Documento de reunião entre empresas e Aneel detalha balanço de empresas, que já congelam aportes.
As maiores empresas de energia eólica que atuam na região Nordeste do país contabilizam um prejuízo de R$ 1,4 bilhão com seus empreendimentos, rombo financeiro que tem comprometido as operações atuais e que já levou empresas a congelarem planos bilionários de investimentos no país.
A origem do problema envolve desde limitações técnicas e regras do setor elétrico para transmitir a energia produzida pelos parques eólicos do Nordeste, até atraso em linhas de transmissão e subestações, impondo restrições ao que cada gerador poderia entregar.
A Folha teve acesso ao conteúdo de uma reunião feita na última semana de agosto entre executivos das empresas e representantes da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
O encontro teve a participação de empresas como CPFL, EDP, Engie, SPIC e Voltalia, donas de grandes parques eólicos no Nordeste. O objetivo era detalhar os prejuízos que cada companhia tem sofrido com o corte imposto na geração, principalmente nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte.
A CPFL relatou que já registrou pelo menos R$ 200 milhões em prejuízos neste ano. A EDP informou que tem sofrido com cortes acima 30% em seu potencial de geração, com cerca de R$ 3 milhões de prejuízo por semana.
A SPIC, que atua com eólicas e painéis solares, falou em perdas de 65% e prejuízo de R$ 10 milhões por mês. No caso da Voltalia, cerca de 80% de sua potência total de 1.500 megawatts (MW) instalados no país chegaram a ser cortados, resultando em um prejuízo de R$ 111,2 milhões entre janeiro e setembro de 2024.
No encontro, os executivos expuseram os dados e falaram em risco iminente de calotes em cascata, envolvendo pagamentos de dívidas com bancos, operações de manutenção das plantas e até de aluguéis de terrenos onde ergueram seus cata-ventos. Numa apresentação feita durante o encontro, afirmaram que há “risco de destruição de um setor que ganhou em credibilidade e exemplaridade no mundo”.
A grita não é por acaso. Pelas regras do setor elétrico, cada gerador de energia tem contratos firmados para entregar um determinado volume de energia.
Quando esse volume é reduzido por determinação do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), a companhia não só deixa de receber pela energia frustrada, como precisa comprar esse volume no mercado externo, de outra usina, para honrar seus compromissos. Essa situação se agrava ainda mais no momento atual, com a seca dos maiores reservatórios e a necessidade de adquirir a energia de usinas térmicas, que são muito mais caras que as outras fontes.
Robert Klein, presidente da Voltalia para América Latina, diz que várias empresas já estão sem caixa. “É a situação mais crítica que já vivemos no setor. Entramos num círculo vicioso. Os ativos atuais estão pressionados. Isso cria um precedente muito ruim para o futuro do setor renovável, porque tira a confiança”, afirma.
Há 18 anos no Brasil, a Voltalia pisou no freio sobre investimentos. “Temos uma carteira de investimentos de oito Gigawatts, que soma R$ 5 bilhões, mas a realidade é que, neste momento, é muito difícil tomar uma decisão de construção de novos empreendimentos. Não há como seguir assim.”
Fernando Elias, diretor institucional da empresa Casa dos Ventos, sócia da Total Energies, explica que o ONS tem limitado a distribuição de energia da região por questões técnicas, as quais envolvem desde a segurança do sistema elétrico, como limitações de equipamentos existentes. “Entendemos que o ONS busque a segurança elétrica a qualquer custo, mas essa decisão não pode ser ao nosso custo”, diz.
As estruturas de intercâmbio de energia estavam previstas, segundo o executivo, com base no aumento projetado da geração, mas essas obras não aconteceram. “Não faz sentido os geradores ficarem sem ressarcimento, por causa dos problemas externos. Não podemos pagar por algo que não temos culpa.”
O total da energia eólica e solar represada neste ano no Nordeste já equivale a três meses de geração plena de Itaipu, a maior usina do Brasil, segundo os empresários.
O assunto escalou e foi parar na Justiça. Depois de tentar resolver o impasse com a Aneel, que regula os contratos de concessão, as empresas desistiram e partiram para os tribunais. No entendimento dos agentes, a Aneel deveria enquadrar a situação como um fator externo a elas, fazendo com que o rombo na geração passasse a ser pago por encargos da conta de luz. A agência tem resistido a essa tese.
A Aneel foi procurada pela Folha, mas não respondeu ao pedido de posicionamento. O ONS declarou que atua em conformidade com os critérios de segurança previstos e que esses procedimentos incluem “a limitação do escoamento de geração em montantes compatíveis com a capacidade dos geradores eólicos e solares”, devido a variações de tensão na rede provocadas por falhas em equipamentos.
“Não se trata de operação conservadora, mas de garantir a confiabilidade do suprimento a toda carga do sistema. O Operador está trabalhando com agentes de geração e fabricantes para melhorar o desempenho desses equipamentos”, afirma o órgão.
O ONS diz, ainda, que há restrições “devido a excedentes de geração no sistema e por razões de indisponibilidades” da rede de transmissão.
Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica, diz que o setor não tem mais condições de seguir adiante sem uma solução. “Vivemos uma situação absurda e paradoxal, em que o Sudeste está queimando óleo, enquanto sobra energia no Nordeste, mas não podemos entregar e ainda somos punidos por isso.”
A CPFL afirma que “os cortes de geração continuam a ocorrer e segue em contato com as autoridades para tratar deste assunto”. A EDP diz que os cortes de geração eólica e solar “representam um importante desafio para o sistema elétrico brasileiro” e que isso “tem trazido grandes prejuízos em projetos de geração”.
A SPIC Brasil afirma que, desde fevereiro de 2022, tem sofrido perdas relevantes em projetos solares localizados no Piauí e Ceará. “A SPIC espera que as questões sejam endereçadas e solucionadas com boa governança setorial que influenciarão a futura tomada de decisões de investimento e a manutenção da competitividade do setor de energia renovável no Brasil.” (Folha)