Exportadores brasileiros e importadores americanos podem aderir a regimes que diminuam taxas, ou até buscar isenção ao reclassificar suas mercadorias.
As empresas estão buscando formas criativas e legais para diminuir o impacto da tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras para os Estados Unidos, adotada pelo governo do presidente Donald Trump.
Auditorias e consultorias de negócios contam que seus clientes, tanto do lado dos exportadores brasileiros quanto dos importadores americanos, estão buscando adotar estratégias para baixar o preço de venda do produto, no momento do tráfego aduaneiro. O objetivo é diminuir a base de incidência do tarifaço, ou então reclassificar os itens vendidos para que sejam contemplados na tabela de quase 700 produtos isentos das taxas.
“Muitos importadores não têm como mudar de fornecedor no curto prazo, e as tarifas encarecem o seu produto para consumo interno ou para exportar. Então, eles passaram a observar mecanismos para desonerar a sobretaxa que incide nos produtos do Brasil”, diz Carlos Ottoni, sócio da KPMG. “Assim como tem no Brasil regimes de desoneração, existem também nos EUA, ainda que em escala menor. Mas as empresas americanas não usavam esses recursos, por que, como as taxas de importação eram reduzidas, não fazia sentido esse esforço.”
Agora, eles vêm sendo buscados. Algumas dessas alternativas são a chamada “first sale”, ou “primeira venda” em português, ou o uso das dezenas de zonas de comércio exterior (foreign-trade zones) próximas dos portos americanos, em que os produtos podem ficar armazenados, serem retrabalhados ou até revendidos, sem nem passarem por uma importação formal e pagar tarifas. Há ainda sistema similar ao drawback disponível para exportadores no Brasil, em que a empresa tem direito a restituição do imposto pago para importar insumos que serão utilizados para fabricar algo que será exportado.
Desses três caminhos, “o mais interessante é o first sale”, segundo Ottoni, uma vez que “o drawback é bastante limitado e as zonas de exportações precisam ser utilizadas por empresas com operações no local”. Essa primeira modalidade funciona com o princípio de tirar do preço tudo que tem relação com intermediários. Por exemplo, em vez de ser utilizado o preço de importação como base para aplicar a tarifa de 50%, é contabilizado o valor da primeira venda do produto pronto.
Por exemplo, mesmo que o item passe por uma trading antes de ser exportado pelo Brasil para os Estados Unidos, o valor final da saída do produto do país não é contado, descontando as margens de lucro de qualquer intermediário e custos logísticos. “O intermediário comprou no Brasil a US$ 700, aplicou a margem e revendeu por US$ 1 mil. Em princípio, ele não conta o valor da venda, mas da produção”, diz. Então, o imposto que seria de US$ 500, elevando o preço total a US$ 1.500, acaba sendo reduzido para US$ 350, fechando o preço final em US$ 1.350, uma diferença significativa a cada item vendido.
Há também casos que a trading leva o produto para outro país, como o Panamá, antes dos Estados Unidos, facilitando a separação do custo de primeira venda. “O único cuidado é que o governo americano pede uma série de exigências e documentações para comprovar esse valor menor”, afirma Ottoni. “Os nossos colegas consultores nos EUA têm feito centenas de trabalhos para fazer as empresas aderirem a isso. É uma alternativa que o exportador brasileiro pode levar a seu cliente nos EUA, para ele poder economizar.”
Ainda há uma alternativa um pouco mais complexa para baixar o valor do produto sobre o qual vai incidir o tarifaço. Ela é chamada de valor aduaneiro do produto. Como as tarifas para exportar aos EUA eram historicamente baixas, as empresas costumavam agregar ao preço do produto exportado custos de serviços, seguros, cobranças de royalties e gastos de frete internacional, por exemplo.
Agora, faz sentido separar todos esses preços adicionais e deixar a venda apenas pelo preço do produto em si. Todos os outros custos embutidos podem ser cobrados por meio de notas separadas, e até mesmo por meio de empresas diferentes em relação à fabricante do item. Parte do valor pode ser comercializado até por uma empresa americana. Tudo isso torna a venda mais complexa, mas pode fazer a diferença na margem de lucro, e no valor de compra do importador.
“Todo esse assunto tomou proporção maior por conta do tarifaço, mas questões tarifárias sempre foram usadas como ferramentas e alternativas perfeitamente legais no comércio internacional, e as regras brasileiras são parecidas com as práticas globais”, diz o sócio líder de consultoria tributária da Deloitte, Luiz Rezende.
Benefícios para exportações
Do lado brasileiro, os exportadores podem ter benefícios tributários se aderirem a regimes como o Regime Aduaneiro de Entreposto Industrial sob Controle Informatizado (Recof) e o Operador Econômico Autorizado (OEA).
O Recof é um regime aduaneiro especial. Em linhas gerais, ele permite que os insumos não sofram tributação se mais de 50% do produto final for direcionado para o exterior. É muito parecido com drawback, mas com flexibilidade maior. No entanto, ele é menos utilizado por exportadoras brasileiras do que poderia.
“Ele foi criado em 1997 como uma evolução do drawback, que remonta aos anos 1960”, afirma Rezende. “Quando foi criado, era bem complicado e só era usado por grandes exportadoras, Mas, em 2017, ele sofreu grande simplificação, mas a ideia de que é complicado ainda perdura, e por essa questão cultural ainda é pouco usado.”
Já o OEA permite à empresa ser certificada pela Receita Federal por conta de critérios de segurança e conformidade. Assim, ela pode usufruir de benefícios como maior agilidade nas operações de comércio exterior, redução de inspeções e a adesão a acordos de reconhecimento mútuo com aduanas de outros países. Dessa forma, pode exportar por menos custos e com mais velocidade.
“A regra de first sale funciona especialmente bem em setores como moda e bens de consumo, em que há muitos intermediários entre a fábrica e o varejo”, afirma o empresário brasileiro Richard Harary, CEO da Marco Corporation, que ajuda importadoras nos EUA a comprar do Brasil. “Já o Recof é muito eficaz em indústrias que importam grande volume de insumos, como automotiva e eletroeletrônicos. Nessas situações, a empresa consegue operar com menor custo tributário e maior flexibilidade no fluxo de caixa.”
Lista de exceções
Além da busca de alguma possibilidade de economias nos encargos com as tarifas, outra estratégia que vem sendo adotada é analisar a classificação fiscal da mercadoria, explica Monique Almeida, sócia de consultoria tributária da Deloitte. “Muitas empresas estão se debruçando sobre a lista de quase 700 exceções para saber se há um produto próximo ao que é vendido pela empresa, em qual ele pode se adequar”, diz.
Segundo ela, no Brasil, é comum as empresas fazerem periodicamente a avaliação de classificação de suas mercadorias, para se adequar a regimes fiscais mais favoráveis, e por conta de mudanças nos itens e nos insumos usados. “Autopeças para veículos pesados podem sofrer isenção, e isso não acontecer se for para leves. Não pode descaracterizar o produto, mas há possibilidades de escapar das tarifas em alguns casos”, afirma Monique.
Também existe uma categoria da siderurgia que ficou fora da taxa mais alta, o ferro-gusa. Quem conseguir reclassificar legalmente suas importações de aço para ferro-gusa vai reduzir a tarifa de 50% para os 10%, que foi a tarifa-base estabelecida por Trump.
As consultorias e empresas de auditoria, no entanto, alertam as empresas para evitar buscar medidas não ortodoxas, que podem resultar em punições. “Nós e outras consultorias sérias não vamos indicar essas alternativas”, defende o CEO da auditoria internacional RSM no Brasil, Laércio Soto.
Há esforços acontecendo junto a consultorias para as empresas ganharem mais eficiência nas exportações, diminuir custos e vender de forma mais organizada. Mas também as empresas estariam ainda aguardando mais definições. “Muitos acreditam que haverá mais isenções de tarifas. O mercado espera mudança de decisões”, diz Soto. “As grandes exportadoras do Brasil estão fazendo conexão direta com quem compra lá, para fazer acordos e não interromper o fornecimento. Do lado de lá, o mercado americano ainda está vendo efeitos do que acontece internamente. O grande parâmetro vai ser o ano-calendário.
Se virar o ano e os dois governos não entrarem em equilíbrio, quem vai fazer isso é o comprador e o vendedor.” (Estadão)