Colunas de vapor de água com centenas de quilômetros de extensão foram apontadas como responsáveis por inundações recentes em diferentes pontos do globo.
Níveis extraordinários de inundações, em diferentes partes do mundo, mais recentemente na China e no Canadá, são um lembrete de uma atmosfera em rápido aquecimento que retém muito mais umidade do que no passado, dizem os cientistas.
Em abril de 2023, Iraque, Irã, Kuwait e Jordânia foram atingidos por inundações catastróficas após trovões intensos, tempestades de granizo e chuvas excepcionais.
Mais tarde, meteorologistas descobriram que os céus da região estavam carregando uma quantidade recorde de umidade, superando um evento semelhante em 2005.
Dois meses depois, o Chile foi atingido por 500 milímetros de chuva em apenas três dias —tanta água foi despejada do céu que chegou a causar o derretimento de neve em algumas partes da Cordilheira dos Andes, desencadeando grandes inundações que destruíram estradas, pontes e reservatórios de água.
Um ano antes, partes da Austrália foram atingidas pelo que os políticos chamaram de “bomba de chuva”, com mais de 20 pessoas mortas e milhares evacuadas.
Cientistas dizem que todos esses eventos foram consequência dos chamados rios atmosféricos, que estão ficando mais intensos, longos, largos e destrutivos. Segundo a Nasa, eles estão colocando centenas de milhões de pessoas sob risco de inundação em todo o mundo.
Também chamados de “rios voadores”, são colunas longas e largas de vapor d’água que geralmente emergem dos trópicos e se movem em direção aos polos. Eles carregam cerca de 90% do vapor d’água total que se move pelas latitudes médias da Terra.
Nem todos os rios atmosféricos causam danos, especialmente se forem de baixa intensidade. E alguns têm papel importante na regulação de chuvas de determinadas regiões do globo.
Na América do Sul, por exemplo, “rios voadores” formados pela umidade que se evapora da floresta amazônica causam chuvas a mais de 3.000 km de distância, chegando ao sul do Brasil, ao Uruguai, ao Paraguai e ao norte da Argentina.
Nessas regiões, esses “rios voadores” são considerados vitais para a produção agrícola e a vida de milhões de pessoas, e o desmatamento da amazônia é visto como uma ameaça ao funcionamento do sistema.
Um rio atmosférico médio tem cerca de 2.000 quilômetros de comprimento, 500 quilômetros de largura e quase três quilômetros de profundidade —embora estejam ficando mais largos e longos, alguns com mais de 5.000 quilômetros de comprimento.
E, no entanto, eles são invisíveis ao olho humano, diferentemente das nuvens.
“Eles podem ser vistos com frequências infravermelhas e de micro-ondas”, diz Brian Kahn, pesquisador atmosférico do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa.
“É por isso que a análise de satélite pode ser tão útil para observar vapor de água e rios atmosféricos ao redor do mundo.”
Rios atmosféricos grandes e fortes podem mover umidade a uma taxa de descarga 15 vezes maior que a do Mississippi, o maior rio da América do Norte.
Em média, eles têm cerca de duas vezes o fluxo regular do Amazonas, o maior rio do mundo em volume de descarga de água.
Embora os rios atmosféricos sempre tenham existido, os cientistas dizem que o aquecimento global está criando mais vapor de água. O que os torna intensos e capazes de despejar grandes quantidades de água na terra em um curto espaço de tempo, desencadeando inundações e deslizamentos de terra catastróficos.
Estudos mostraram que o vapor de água atmosférico global aumentou em até 20% desde a década de 1960 e segue aumentando com a temperatura.
Um estudo recente do Instituto de Geociências da Universidade de Potsdam, na Alemanha, descobriu que as condições de rios atmosféricos na América do Sul tropical, norte da África, Oriente Médio e Sudeste Asiático estão durando mais.
E isso pode significar um aumento na quantidade de chuva que cai com efeitos prejudiciais no solo.
Foi exatamente isso que aconteceu no Oriente Médio em abril de 2023, de acordo com outro estudo da Universidade Khalifa, nos Emirados Árabes Unidos.
“Nossas simulações de alta resolução revelaram a presença de rios atmosféricos que geraram forte precipitação à medida que se moviam em altas velocidades do nordeste da África para o oeste do Irã”, concluiu o estudo.
Mais deslizamentos de terra e inundações repentinas
Em outros lugares, a frequência de eventos de rios atmosféricos está aumentando, segundo Sara M Vallejo-Bernal, que trabalhou no estudo da Universidade de Potsdam.
“No Leste Asiático, houve um aumento significativo na frequência desde 1940 e eles se tornaram mais intensos em Madagascar, Austrália e Japão desde então”, disse ela.
Um estudo de 2021, publicado no Journal of Geophysical Research, descobriu que até 80% dos eventos de chuvas intensas no leste da China, Coreia e oeste do Japão durante o início da temporada de monções (março e abril) estão associados a rios atmosféricos.
Enquanto isso, meteorologistas na Índia dizem que o aquecimento do oceano Índico está criando “rios voadores” e influenciando as chuvas de monções que a região vê entre junho e setembro.
“Como resultado, há episódios de pequenas tempestades quando toda a umidade dos mares quentes é despejada pelos rios atmosféricos em algumas horas a alguns dias”, diz Roxy Matthew Koll, cientista atmosférico do Instituto Indiano de Meteorologia Tropical.
“Isso levou ao aumento de deslizamentos de terra e inundações repentinas em todo o país.”
Nem todas as inundações e deslizamentos de terra são causados por rios atmosféricos. Existem outros fatores como ciclones, tempestades climáticas, entre outros.
Os rios atmosféricos também estão chegando a novos locais. Cientistas dizem que isso se deve a mudanças nos padrões de vento e nas correntes de jato (uma corrente de ar rápida e estreita fluindo de oeste para leste circundando o globo) em um clima em mudança.
“O aumento da ondulação nos ventos e correntes de jato significa curvas maiores e desvios de seus caminhos tradicionais”, disse Deniz Bozkurt, meteorologista da Universidade de Valparaíso, Chile.
“Isso pode fazer com que os rios atmosféricos sigam rotas mais complicadas, potencialmente aumentando sua duração e impacto em diferentes regiões.”
Dados os riscos de inundações catastróficas e deslizamentos de terra que eles podem desencadear em todo o mundo, os rios atmosféricos foram classificados em cinco tipos com base em tamanho e força —assim como os furacões.
Mas especialistas dizem que o monitoramento de rios atmosféricos e o trabalho de prevê-los tem sido amplamente limitado à costa oeste dos EUA, onde os impactos são bem observados por muitas décadas.
“Há conscientização e incorporação limitadas de conceitos de rios atmosféricos em previsões meteorológicas regionais”, diz Bozkurt, da Universidade de Valparaíso.
“O principal desafio é a escassez de dados, particularmente dos rios atmosféricos em terrenos complexos.” (BBC News)