Políticas de preços e de créditos ajudaram setor a reverter um quadro de falências e de fechamento de usinas pelo País.
Na contramão de outros segmentos, a indústria da cana-de-açúcar vem apresentando expansão nos últimos anos no País. O setor, que até há uma década sofria com falências e fechamento de usinas, inaugurou recentemente novas plantas e caminha para o segundo maior volume de moagem este ano. De acordo com o diretor de Inteligência Setorial da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), Luciano Rodrigues, a recuperação pode ser tomada como exemplo de que a neoindustrialização é possível.
Atualmente são 345 unidades produtoras em todo o Brasil, com maior concentração no centro-sul do País. No ciclo de abril de 2023 a março de 2024, correspondente à safra da cana, o setor sucroenergético gerou US$ 19,8 bilhões em divisas, ocupando a quarta posição na pauta de exportações do agronegócio.
Usina de produção de etanol de primeira geração da Raízen em Piracicaba, no interior paulista Foto Daniel Teixeira Estadão
Conforme dados levantados pela Unica, o valor bruto movimentado pela cadeia supera US$ 100 bilhões, com um Produto Interno Bruto (PIB) de aproximadamente US$ 40 bilhões, equivalente a cerca de 2% do PIB brasileiro. “Passamos por um período de crise lá atrás, que veio até 2015, e muitas usinas fecharam. De lá para cá o País tem estruturado algumas políticas importantes para o setor que resultaram nessa mudança no cenário. É a prova de que políticas bem estruturadas impulsionam a economia”, diz Rodrigues.
Entre as medidas, a primeira foi a política de precificação, que passou a ser balizada pelo preço do óleo internacional, o que deu mais previsibilidade para o setor, segundo ele. “Na sequência, em 2017, tivemos a publicação da Política Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio, que funcionou a partir de 2020, passando a permitir a venda de créditos de descarbonização (Cbios) gerados pela cana-de-açúcar. É um crédito pequeno, mas estabeleceu uma meta importante de redução nas emissões de gases de efeito estufa”, afirmou.
O RenovaBio veio em um momento em que o setor estava à beira de uma nova crise pela perda de 80 milhões de toneladas de cana por causa de uma seca história no centro-sul do País. Em 2022 e 2023, lembra Rodrigues, houve boa produtividade no campo, resultando em um recorde histórico de moagem de cana-de-açúcar no ano passado. Foram processados 654,4 milhões de toneladas, 19,3% a mais sobre as 548,6 milhões de toneladas da temporada 2022/2023. Para este ano, ele projeta uma safra um pouco menor que o recorde, mas acima das anteriores.
Rodrigues avalia que o ano começou com preços mais reduzidos, sobretudo do açúcar, mas vê o cenário muito longe de ser caótico. “O setor está se expandindo. Nós tivemos usinas de cana-de-açúcar inauguradas, expansão de investimentos na área agrícola e expansão considerável na área industrial nos últimos três anos, devido à produção de etanol de milho. Há cinco anos, o etanol do cereal era praticamente zero. Nesta safra, vai representar cerca de 20% do total”, diz. Em março, a usina Coruripe inaugurou uma planta para produzir açúcar, em Limeira do Oeste, no Triângulo Mineiro.
O foco na economia verde do Programa Nova Indústria Brasil, lançado pelo governo, está concatenado com duas políticas públicas importantes para o setor sucroenergético, segundo Rodrigues. O projeto Combustível do Futuro, iniciativa do governo encampada pelo Parlamento, traz a possibilidade de ampliar o nível de mistura do etanol na gasolina e do biodiesel no óleo diesel, além de propor metas de descarbonização nos transportes.
Aposta em ações com foco na sustentabilidade
Luciano Rodrigues destaca que o programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação), iniciativa para incentivar a indústria automotiva a atingir metas de descarbonização da frota, traz um ponto fundamental para o setor.
Daqui para a frente, esses incentivos serão calibrados também pelo uso de combustíveis com menor emissão de carbono por km rodado, abrindo caminho para um maior consumo de biocombustíveis. Rodrigues afirma que o setor sucroenergético já tem o compromisso com o desmatamento zero.
“Toda empresa que está no programa RenovaBio tem de monitorar a produção e aferir a sustentabilidade. São dados públicos e validados por auditoria externa. Se uma fazenda com mil hectares tiver um único hectare desmatado, ainda que seja legal, a fazenda está fora. Mais de 90% da produção de etanol está em conformidade com o RenovaBio e tem pegada de carbono auditada. A gente sabe, em cada unidade de produção, quem está produzindo com eficiência ambiental”, diz ele.
A digitalização da agricultura faz parte desse processo, no momento em que reduz a aplicação de defensivos, segundo o diretor da Unica. “Em vez de aplicar na área inteira, tem um drone que aplica só onde é necessário. Nossa frota de máquinas tem telemetria. Com isso, conseguimos reduzir o uso dessas máquinas na produção e na colheita. São alguns exemplos de avanços, mas ainda temos a desvantagem do custo. A produção internacional tem um custo menor do que o Brasil consegue oferecer”, observa Rodrigues.
O tempo em que a colheita de cana-de-açúcar era feita à base de fogo que, muitas vezes, extrapolava os canaviais e atingia florestas e lavouras, está cada vez mais distante. Atualmente, algumas usinas mantêm projetos voltados para a proteção das abelhas, de forma a garantir a convivência de apiários e produtores de mel com a produção agrícola.
Esses insetos são responsáveis pela polinização de mais de 90% das plantas nativas e 75% das lavouras, assegurando a conservação da biodiversidade e segurança alimentar.
A gerente de Sustentabilidade da Unica, Renata Camargo, explica que os projetos desenvolvidos pelas usinas atendem à legislação vigente, com adoção de técnicas de manejo adequadas, e vão além. “Os projetos incluem desde medidas de segurança na aplicação aérea de defensivos agrícolas até o cadastramento e o monitoramento dos apiários e meliponários. Com uso de tecnologia, novos recursos de comunicação e ações de responsabilidade socioambiental, as usinas estão promovendo a coexistência harmoniosa e a preservação das abelhas”, diz.
Renata conta que, nos últimos anos, a Unica desenvolveu ações com as usinas associadas para incentivar a boa convivência também com produtores de alimentos orgânicos e de outras culturas no entorno das usinas. A busca pela produção sustentável não é um fato recente para o setor sucroalcooleiro nacional.
Em 2017, a Unica atuou diretamente na construção do regulamento das Diretivas Técnicas do Protocolo Agroambiental Etanol Mais Verde, em parceria com o governo do Estado de São Paulo.
O documento estabeleceu garantias de sustentabilidade na cadeia produtiva da cana-de-açúcar, incluindo a eliminação total da queima como método agrícola pré-colheita e boas práticas no uso de agrotóxicos nas áreas de canaviais do Estado (Estadão)