No momento em que se prepara para atender os requisitos da lei antidesmatamento da União Europeia, que será aplicada a partir de janeiro de 2026, o agronegócio brasileiro enfrenta outro desafio: a taxação de 50% das exportações para os Estados Unidos.
A situação se agravou, e nessa “tempestade perfeita”, as exportações do agro nacional a dois de seus maiores clientes — os EUA e a UE — podem ficar inviáveis ou perder competitividade, avaliam especialistas em comércio exterior e diplomatas com experiência em negociações comerciais.
Para o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), as tensões comerciais com os americanos são mais graves do que os efeitos da lei da UE e uma preocupação imediata para o Brasil.
Ele observa que, na crise com os EUA, o agronegócio não é o setor mais afetado da economia brasileira. Barbosa acredita que a indústria da aviação e setores como de alumínio e aço têm mais a perder com a taxação, na venda de produtos de valor agregado ou alta tecnologia embarcada, enquanto o agro é franco exportador de commodities.
“Vai ter consequência, não sabemos qual é o nível de tarifa que o Brasil vai conseguir com os EUA. Porém, mesmo que seja acima dos 10% anteriores, ainda conseguiríamos nos manter competitivos na exportação de produtos agropecuários, mas tem que negociar”, afirmou ao Valor.
Ainda assim, há produtos em que a venda seria inviável, como a carne bovina, cujo preço da tonelada pode saltar cerca de US$ 3 mil, conforme projeção da Agrifatto. Café, suco de laranja e ovos também teriam os embarques gravemente prejudicados.
Os EUA são um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Em 2024, o país representou 12% das exportações e 15,5% do total das importações brasileiras. “Se o Brasil entrar em uma escalada de retaliação, como a China fez, pode sair afetado. Temos mais a perder do que ganhar”, alertou o Cicero Zanetti de Lima, pesquisador do Centro de Estudos do Agronegócio da FGV (FGV Agro).
Cerca de 30% das exportações brasileiras aos americanos são do agronegócio (US$ 12,1 bilhões). Em contrapartida, os EUA representam 2,5% das importações agrícolas brasileiras — principalmente insumos. Lima explica que a chegada de insumos americanos mais caros ao Brasil pode significar alta no preço de alguns alimentos por aqui.
“Outro problema grave é que, com a tarifa em vigor, dificilmente a gente consegue colocar nosso café, nosso suco de laranja, que iriam para os EUA em outros mercados. Acendeu um sinal de alerta”, disse o especialista.
Assim como os americanos, a UE é uma das maiores compradoras de café e suco de laranja brasileiros. Com sinais de protecionismo econômico, a Comissão Europeia classificou o Brasil como risco padrão para cumprimento da lei antidesmatamento, conhecida como EUDR – que não aceitará a importação de produtos vindos de áreas desmatadas de forma ilegal e também legalmente, que são permitidas pela legislação brasileira.
Há, inclusive, incertezas sobre a documentação necessária e como será a aplicação da lei. Rubens Ricupero, diplomata e ex-ministro da Fazenda, ressalta que o agro brasileiro é vulnerável à questão do desmatamento. Esta seria uma oportunidade para coibir totalmente os desmatadores ilegais, na tentativa de reduzir o nível de risco classificado pela UE. “É o caso de o próprio setor procurar se mobilizar para mostrar que está preocupado com a questão”, pontuou.
Isso porque o fato de o Brasil ter sido classificado como risco padrão na lei antidesmate da UE tende a fazer com que os produtos sejam preteridos em relação aos fornecidos por concorrentes de risco baixo, alertou o sócio-diretor da Agroicone, Rodrigo Lima.
“O importador vai preferir buscar o produto no país com menor risco possível, para evitar ser multado por uma fiscalização da Comissão Europeia”, disse. “Mesmo sabendo que o café do Brasil é bom, o importador pode preferir comprar em um concorrente de risco baixo”, acrescentou. Vietnã, por exemplo, é um fornecedor de café classificado com risco baixo.
Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Cafés do Brasil (Cecafe), conta que representantes do setor cafeeiro estiveram na UE em maio, após a classificação de risco da EUDR, para tentar mudanças na classificação de risco, que seria por região, e não nacional. “Vimos que tem espaço para entender mais sobre o café brasileiro e sobre a regionalização do país”, afirmou.
Na cadeia da carne bovina, concorrentes como o Uruguai foram considerados risco baixo e o fato de o Brasil estar no risco padrão foi “injusto”, na visão de Caio Penido, presidente do Instituto Mato-grossense da Carne (Imac), que esteve em Bruxelas, na Bélgica, recentemente para tratar sobre o tema (Globo Rural)