Editorial O Estado de S.Paulo
Como sempre nesses 150 anos de trajetória, o ‘Estadão’ seguirá apoiando a sociedade civil em suas demandas relativas à preservação do meio ambiente combinada com o desenvolvimento sustentável
O Brasil sempre foi tratado pela comunidade internacional como um ator incontornável em fóruns globais sobre a proteção do meio ambiente e a adaptação às mudanças no clima. As razões para esse destaque do País na seara ambiental são sobejamente conhecidas. Aqui está a maior biodiversidade do planeta, com mais de 124 mil espécies animais e cerca de 45 mil espécies vegetais espalhadas por biomas tão ricos e distintos entre si como a Amazônia e a Caatinga.
Esse soft power, acumulado ao longo de décadas graças ao esforço coletivo da Nação – materializado pelo empenho da sociedade civil e dos Poderes da República em dotar o Brasil de um arcabouço jurídico apto a salvaguardar nossas riquezas naturais sem travar o desenvolvimento econômico –, por pouco não ruiu completamente durante o mandato de Jair Bolsonaro, um presidente que, entre outras razões, se notabilizou por negar as evidências científicas e apoiar um extrativismo predatório que, na linguagem dos inimigos da natureza, é tratado como “progresso”.
Para o bem do País, a proteção do meio ambiente e a adaptação às mudanças climáticas voltaram a ter protagonismo na agenda do presidente Lula da Silva, mesmo aos trancos e barrancos. Afinal, o petista nunca foi conhecido pela paixão que devota à chamada “causa ambiental”, abraçando-a de tempos em tempos na medida exata de seus interesses eleitorais. De qualquer forma, sob Lula, o Brasil voltou a ser respeitado mundo afora como um país que tem o que dizer sobre a redução das emissões de carbono e a transição energética para matrizes menos poluentes.
Não foi por outra razão que o País foi escolhido para sediar a 30.a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-30), a ser realizada em Belém em novembro deste ano. A escolha da capital paraense, por óbvio, foi política, e não técnica, haja vista que a proximidade com a Floresta Amazônica preponderou sobre a ausência de infraestrutura da cidade para receber centenas de dignitários e milhares de assessores, diplomatas, acadêmicos e visitantes.
Dito isso, não deixa de ser significativo o que a realização da COP-30 representará não só para o País, como também para o mundo, quando os esforços para reduzir as emissões de carbono sofrem com o desprezo, quando não com a hostilidade, do presidente dos EUA, Donald Trump.
Como sempre nesses 150 anos de trajetória, o Estadão seguirá apoiando a sociedade civil em suas demandas relativas à preservação do meio ambiente combinada com o desenvolvimento sustentável e, principalmente, cobrando dos governos das três esferas da administração pública a implementação de políticas públicas voltadas a esse fim. Isso, afinal, nada mais é do que cumprir a Constituição, que em seu artigo 225 estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
O Brasil, portanto, tem uma enorme responsabilidade no que concerne à proteção de seus biomas e biodiversidade. E não por uma questão de imagem internacional – de fato, importante –, mas sobretudo por esse pacto social inscrito em sua Lei Maior. Tão mais premente é honrar esse compromisso quanto mais a crise climática apresenta, dia após dia, sinais de agravamento.
A COP-30 será um grande teste para este Brasil que, pouco a pouco, voltou a ser respeitado como interlocutor na seara ambiental. O País só terá a ganhar se fizer da conferência mais do que um encontro diplomático protocolar, e sim um fórum de ideias do qual advenham compromissos claros e metas factíveis à altura do que o planeta precisa para enfrentar o maior problema coletivo da humanidade na atual quadra histórica.
Por fim, mas não menos importante, o governo federal tem o dever de formular políticas públicas, em parceria com Estados e municípios, que não só atendam aos compromissos internacionais que o País venha a assumir, mas que também promovam o desenvolvimento humano dos brasileiros, sem o que toda ação será vazia de propósito (Estadão)
Fracasso no tratado de plástico da ONU aponta incertezas para COP30
Resistência de países produtores de petróleo e dissenso sobre financiamento aprofundam crise do multilateralismo.
O fracasso da sexta e supostamente última rodada de negociações de um tratado global de combate à poluição plástica em Genebra, na Suíça, abriu uma crise no multilateralismo ambiental às vésperas da COP30, conferência do clima que será realizada em Belém em novembro.
Após dez dias de negociações e impasses, os 183 países que participaram do Painel Internacional de Negociações (conhecido pela sigla INC 5.2) da ONU não chegaram a um acordo sobre um instrumento global juridicamente vinculante para frear a escalada da poluição plástica, um dos principais desafios da atualidade.
A produção de plásticos dobrou nos últimos 20 anos, assim como a geração de lixo desse tipo. Apenas 9% do plástico descartado é reciclado globalmente. A maior parte vaza para o meio ambiente e faz desse um resíduo onipresente, até mesmo dentro do corpo humano.
Os pontos de tensão e discordância evidenciaram a complexidade das discussões ambientais internacionais e a multiplicidade de atores envolvidos, entre governos, setores privados, cientistas e organizações da sociedade civil.
O primeiro ponto é o da regulação da produção de plásticos considerados dispensáveis e problemáticos, como alguns descartáveis, por exemplo, e de químicos considerados tóxicos.
Outro diz respeito a parâmetros de design de produtos para que não gerem lixo plástico, o que movimenta todo o sistema produtivo de diversos setores da indústria –pense em gigantes como as indústrias de alimentos e higiene pessoal.
Finalmente, não há consenso sobre o financiamento das medidas necessárias para a adoção do tratado.
Nesses processos, o Brasil foi criticado por organizações da sociedade civil por tomar pouco partido de medidas mais ambiciosas defendidas pela chamada Coalizão de Alta Ambição, liderada pela União Europeia.
Em um ambiente polarizado, o modelo de decisão por consenso se mostrou difícil, aliado a uma condução errática do presidente do INC, o equatoriano Luis Vayas Valdivieso. Ele encerrou a rodada suspendendo a plenária final, iniciada às 5h da manhã (hora local) desta sexta (15), sem acordo nem explicações de quando e como ela seria retomada.
A Folha apurou que a avaliação de muitas delegações é de que Valdivieso não tem condições de permanecer no cargo, e há rumores de renúncia.
“É um momento de grande decepção com todo o processo de negociação. São quase três anos de diálogo entre os países, com muita participação social, de empresas e de catadores e indígenas. E hoje a mensagem do processo para o mundo é: os governos não conseguiram um acordo para enfrentar a poluição plástica”, afirma Pedro Prata, oficial de políticas públicas para a América Latina da Fundação Ellen MacArthur, que participa com observador.
“Além da decepção, mergulhamos num pântano de soluções para desenrolar esse imbróglio.”
O INC 5.2 foi uma prorrogação da quinta reunião para a negociação do tratado, ocorrida em Busan, na Coreia do Sul, em dezembro passado. Sem acordo, criou-se uma extensão daquela quinta rodada.
Agora, não se sabe se haverá um novo puxadinho (um INC 5.3) ou se a bienal Assembleia do Meio Ambiente da ONU (UNEA), prevista para dezembro próximo, dará outro encaminhamento ao tema.
“Agora se inicia um momento importante de reflexão para todos nós, os países envolvidos nesta negociação. Um ponto discutido entre alguns chefes de delegações é que talvez tenhamos de mudar a abordagem e repensar tanto os temas específicos de discussão como a própria estrutura e processo das negociações”, avalia a ministra Maria Angélica Ikeda, diretora do departamento de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e chefe da delegação brasileira.
Países produtores de petróleo, do qual deriva o plástico, tais como Rússia, Arábia Saudita, Irã e China, se opuseram a qualquer tipo de regulação da produção. Os EUA de Donald Trump pressionaram no mesmo sentido.
“De um lado, havia quase cem países que defendem medidas de controle e de redução da produção de plásticos e de químicos tóxicos como uma medida global juridicamente vinculante. Do outro lado, o pequeno grupo de países do bloco do petróleo obstruiu as negociações. Como temos uma abordagem que busca o consenso, essa minoria conseguiu paralisar o processo”, afirma Lara Iwanicki, diretora de advocacy e estratégia da ONG Oceana, que atuou como observadora do encontro.
“Precisamos corrigir o processo para que não seja obstruído por uma minoria”, defende.
As discussões cruciais sobre mecanismos de financiamento sofreram um revés inesperado. A Folha apurou que em uma das últimas versões do texto apresentadas pelo presidente do INC surgiu um trecho inédito que determinava que decisões seriam tomadas por maioria, com uma exceção: o financiamento, que teria de ser decidido por consenso.
A sugestão enfureceu os países em desenvolvimento, que carecem de recursos para lidar com o problema da poluição plástica, enquanto os países desenvolvidos, grandes poluidores globais históricos, se recusam a pagar essa conta.
O mesmo entrave tem sido enfrentado sistematicamente pelas COPs, as conferências climáticas, e deve estar no centro das discussões da COP30 em Belém.
“Ficou evidente a dificuldade crescente dos países de encontrarem mecanismos de financiamento da transição ecológica, seja qual for o problema: clima ou plástico”, avalia Prata, da Fundação Ellen McArthur. “Há uma crise no sistema ONU e de mecanismos multilaterais.”
No entanto, o secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Adalberto Maluf, elenca o que pode haver de positivo para a COP30 mesmo com o fracasso em Genebra.
“Apesar de a COP30 reunir os mesmos países, seu mandato não inclui a discussão de redução ou restrição de produção de petróleo, mas o debate de indicadores de adaptação, fontes de financiamento de US$ 1,3 trilhão e transição justa. E alguns desses temas avançaram durante o INC 5.2”, avalia.
“A Europa aceitou linguagens relacionadas à criação de um fundo exclusivo para plástico a partir de doações públicas e privadas. Agora, portanto, essa será uma linguagem difícil de a UE não aceitar nas negociações do clima” (Folha)