Nova guerra comercial em período de preços baixos e produção elevada afeta renda.
As regiões agrícolas dos Estados Unidos deram apoio maciço a Donald Trump, levando-o de volta à Casa Branca. Isso ocorre, no entanto, em um momento muito delicado para o setor agropecuário do país.
Se já está ruim, pode ficar ainda pior. Os americanos, que exportaram o equivalente a US$ 196 bilhões de produtos relacionados à agropecuária em 2022, mantendo um equilíbrio entre exportações e importações, tiveram déficit de US$ 21 bilhões em 2023.
Os números de 2024 também não são animadores. Até agosto, as exportações recuaram para US$ 113 bilhões, e as importações subiram para US$ 140 bilhões. Nos oito primeiros meses, portanto, o déficit já é de US$ 27 bilhões.
Esse cenário se desenvolve em um período de queda de preços das commodities no mercado internacional e em um momento de safras recordes de grãos nos campos americanos.
O aumento de produção permitiria uma melhora na renda do setor agrícola, mas a eleição de Trump deverá frear tanto as exportações como uma possível recuperação dos preços.
A anunciada continuidade da guerra comercial, com a imposição de tarifa para produtos externos, eleva a inflação nos Estados Unidos, interrompe a queda de juros, impede retomada da economia e reduz a demanda por commodities.
Se o cenário de 2018 e 2019 se repetir, os americanos vão exportar menos para a China, principal importadora mundial de alimentos, e concorrer ainda mais com a América do Sul, que também deverá ter safra recorde.
Uma diferença, porém, é que os Estados Unidos já têm a safra 2024/25 praticamente guardada nos armazéns. As do Brasil e da Argentina ainda são promessas. As previsões indicam safra americana de soja em 125 milhões de toneladas e a de milho em 386 milhões.
Em um segundo governo de Trump, as coisas podem não acontecer exatamente como foram no primeiro. Há novos conflitos geopolíticos interferindo nas relações globais, mas provavelmente a China vai continuar priorizando compras de soja e de milho no Brasil, na Argentina e na Ucrânia.
Em 2017, antes de Trump assumir a Presidência dos Estados Unidos, as exportações agrícolas americanas para a China renderam US$ 20 bilhões. No primeiro ano de governo do republicano esses valores caíram para US$ 9 bilhões, subindo para US$ 14 bilhões no seguinte. Em 2023, as receitas voltaram para US$ 29 bilhões.
Antes de Trump assumir o primeiro mandato, os chineses importaram 32 milhões de toneladas de soja dos americanos, volume que caiu para 8 milhões no primeiro ano de governo do republicano. No governo de Joe Biden, voltou para os 30 milhões.
As importações de milho também recuaram, mas os chineses voltaram ao mercado americano com força a partir de 2021. Após a liberação de importação do cereal brasileiro, a China esqueceu os Estados Unidos. Em 2024, as compras da China nos Estados Unidos estão com queda de 71%.
Ausentes do mercado brasileiro até 2021, os chineses adquiriram 16 milhões de toneladas de milho do Brasil no ano passado.
A China já vinha se preparando para uma vitória de Trump, aumentando os estoques internos de grãos, fazendo compras de alguns produtos até mesmo nos Estados Unidos.
Os americanos podem perder presença também no setor de carnes, importante para o agronegócio do país. As exportações de 2023 para a China somaram US$ 3,6 bilhões, com destaque para US$ 1,6 bilhão de carne bovina.
Até o Brasil, que tem nos Estados Unidos o segundo maior mercado para a carne bovina, poderá entrar na mira do governo americano, uma vez que os pecuaristas, apoiadores de Trump, nunca esconderam a insatisfação com a expansão brasileira.
As negociações entre Estados Unidos e China, no entanto, ainda são imprevisíveis. Pode haver uma ruptura, mas Trump também pode conseguir seu objetivo de fazer os chineses comprarem o correspondente a US$ 50 bilhões em produtos agropecuários, uma promessa do acordo feito no primeiro governo.
Uma perda da presença americana no setor mundial de alimentos vai recair sobre o bolso do produtor, como ocorreu no primeiro mandato do agora reeleito presidente. Naquele período, o governo teve de subsidiar em pelo menos US$ 23 bilhões o setor para compensar perdas ocorridas com a posição inflexível de Donald Trump nas negociações mundiais.
Desta vez, ele vem ainda mais furioso. No primeiro mandato, forçou empresas estrangeiras a montar bases nos Estados Unidos. Agora, ameaça colocar tarifas até nos produtos da gigante americana John Deere, se ela transferir parte da produção para o México.
Patrocinado por petroleiras, a ação de Trump deverá inibir até o crescimento da energia renovável, produzida, em boa parte, por produtos agropecuários.
Discussões sobre clima e os mais recentes fenômenos mundiais causados pelas mudanças climáticas ficarão, com certeza, para o governo que o sucede (Folha)