Canéfora se consolida no segmento dos cafés especiais

Produtores das variedades conilon e robusta, de diferentes regiões do país, investem em técnicas de manejo para alcançar alta pontuação e aumentar rentabilidade.

Os cafés robusta e conilon, variedades da espécie canéfora historicamente associadas a produtos de baixa qualidade, já não são mais os patinhos feios do setor. Somente no ano passado, a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) certificou seis lotes de canéforas —significa que os grãos, isentos de impurezas e defeitos, conquistaram mais de 80 pontos nas análises sensoriais.

Esses cafés, que já vinham aparecendo em microlotes nas cafeterias da capital paulista, também entraram com força na pauta da grande indústria.

Desde 2019, quando a marca Nescafé estreou no segmento de cafés premium, a Nestlé vem apostando no canéfora. A segunda edição limitada do Nescafé Origens do Brasil, café torrado e moído proveniente das Montanhas Capixabas, acaba de chegar ao mercado.

Ao contrário do lote anterior, lançado em 2022, o atual é 100% canéfora —embora o produto mescle grãos das variedades robusta e conilon, a empresa optou por identificá-lo apenas como robusta, por considerar a classificação mais conhecida pelo consumidor.

“Nos incomodava ver esse café atrelado à baixa qualidade, por isso redirecionamos nossos investimentos em comunicação e inovação para o canéfora especial”, afirma Taissara Martins, gerente de sustentabilidade da Nestlé.

A aposta da multinacional, que trabalha com 1.500 fornecedores de café no Brasil, não se baseia apenas nos aspectos sensoriais interessantes que o canéfora pode entregar, desde que seja cultivado e beneficiado com os mesmos cuidados dispensados ao arábica.

Trata-se de uma espécie mais rústica, menos vulnerável a pragas, que se adapta facilmente a diferentes terroirs, independente da altitude, e demonstra maior capacidade para resistir aos eventos climáticos extremos.

A produtividade média do canéfora também ganha do arábica. “São 80 sacas por hectare, contra as 60 sacas do arábica. Produzo mais, com custo mais baixo. Como as plantas concentram mais frutos, até o pessoal que trabalha na colheita tem preferido trabalhar com o canéfora”, relata o cafeicultor Luís Carlos Gomes, proprietário da Fazenda São Bento, em Santa Teresa (ES).

Além de ser um dos fornecedores da nova linha Nescafé, Gomes também vendeu seus grãos para a edição Melitta Terras Capixabas 100% Canephora, lançada em novembro de 2023. Atualmente, os pés de robusta e conilon respondem por 30% de seu cafezal, mas ele prevê que a proporção logo vai se inverter.

“Temos sofrido com a falta de chuvas, e regiões tradicionais no café arábica estão sentindo mais. Já vejo muito produtor, por aqui, interessado em mudar para o canéfora”, diz o cafeicultor. 

Em comparação com o arábica, o canéfora só apresenta uma desvantagem: por ser uma planta com fecundação cruzada, a polinização só acontece quando há plantas de materiais genéticos diferentes no mesmo talhão.

Para dar uma forcinha à natureza, a Nestlé desenvolveu o projeto Colmeia, em parceria com a empresa Agrobee, especializada na integração de produtores rurais e apicultores —caixas de abelhas Apis mellifera, também conhecidas como europeias, foram instaladas no meio dos cafezais durante o período da floração.

Só na Fazenda São Bento, foram 40 caixas —cada uma abriga até 100 mil indivíduos. Elas ficaram concentradas em um talhão de 1,8 hectare, ao longo de 15 dias. Um plano de polinização guia a distribuição das colmeias, para que as abelhas, que voam a até 3 quilômetros de distância, consigam polinizar toda a área plantada.

Durante esse período, por segurança, os talhões ficam isolados com fitas zebradas —para chegar perto das caixas, é preciso usar trajes de proteção próprias para apicultura. Em áreas de maior fluxo de trabalhadores, a Agrobee opta pela abelha nativa Scaptotrigona bipunctata, conhecida como Tubuna, que não tem ferrão.

Segundo Guilherme Sousa, fundador da Agrobee, o movimento na área deve ser o menor possível e a aplicação de defensivos agrícolas, inteiramente suspenso. Ele garante que vale a pena. “O incremento na produtividade, no caso dos cafés conilon e robusta, pode chegar a 20%”, afirma.

O mel resultante do Projeto Colmeia integra o kit vendido pela Nescafé. A lata com 250 gramas de café moído, com um potinho com 40 gramas de mel de flor de café, sai por R$ 30,77 na Amazon —a previsão é que o kit chegue às cafeterias e empórios de São Paulo até o fim de maio.

Foi também em 2019 que a 3 Corações incluiu o canéfora especial em seu portfólio. Os microlotes do projeto Tribos são cultivados nas terras indígenas Rio Branco e Sete de Setembro, ambas em Rondônia —na Amazon, o pacote com 250 gramas do café torrado e moído custa R$ 26,98.

O estado, em 2021, conquistou a primeira Indicação Geográfica (IG) do mundo para cafés canéfora —fruto do cruzamento das variedades conilon e robusta, esse café chega ao mercado com a Denominação de Origem Robusta Amazônico e foi descoberto pela 3 Corações por acaso, em uma feira do setor.

“Conhecemos o líder indígena Dalton Tupari, que trazia seu café nas mãos, e decidimos fazer uma imersão em Rondônia. Eles já recebiam ajuda da Embrapa, para aprimorar o manejo, mas ainda vendiam o café para intermediários, a preço muito baixo”, lembra Patricia Carvalho, líder do Projeto Tribos.

O suporte da indústria, oferecido originalmente a três famílias, cresceu e já atinge 297 hectares, pertencentes a 150 núcleos familiares. A 3 Corações garante a compra de toda a safra e, desde 2019, arrematou 6800 sacas. Os grãos mais promissores entram no Concurso Tribos —dependendo da pontuação do café, o produtor recebe até 100% acima do preço de mercado.

Segundo Carvalho, a expansão do Projeto Tribos é certa. “O canéfora tem muito potencial. Não vejo como uma substituição ao arábica, mas como uma opção a mais. Ainda temos muito a descobrir sobre toda a complexidade de sabor que ele pode entregar.” (Folha)

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