Série Economia em Transformação, que integra os especiais temáticos de 150 anos do Estadão, ouve especialistas para apontar saídas dessa situação.
Presa na chamada armadilha da renda média, a economia brasileira tem um longo caminho a percorrer se quiser integrar o grupo das nações mais ricas – aquelas com renda per capita acima de US$ 14.005, segundo critérios do Banco Mundial. Estagnado ao longo das últimas décadas, o Brasil tem se distanciado das principais potências e enfrenta uma série de desafios para subir de patamar e deixar, enfim, de ser o eterno país do futuro. Mas há soluções, mesmo que complexas.
O Estadão ouviu analistas econômicos para discutir saídas dessa situação e caminhos para avançar de estágio. O resultado é esta reportagem em seis partes que ancora este Economia em Transformação, o terceiro capítulo da série de especiais temáticos que o jornal publicará até o fim de 2025, dentro das celebrações de seu sesquicentenário.
A economia brasileira lida com problemas estruturais. A qualidade da educação é ruim, o ambiente de negócios é pouco amigável para os investimentos, o resultado das contas públicas fica abaixo do necessário para garantir confiança aos investidores no longo prazo, e o Brasil é um país fechado, pouco integrado ao resto do mundo.
“Qualquer sistema econômico é o resultado, fundamentalmente, de duas variáveis: a qualidade dos jogadores e das regras do jogo”, afirma Eduardo Giannetti, economista e filósofo.
As nações que conseguiram enriquecer foram aquelas que construíram economias mais produtivas. Elas concentram seus esforços na formação de capital humano, têm instituições sólidas, são integradas às cadeias globais e fazem uma alocação eficiente de recursos. São donas, portanto, de uma mão de obra qualificada e de um bom ambiente de negócios. Tudo isso resulta em uma população altamente educada, com acesso a empregos de qualidade e, consequentemente, mais rica.
“É a diferença entre você acordar de manhã e ir para uma banquinha de camelô, ou você acordar de manhã e ir para uma fábrica robotizada ou para um computador trabalhar em criação”, diz Giannetti. “A pergunta é a seguinte: por que o trabalho de um ano de um brasileiro gera um resultado econômico quatro a cinco vezes menor do que o trabalho de um ano em um país de alta renda?”, questiona.
Há um consenso, portanto, de que o Brasil precisa avançar em medidas que acelerem o ganho de produtividade. No passado, o País conseguiu crescer e enriquecer com o chamado bônus demográfico – a entrada maciça de trabalhadores no mercado de trabalho -, mas esse fenômeno se esgotou com o envelhecimento da população.
“O Brasil vem envelhecendo e perdeu o bônus demográfico. Aquele boom de crescimento que vivemos, nas décadas de 1960, 1970 e 1980, não vai acontecer mais. Não vamos ter aquela mesma massa de entrada de mão de obra que gerou o impulso e o grande crescimento da economia brasileira”, afirma Guilherme C. Gerdau Johannpeter, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
“Qual é a nossa saída para voltar a ter um crescimento sustentável? A nossa saída é única e por meio do ganho de produtividade. E esses ganhos de produtividade só podem acontecer com reformas”, acrescenta o executivo, também vice-presidente do conselho de administração da Gerdau.
Voo de galinha
Na história brasileira, são comuns períodos de bons resultados seguidos de anos de baixo crescimento e recessões. É o chamado voo de galinha. Desde 2021, na saída da pandemia de covid, o Produto Interno Bruto (PIB) tem avançado de forma consistente, mas não há, ao menos por ora, uma expectativa de que esse ritmo se mantenha.
“Se pegar os últimos 40 anos até a pandemia, de 1980 a 2019, o Brasil em 26 anos cresceu perto de 3% do PIB por habitante. O diabo é que a gente tem muitas crises”, afirma Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica e sócio-diretor da Gibraltar Consulting. “O País teve 26 anos de crescimento bom, mas 14 anos de crises graves. E as crises graves levam a essa perda de renda na comparação com outros países.”
O ambiente macroeconômico é bastante incerto, sobretudo por causa da parte fiscal. O País tem um endividamento alto. Sem previsão de estabilizá-lo tão cedo, a percepção elevada de risco dos investidores com a economia brasileira aumenta, o que faz com que investidores cobrem juros mais altos para aplicar no Brasil. Os investimentos das companhias ficam mais caros, assim como o consumo das famílias.
“O juro alto dificulta tudo. Dificulta a vida das pessoas que querem financiar a sua hipoteca, encarece muito as obras de infraestrutura, de estradas, de portos e aeroportos. Encarece muito também a infraestrutura urbana, tão importante para o dia a dia das pessoas”, diz Samuel Pessôa, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre).
E o Brasil tem apresentado uma dificuldade para aumentar o investimento. Em 2024, foi de 17% do PIB, abaixo do patamar de 20% do PIB que a economia brasileira chegou a colher no início dos anos 2010.
“Nós estamos vendo uma deficiência de investimento em capacidade produtiva e em infraestrutura no Brasil”, afirma Giannetti. “Parte é explicada pelo estrangulamento fiscal do Estado brasileiro, mas parte também é explicada pela retração da disposição de investir do setor privado no Brasil. Em grande parte, por conta das incertezas, da nebulosidade do horizonte econômico e, talvez, político.”
Aposta nas reformas
A recente aprovação da reforma tributária foi um dos grandes marcos da economia e deve ajudar a modernizar a economia brasileira e a melhorar o ambiente de negócios, dado que o sistema que vigora atualmente é caótico. A reforma unifica cinco impostos sobre consumo. São eles: os federais IPI, PIS e Cofins, o estadual ICMS e o municipal ISS. Ela deverá estar implementada de forma completa em 2033.
Ao longo dos últimos anos, o Brasil conseguiu endereçar uma série de reformas, além da tributária. Aprovou a trabalhista e a da Previdência. Também instituiu marcos importantes, como o do saneamento, responsável por atrair investimentos bilionários. Tudo isso ajuda na modernização da economia brasileira e no ganho de produtividade do País. Mas ainda há uma agenda extensa, como avançar numa reforma administrativa e melhorar a qualidade do gasto brasileiro.
“Nós temos de discutir com mais cuidado a qualidade da política pública. Será que o dinheiro está chegando em quem precisa? Será que são os mais vulneráveis que estão sendo beneficiados?”, questiona Lisboa.
“É a diferença entre você acordar de manhã e ir para uma banquinha de camelô, ou você acordar de manhã e ir para uma fábrica robotizada ou para um computador trabalhar em criação”, explica Eduardo Giannetti, economista e filósofo, sobre a diferença entre países de média e alta renda
O Brasil também tem falhado na agenda educacional. Ainda que atrasado em relação a outros países, o País conseguiu colocar as crianças nas escolas e ampliou os recursos para a educação, mas o desafio agora é melhorar a qualidade do ensino. Os últimos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mostraram os alunos brasileiros nas últimas colocações entre 81 nações. A melhor posição foi o 52º lugar, no quesito leitura.
“O Brasil ficou para trás na educação de uma maneira assustadora”, afirma Lisboa. “A capacidade de uma criança de 8 anos de idade ler um texto de oito, dez frases, saber separar fato de opinião… ela não consegue. Metade não consegue. Os números são muito preocupantes.”
Integração com o mundo
Chegar ao seleto grupo de economias ricas não é um caminho trivial. Nos últimos 70 anos, poucos países venceram a armadilha da renda média, conta Giannetti. “Todos eles, sem exceção, fizeram isso aumentando a exportabilidade do PIB. Não tem exceção”, diz. Em outras palavras, foram economias que conseguiram se conectar com o resto do mundo, participar das cadeias de produção globais e aumentar a venda dos seus bens e serviços.
Hoje, o desafio de fazer parte do mundo é complexo, dado o cenário de mais protecionismo, liderado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com a imposição do seu tarifaço sobre importações pelos norte-americanos para os seus principais parceiros comerciais, incluindo o Brasil.
“Nesse momento em que está havendo um processo de desglobalização, ou pelo menos o fim da hiperglobalização, o Brasil tem um enorme potencial para avançar, até porque nós ficamos fora das cadeias globais de produção”, afirma Giannetti.
“O mundo está buscando segurança e diversificação, porque houve uma concentração excessiva em poucos fornecedores globais para insumos muito importantes das cadeias globais de produção. O Brasil tem um potencial extraordinário em áreas ligadas à energia, aos recursos renováveis, à biodiversidade, ao turismo ecológico, e nós temos de saber aproveitar essa oportunidade”, acrescenta.
“O Brasil ficou para trás na educação de uma maneira assustadora (…). Os números são muito preocupantes”, afirma Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica e sócio-diretor da Gibraltar Consulting
Se o País almeja estar entre os líderes de algum setor econômico, permitir a importação de insumos e equipamentos de qualidade e mais baratos é fundamental para conseguir competir globalmente.
“Nós temos uma oportunidade de, nos próximos dez anos, avançar muito na abertura da economia, porque a aprovação da reforma dos impostos indiretos vai reduzir o custo de operação da indústria manufatureira”, diz Pessôa. “E eu acho que, como contrapartida, podemos propor que a indústria, agora, sem aquela bola de ferro no pé da complexidade tributária, aceite competir mais com o resto do mundo” (Estadão)