Por Silvia Mashura, Pedro Abel Vieira, Antônio Marcio Buainain e Otavio Valentim Balsadi
Futuro da agricultura brasileira será definido pela incorporação acelerada de tecnologias e pela necessidade de alinhar valores e expectativas de novas gerações.
O mercado de trabalho brasileiro vive um momento importante, marcado pela menor taxa de desemprego da série histórica, de 5,8%. Embora a renda média mensal tenha permanecido praticamente estável, em torno de R$ 3.411, a massa de rendimentos do trabalho alcançou patamar inédito, superando R$ 350 bilhões.
Esse avanço foi impulsionado pelo maior número de pessoas ocupadas, ainda que a informalidade siga elevada, atingindo 38% da população ativa e revelando a coexistência de bons resultados com fragilidades estruturais.
Entre as causas da informalidade destaca-se a oferta de serviços sob demanda, em que trabalhadores atuam sem vínculo empregatício. Apesar de acentuar a precarização, essa modalidade atrai pela flexibilidade, em sintonia com os valores da geração Z.
Nativos digitais, esses jovens cresceram num mundo conectado, atravessaram crises econômicas e viveram a pandemia de covid-19, experiências que moldaram sua visão de futuro. Diferentemente das gerações anteriores, não têm no salário elevado o único critério de realização: buscam qualidade de vida, valorizam a saúde mental e priorizam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
As disparidades salariais continuam marcantes. No segundo trimestre de 2025, os maiores rendimentos foram registrados nos setores de informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias e profissionais, com R$ 4.769 mensais, enquanto os serviços domésticos permaneceram na base, com R$ 1.293. A agricultura apresentou aumento de 4,1% em relação ao trimestre anterior, alcançando R$ 2.133.
Embora esse resultado tenha permitido ao setor deixar a penúltima posição no ranking, confirma o diagnóstico de um “apagão de mão de obra”. O setor sucroalcooleiro, em alguns Estados, relata dificuldades para contratar operadores de colhedeiras e caminhões, em disputa direta com o setor florestal.
Esse desafio ocorre em meio a ganhos de produtividade consistentes. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), desde 2000 a produção primária agrícola cresce a taxas superiores a 4,5% ao ano, impulsionada por tecnologias digitais e monitoramento por satélite.
As dificuldades de contratação reforçam a tendência de investimentos em tecnologia poupadora de mão de obra.
A automação de colhedoras e caminhões, já disponível comercialmente, está cada vez mais próxima de ser incorporada em larga escala. A transformação digital no campo é irreversível e exigirá profissionais qualificados para integrar processos e operar equipamentos sofisticados.
As consequências dessa dinâmica são múltiplas. A mecanização tende a se expandir inclusive em culturas tradicionalmente artesanais, como a fruticultura. Em outros países, a escassez de mão de obra foi enfrentada por meio da flexibilização migratória, mas essa alternativa traz riscos significativos ao Brasil.
Assim, a mecanização se apresenta como caminho mais consistente, embora imponha o desafio de recolocar trabalhadores pouco qualificados numa economia rural cada vez mais digitalizada. Em momentos anteriores, como na expansão da construção civil, parte desse contingente encontrou absorção, mas hoje o ritmo da inovação tecnológica torna a adaptação mais complexa.
Outro ponto de atenção é a adequação da produção agrícola aos valores da geração Z. A busca por flexibilidade, equilíbrio e propósito já provoca impactos como maior rotatividade e necessidade de constante capacitação, especialmente em cadeias intensivas como a hortifruticultura, que realiza até três safras anuais.
Ao mesmo tempo, verifica-se no Sul do País o retorno de filhos de pequenos agricultores, qualificados e adaptados à vida urbana, às propriedades familiares. Esse movimento, motivado pela valorização do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, introduz novas práticas de gestão e tende a influenciar também médios e grandes produtores.
Nesse contexto, a qualificação profissional é decisiva. O Brasil forma um grande contingente de trabalhadores com ensino superior, mas investe pouco no ensino médio técnico-profissionalizante, que poderia responder de maneira mais imediata às necessidades da agricultura digitalizada.
Um sistema educacional mais próximo das demandas reais do setor permitiria preparar técnicos especializados em automação, operação de máquinas e integração de ferramentas digitais. Sem essa adequação, o avanço tecnológico corre o risco de ser limitado pela falta de mão de obra capacitada.
O futuro da agricultura brasileira será definido por este duplo movimento: de um lado, a incorporação acelerada de tecnologias que ampliam eficiência, competitividade e sustentabilidade; de outro, a necessidade de alinhar valores e expectativas de novas gerações.
A mecanização e a digitalização já se expandem, enquanto jovens preparados retornam ao campo trazendo novas formas de gestão e organização do trabalho. O resultado esperado é uma agricultura mais inovadora e eficiente, capaz de integrar tecnologia, gestão e pessoas, garantindo competitividade e oportunidades às próximas gerações no meio rural.
(Silvia Mashura é presidente da Embrapa; Pedro Abel Vieira é pesquisador da Embrapa; Antônio Marcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp e Otavio Valentim Balsadi é pesquisador da Embrapa; Estadão)