dimensões continentais, com área territorial, segundo o IBGE, de 8.510.417,771 quilômetros quadrados, e diferenças imensas de desenvolvimento social e econômico nas suas regiões, contando ainda com áreas de expressiva riqueza ambiental, presença de povos tradicionais e fronteiras com 10 dos 12 países da América do Sul.
Estima-se, conforme dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que há 6,45 milhões de hectares de terras rurais em nome de estrangeiros. Tais números podem estar subavaliados diante de novos tipos de construções societárias, com o uso de artifícios que escapam do controle dos entes fiscalizadores.
Inúmeros países ao redor do mundo estabelecem restrições à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros. Citem-se como exemplos países com grandes dimensões territoriais, como os EUA e Canadá, em que os entes federados podem impor limitações, bem como alguns países europeus, como Alemanha e Itália, em que vigora o princípio da reciprocidade.
A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros é alvo de discussões que se intensificam nos EUA. Recentemente, foram elaboradas leis, em alguns Estados americanos, vetando a venda de terras para chineses, como ocorreu na Flórida. Por outro lado, na China, estrangeiros de quaisquer nacionalidades não podem adquirir imóveis rurais.
Nesse contexto, a aquisição de imóveis rurais por empresas formalmente constituídas no País e com capital predominantemente estrangeiro é um dos temas de maior relevância ao Estado brasileiro, haja vista a grande quantidade de terras disponíveis, imenso potencial econômico, mas também com a necessidade de se preservar o desenvolvimento nacional.
No Brasil, a principal lei que regula o tema da aquisição de imóveis rurais por estrangeiros é a Lei 5.709/1971. Até 2010, vigorava entendimento no âmbito da administração federal, expresso em pareceres jurídicos (LA-04/1994 e LA-01/1997) que não impunha grandes complicações aos grupos estrangeiros para adquirirem imóveis rurais no País.
A partir da publicação do parecer LA-01/2010 da Advocacia-Geral da União, foram impostas algumas restrições à aquisição de terras por empresas brasileiras com controle estrangeiro, por meio de uma interpretação do artigo 1.º, parágrafo 1.º, da Lei 5.709/1971. A principal restrição diz respeito à dimensão dos imóveis rurais, que não podem, salvo com autorização do Congresso Nacional, extrapolar 100 módulos de exploração indefinida (MEIs)
Frise-se que, no Brasil, não há, em princípio, vedação à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, mas sim condições a serem observadas.
Tais condições são importantes, na medida em que a existência do Estado pressupõe um território que atenda aos interesses da sua população, com a preservação da ordem econômica e da questão alimentar.
A discussão sobre o controle das terras em mãos de estrangeiros deve garantir inúmeros direitos concomitantemente, como o desenvolvimento nacional, o crescimento econômico, o respeito ao meio ambiente, a soberania alimentar, a diminuição da desigualdade social, o incentivo à economia nacional, a elevação da produção, evitando-se o aumento da concentração de rendas e da pobreza no País. Não é tarefa simples de se resolver (Michel François Drizul Havrenne é procurador da República, coordenador do Grupo de Trabalho Terras Públicas da 1.ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, professor de Direito da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, é doutor e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP); Estadão)