Estamos preparados para a nova gripe aviária?

Mutações do vírus em mamíferos exigem investimento científico e vacinal. Por Ester Sabino

Desde 2019 estamos enfrentando uma das maiores pandemias em aves, com mais de 300 milhões de animais mortos em todos os continentes. A causa é uma nova variante do vírus da influenza, H5N1 linhagem 2.3.4.4b. Normalmente, as cepas de influenza aviária não infectam mamíferos, pois o receptor que o vírus usa para entrar nas células das aves é diferente, restringindo sua capacidade de replicação em outros animais.

No entanto, desde 2023, surtos de H5N1 têm ocorrido em mamíferos como visons, focas e leões-marinhos em várias partes do mundo. Em abril deste ano, foi detectada uma epidemia em bovinos nos EUA que provavelmente iniciou com transmissão direta entre os rebanhos, sem a necessidade de aves. Os cientistas descobriram que isso aconteceu devido a mutações no vírus, que agora é capaz de se ligar a um receptor presente em mamíferos.

Essa evolução do patógeno eleva o risco de pandemia para 4, numa escala de 5. Duas grandes pandemias de influenza de origem aviária ocorreram em 1957 e 1968 e, em ambos os casos, a capacidade adquirida pelo vírus de se ligar ao receptor de mamíferos foi fundamental para que isso ocorresse.

O monitoramento desse vírus falhou nos EUA, onde foram necessários vários meses para detectar o surto, que ainda não foi controlado. Aprendemos com a Covid-19 o que acontece quando um vírus circula sem controle: mutações são adquiridas, conferindo ao patógeno aumento da transmissibilidade, escape da resposta imunológica e capacidade de infectar novas espécies. É importante lembrar que o vírus da influenza gera um número de mutações por ciclo de replicação muito maior que o Sars-CoV-2.

Ainda é difícil prever como essa situação pode evoluir. Os países ricos já começaram a se organizar e comprar vacinas para o H5N1. A Finlândia, por exemplo, está considerando imunizar as pessoas que cuidam de animais.

E o Brasil? Será que nossas instituições dispõem das estruturas necessárias para monitorar e integrar dados de áreas tão diversas como agropecuária, animais selvagens e seres humanos? Já temos a vacina em produção? As agências de fomento à pesquisa já organizaram os cientistas para responder a este novo problema?

Fico feliz em saber que um laboratório de contenção de nível de segurança P4, o maior de todos, está sendo construído em Campinas (SP), no CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), visando viabilizar o estudo de novos agentes patogênicos e apoiar o Ministério da Saúde em momentos de crise sanitária. É crucial que os responsáveis pela pesquisa e pela vigilância sanitária trabalhem em conjunto. Esse vírus precisa ser monitorado não apenas através do sequenciamento genético, mas também por meio de ensaios que determinem quando é necessário mudar a cepa presente em uma vacina.

Vale lembrar que o Instituto Butantan já possui a tecnologia necessária para a produção de vacinas contra o H5N1. Além disso, o Brasil precisa desenvolver a capacidade de criar medicamentos, evitando sua dependência sobre a distribuição e o preço durante uma pandemia.

Precisamos também restabelecer uma comunicação sistemática com a população. Grupos negacionistas, liderados por pseudomédicos, já estão disseminando desinformação sobre o H5N1. É fundamental que todos compreendam cada passo na preparação para uma epidemia e reconheçam a importância dos recursos necessários nesse processo. Os investimentos em prevenção são muito menores do que os necessários para a mitigação, mas isso só se tornará evidente se informarmos continuamente a população sobre as novas ameaças e a política coordenada para enfrentá-las.

Não podemos permitir cortes de recursos em agências de fomento, como a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), fundamentais para a ciência brasileira, especialmente durante crises sanitárias como a pandemia de Covid-19.

Espero sinceramente que o H5N1 não adquira as poucas mutações necessárias para se replicar nas vias aéreas humanas. No entanto, não podemos nos limitar apenas a esperar: é hora de agir (Ester Sabino, professora titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP; pesquisadora da USCS e do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo; Folha)

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