Texto proíbe a adoção de imposto zero nas vendas externas de alimentos in natura e semielaborados.
Em meio a negativas iniciais do governo federal para ideias de limitar exportações de produtos agropecuários, a base aliada de Lula no Congresso Nacional apresentou uma proposta para estabelecer um piso mínimo de 5% para a tributação da venda externa de alimentos in natura e semielaborados.
O projeto de lei complementar 48/2025 visa a impedir a possibilidade de imposto zero sobre as exportações e prevê um reajuste mensal das alíquotas, de acordo com a inflação dessa cesta de produtos apurada internamente. É assinado pelos deputados federais Fernanda Melchionna (Psol-RS), Sâmia Bomfim (Psol-SP) e Glauber Braga (Psol-RJ).
Em 2021, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), com amplo apoio da bancada petista, apresentou proposta semelhante, que aguarda votação na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara Federal após ser rejeitada na Comissão de Desenvolvimento Econômico em 2023.
Atualmente, a lei brasileira diz que o imposto de exportação pode chegar a 30%, mas delega ao Poder Executivo a possibilidade de zerar a taxação, o que ocorre para os produtos agropecuários. Armas e cigarros são alguns itens cuja venda externa é tarifada.
De acordo com os autores, os objetivos são garantir que “uma parcela da produção seja mantida no mercado interno” e evitar “desabastecimento e choques inflacionários descontrolados”. A maior parte da produção agropecuária brasileira é consumida internamente. No caso da carne bovina, por exemplo, apenas 32% do volume produzido foi exportado em 2024.
A proposta, apresentada no início desta semana, estabelece um mecanismo dinâmico para o imposto de exportação sobre produtos agropecuários. A ideia é tornar a taxação um “estabilizador automático” dos preços dos alimentos. Segundo o texto, a tributação deve fazer com que as cotações desses itens essenciais acompanhem a inflação geral do país, com intervalo de tolerância de 2,5% acima ou abaixo do índice.
A ideia é que haja um monitoramento mensal para dosar e ajustar as alíquotas de exportação, com base na variação dos preços internos dos alimentos no IPCA, “para garantir a convergência dos preços ao intervalo esperado”, segundo a proposta. Nos casos em que o imposto não for suficiente para estabilizar os preços, o Ministério da Fazenda deverá apresentar relatório técnico, com as justificativas e o detalhamento dos fatores que impediram o cumprimento da meta.
“Esse mecanismo assegura que o Brasil não fique à mercê das oscilações internacionais de commodities, evitando que eventos externos, como conflitos geopolíticos ou crises climáticas em outros países, comprometam o direito da população brasileira à alimentação adequada”, dizem os autores na justificativa do projeto.
Reportagem do Valor Econômico mostrou nesta quarta-feira (26/2) que a taxação de exportações chegou a ser discutida por um grupo técnico dos ministérios em Brasília, mas não avançou após críticas do setor produtivo e da ameaça do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, de deixar o cargo caso propostas dessa natureza avancem no Executivo.
Os parlamentares dizem, na proposta, que as medidas combatem a especulação e a volatilidade dos preços dos alimentos e reafirmam o papel do Estado na “regulação dos mercados, na garantia da soberania alimentar e na proteção das camadas mais vulneráveis da população”. Eles afirmam ainda que, ao priorizar o abastecimento interno e fortalecer a agricultura familiar, “a proposta corrige distorções do atual modelo agroexportador e coloca a segurança alimentar e o interesse público acima da lógica especulativa do mercado global”.
Outros países
Os parlamentares do Psol argumentam que taxas de exportação têm sido aplicadas em outros países e gerado estabilidade em momentos de flutuação de preços e risco de desabastecimento. Os deputados dizem também que o mecanismo pode ajudar a promover a indústria nacional, com incentivos para processamento de produtos primários e semielaborados no Brasil.
Um dos produtos citados no projeto é o café. “Atualmente, o Brasil exporta grãos de café cru, que são transformados em cápsulas de alto valor agregado em países como a Alemanha. Com o imposto de exportação, o país pode desincentivar a exportação de matérias-primas sem processamento e, ao mesmo tempo, estimular a criação de indústrias locais que transformem esses produtos em itens de maior valor, como cápsulas de café”, diz a justificativa do projeto.
Os alimentos in natura considerados pelo projeto são tubérculos, raízes e legumes, hortaliças e verduras, frutas e ovos de galinha. Já os produtos semielaborados são cereais, leguminosas e oleaginosas, carne, pescados, frango e leite longa vida. Serão isentos do imposto, pela proposta, os itens cuja destinação ao mercado doméstico seja superior a 95% da produção total.
A proposta mira produtos agropecuários e minerais, cuja exportação totalizou R$ 1,18 trilhão em 2024. Na estimativa dos autores do projeto, a aplicação do imposto resultaria em arrecadação anual de R$ 59 bilhões.
O texto também indica a destinação dos recursos eventualmente arrecadados: viabilizar uma compensação orçamentária para aumentar o valor do Bolsa Família para R$ 800, cujo custo adicional é estimado em R$ 56,1 bilhões. O projeto ainda quer o aporte de R$ 2,9 bilhões no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e na formação de estoques públicos de alimentos, com a compra de produtos da agricultura familiar e o envio direto para cozinhas solidárias, restaurantes populares e equipamentos da rede socioassistencial.
A proposta prevê ainda a criação um benefício emergencial para agricultores familiares afetados por eventos climáticos extremos. Os beneficiários seriam produtores com renda bruta anual de até R$ 200 mil. Entre as medidas previstas estão suspensão de dívidas bancárias por três meses, assistência técnica especializada para recuperação produtiva e pagamento de auxílio financeiro de dois salários mínimos por família (Globo Rural)