Especialistas veem situação ‘trágica’; com queda da população ativa, país tende a empobrecer.
Os últimos anos foram trágicos para a produtividade do trabalho no Brasil. O fator será cada vez mais determinante para que o país cresça e enriqueça diante da tendência de diminuição de sua população economicamente ativa —o que tende a jogar a produtividade para baixo.
No maior setor da economia, o de serviços, que representa um terço do Produto Interno Bruto (PIB), tem havido inclusive queda na taxa de produtividade desde 2010. Em resumo, sem a explosão de eficiência no agronegócio e a melhora na qualidade da mão de obra nos últimos anos, o Brasil estaria em situação ainda mais dramática.
Entre 2010 e 2023, a produtividade geral por hora trabalhada no Brasil cresceu apenas 0,3% ao ano, puxada principalmente pelo agro, com alta anual de 5,8%. No gigantesco setor de serviços, houve queda de 0,3% ao ano; e na indústria, alta de apenas 0,1%.
A taxa de produtividade pode ser decomposta em três componentes: 1) capital em uso (máquinas e equipamentos utilizados pelo trabalhador), que evolui pouco no Brasil; 2) o Índice de Capital Humano (escolaridade e experiência de quem trabalha), que registrou avanço significativo; e 3) a Produtividade Total dos Fatores, que mede a eficiência na utilização do capital em uso e do capital humano, que está em queda nas últimas décadas.
Segundo Fernando Veloso, coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, enquanto o governo busca políticas para reindustrializar o país, faria muito mais sentido focar no aumento da eficiência no grande setor de serviços, que vem tendo desempenho negativo.
Ele destaca ainda que produtividade cresce muito pouco apesar do aumento no Índice de Capital Humano, com trabalhadores mais escolarizados e experientes. “Chama a atenção o fato de este item ter dado a maior contribuição [para a produtividade] desde 1995. Depois, vêm as horas trabalhadas, juntamente com o estoque de capital em uso. Se não fosse a educação, com todos os seus problemas, o resultado teria sido muito pior”, diz Veloso.
Em sua opinião, além do baixo investimento na compra de máquinas e equipamentos modernos, o principal obstáculo para a produtividade é o ambiente de negócios. É como se a melhora na qualidade da mão de obra nos últimos anos fosse desperdiçada em um “atoleiro econômico” em que operam as empresas.
“Apesar das reformas dos últimos anos, muita distorção permaneceu; e outras foram criadas. Toda a questão do crédito subsidiado, de exceções no regime tributário, as políticas de conteúdo local, tudo isso vai contra a Produtividade Total dos Fatores. As distorções na economia acabam tendo um efeito tão negativo que mais que anulam os ganhos com as reformas. O período 2010-2023 foi trágico”, afirma.
Isso tem levado o Brasil a se distanciar cada vez mais dos níveis dos EUA. Se nos anos 1980 um trabalhador brasileiro alcançava 46% da produtividade de um norte-americano, hoje ele produz um quarto (25,6%). É o mesmo nível de sete décadas atrás, segundo dados do Conference Board. Significa que o trabalhador brasileiro leva uma hora para fazer o mesmo produto ou serviço que um americano realiza em 15 minutos.
Para Naercio Menezes, professor do Insper e da Faculdade de Economia e Administração da USP, a principal medida do bem-estar dos brasileiros, o PIB per capita (o tamanho da economia dividido pela população), dependerá cada vez mais do aumento da produtividade para evoluir. Isso porque haverá cada vez menos pessoas trabalhando no futuro.
Entre 1981 e 2008, com o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e um número maior de adultos trabalhando em relação a crianças e idosos que não trabalham (a chamada razão de dependência demográfica), o percentual de trabalhadores na população (ajustado pelo total de horas trabalhadas) aumentou continuamente.
“Mas esse processo passou a ser revertido desde o final da década passada, o que significa que a taxa de pessoas que trabalham vai se reduzir no futuro, fazendo com que o PIB per capita dependa cada vez mais da produtividade”, afirma.
Pelos cálculos de Veloso, os anos 2002-2010, quando a produtividade cresceu 2,2% ao ano, foram os melhores desde 1995. O período foi marcado pelo boom nos preços das commodities, que trouxe mais dólares ao Brasil, permitindo o aumento da importação de melhores máquinas e equipamentos.
Foram também anos em que o Brasil manteve as contas públicas superavitárias, o que levou a um ambiente macroeconômico previsível, com mais investimentos das empresas em maquinário e mão de obra, que tornaram o Brasil mais produtivo. No atual governo Lula (PT), em que são esperados déficits fiscais recorrentes, isso não deve ocorrer.
Hoje, a taxa de investimentos no país equivale a 16,9% como proporção do PIB. Só para manter as condições de máquinas e infraestrutura no nível atual, sem deterioração, essa taxa deveria superar 20%. Na Coreia do Sul, altamente produtiva, ela alcançou 31,7% do PIB em 2023.
Nas contas de Menezes, entre 2003 e 2013, o PIB per capita cresceu 32%, o maior aumento em anos recentes, com forte aumento da produtividade. “Mas, de 2013 até agora, o PIB per capita, a produtividade e as horas trabalhadas estão no mesmo nível. Com isso, nos últimos 40 anos a produtividade brasileira cresceu apenas 20%, ante 65% nos Estados Unidos”, diz.
Para Fabio Giambiagi, economista do BNDES e co-organizador do recém-lançado “O desafio da produtividade – Como tirar o Brasil da armadilha da renda média”, uma das raízes do fraco desempenho do Brasil na área é “uma enorme resistência cultural do país em competir”.
“Há uma relutância à ideia de competição entre pessoas, empresas e países”, afirma. “Quando há problemas na área do trabalho, colocam-se barreiras para proteger trabalhadores. Quando há produtos estrangeiros tomando mercado, há pressões protecionistas. E, por aí vai”, diz.
Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil, a participação do país no comércio internacional hoje é a mesma desde a década de 1980: 1%. No período, o volume de comércio exterior em relação ao PIB aumentou, mas o de outros países cresceu mais.
“Só resolveremos isso com uma sinalização clara de que vamos para um mundo de mais competição. Não um laissez-faire [sem interferências] selvagem absoluto. De passar, da noite para o dia, para um ambiente de tarifas zero. Mas temos que sinalizar que se o Estado cumpre um papel de proteção ao trabalhador menos preparado, à empresa que tem de se preparar, que essa proteção seja temporária”, diz Giambiagi.
Normalmente, empresas mais expostas à competição internacional tendem a ser mais produtivas. Assim como as firmas que empregam mão de obra formalizada, que normalmente são mais organizadas e eficientes. Mas, no Brasil, dos 100,2 milhões de ocupados, 38,9 milhões estão na informalidade —outro entrave para a produtividade.
Assim como Menezes, Giambiagi destaca que, por conta do envelhecimento da população e queda na taxa de fecundidade, o Brasil terá nos próximos 20 anos o mesmo número de pessoas em idade de trabalhar do que hoje. “Isso significa o seguinte: que todo, e não estou dizendo a maior parte, que todo o aumento do PIB dos próximos 20 a 25 anos terá que vir da produtividade”, afirma.
Olhando para o passado, o Brasil aumentou bastante a produtividade somente nos anos em que a população crescia e migrava do campo para a cidade, entre as décadas de 1950 e 1980, quando um trabalhador substituía, por exemplo, a enxada por uma máquina —tornando-se muito mais produtivo.
Para José Ronaldo de Castro Souza Jr., também organizador de “O desafio da produtividade”, os ganhos nos anos 1970 ocorreram porque o país fazia a transição campo-cidade e se industrializava. “Conseguimos ganhos rápidos, o que é normal, porque tínhamos um estoque de capital muito baixo e pouca produção. Ao se industrializar e urbanizar, os ganhos foram rápidos”, afirma.
“O problema é que fizemos a industrialização voltada para dentro, com substituição de importações, em vez de estímulo à exportação, como a Coreia do Sul. Isso fez com que as indústrias do Brasil não focassem competitividade internacional, mas ficassem baseadas em protecionismo, dirigismo estatal e reserva de mercado. Não houve ganho de escala.”
Souza Jr. afirma que, nas atuais condições, o Brasil deveria “colocar foco no ambiente regulatório na área de infraestrutura, evitando mudanças repentinas e não discutidas” que impactam a participação do setor privado em projetos. Em sua opinião, investimentos em infraestrutura (estradas, portos, aeroportos, ferrovias) seriam uma maneira relativamente fácil de se obter ganhos de produtividade no curto prazo.
Para Menezes, do Insper, no médio e longo prazos o foco deveria estar na qualidade da educação. “Cerca de 30% da população de 15 a 64 anos são analfabetos funcionais e apenas 12% são capazes de interpretar textos, tabelas e gráficos mais complexos. Estas porcentagens se mantiveram estáveis nos últimos 20 anos, apesar do aumento da escolaridade”, diz, citando dados dos Institutos Ação Educativa e Paulo Montenegro (Folha)