No último dia 21/10, o Governador do Estado do Mato Grosso, Mauro Mendes, sancionou o Projeto de Lei 2256/2024, não permitindo incentivos fiscais do estado para empresas que estejam organizadas em acordos comerciais nacionais ou internacionais que ocasionem restrição de mercado, perda de competitividade do produto mato-grossense ou obstrução ao desenvolvimento econômico e social dos municípios, como é o caso da moratória da soja, sendo esse o principal alvo da nova lei.
A moratória da soja se trata de um acordo privado comercial criado em 2006 em que empresas do ramo da soja, aqui organizadas pela Abiove e Anec, não compram e comercializam soja produzida em áreas desmatadas após 22 de julho de 2008.
Este marco temporal tem relação com o Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012), o qual traça essa data como limite para haver os benefícios do Programa de Regularização Ambiental (PRA), no caso de Área de Preservação Permanente ou Reserva Legal degradada.
Apesar da data ser a mesma, o propósito da moratória da soja diverge do estabelecido no Código Florestal. Por se tratar de um acordo comercial, as empresas podem estabelecer critérios de sustentabilidade comprar e negociar produtos agropecuários.
Entretanto, no caso da moratória estabelece que a proibição de áreas desmatadas após 2008 se aplica tanto para desmate ilegal como legal, sendo que este último é permitido pelo Código Florestal em certos casos e devidamente autorizados pelo órgão ambiental competente. Portanto, a moratória da soja possui critérios ambientais mais restritivos que os presente na lei florestal brasileira.
Mas, esta assimetria entre a moratória e o Código Florestal sobre o entendimento de desmatamento legal originou ponto de conflito entre produtores rurais, com as empresas signatárias da moratória, culminando agora com esta nova lei estadual do Mato Grosso.
Nesse sentido, apesar do estado ter aprovado uma lei em caráter punitivo para empresas signatárias deste tipo de acordo, fica incerto se essa norma terá efeitos práticos ou até positivos para o estado.
Possível judicialização da nova lei
Inicialmente, a nova lei do Mato Grosso poderá ser judicializada. O texto aprovado com o Projeto de Lei 2256/2024 é muito genérico passível de subjetividade na sua interpretação.
A lei pretende proibir incentivos fiscais para empresas que firmem “acordos comerciais nacionais ou internacionais que ocasionem restrição de mercado, perda de competitividade do produto mato-grossense ou obstrução ao desenvolvimento econômico”.
A condição imposta pela lei como “ocasionem restrição de mercado, perda de competitividade” não possui critérios objetivos. Isso pode ser utilizado na argumentação de que o estado pode de forma arbitrária, punir empresas, sem uma justificativa clara, somente afirmando que seus acordos “ocasionam perdas”.
Nesse ponto, a nova lei deveria detalhar essa condição – o que significa restrição de mercado? Ou, como na moratória, evidenciar que seriam acordos que exigem mais que a norma brasileira. Na redação atual, não é impossível imaginar litígio da norma.
Normas ambientais para exportação
O Deforestation Regulation (EUDR), uma regulação da União Europeia que proibirá, a partir de 2025, a comercialização e importação de produtos agropecuários derivados da produção de gado, café, óleo de palma, madeira, borracha, soja e cacau em território europeu, oriundos de desmatamento ocorridos depois de 2020, para preservar florestas, biodiversidade e combater as mudanças climáticas. Esta regulação europeia é um exemplo de medida ambiental como restrição ao comércio internacional.
Essas commodities somente poderão ser colocadas no mercado europeu, caso se adequem cumulativamente nos seguintes critérios: sejam de áreas livres de desmatamento ocorridos depois de 31 de dezembro de 2020 e sejam submetidas a um sistema de auditoria e verificação de risco.
No que se refere ao critério de ser livre de desmatamento, o conceito de desmatamento ficou definido como áreas convertidas para o uso agropecuário depois de 2020.
A União Europeia estabeleceu uma data de corte, proibindo a comercialização de produtos derivados da produção de gado, café, óleo de palma, madeira, borracha, soja e cacau que foram produzidos em áreas de florestas convertidas depois de 31 de dezembro de 2020, independente de exceções autorizadas pela lei do país de origem, direitos de propriedade, de compensações e de particularidades da lei no país de origem. Neste ponto, fica evidente o mesmo problema identificado na moratória da soja – falta de diferenciação de desmatamento legal do ilegal.
Entretanto, diferente da moratória, a qual é um acordo comercial, a EUDR se trata de uma norma/lei da União Europeia. Portanto, a nova lei do Mato Grosso já não terá como ser aplicada no caso das exigências da EUDR – não se trata de acordo comercial. Os produtores não poderão exportar grãos produzidos em áreas convertidas a partir de 2020 – a única diferença nesse caso seria um novo marco temporal (de 2008 para 2020).
A EUDR também estabelece que a Comissão Europeia irá classificar o risco de desmatamento dos países de origem. Essa classificação será de alto, baixo e standard. Inclusive, a Comissão Europeia deve publicar essa classificação até junho de 2025 (essa classificação será a base da auditoria a ser feita pelos operadores).
Dessa forma, com essa nova lei estadual, o Mato Grosso pode contribuir para o aumento do risco de desmatamento na região e, por consequência, adquirir uma classificação de risco alto para os critérios europeus de exportação.
Critérios ambientais como tendência mundial
A EUDR não é o único caso que demonstra países adotando critérios de preservação ambiental em normas e leis para comércio e exportação. A mesma versão da EUDR já está vigente no Reino Unido. Igualmente, também existem projetos de lei de normas anti-desmate no Congresso Americano.
Essas normas e iniciativas legislativas evidenciam um movimento global de “estatização” de padrões voluntários privados de preservação ambiental. Ou seja, os países estão adotando normas que espelham critérios de Environmental Social Governance (ESG), combate às mudanças climáticas e desmatamento já utilizados por empresas ou grupos comerciais, mas agora como parte de leis nacionais.
Esse movimento está claramente identificado pela própria Organização Mundial do Comércio (OMC), com o crescente uso de normas ambientais nacionais, como restrição ao comércio internacional.
Portanto, a nova norma do Mato Grosso pode até surtir algum efeito imediato no caso da moratória da soja, entretanto dificilmente será aplicada para as novas leis entrando em vigência em outros países, impactando a exportação nacional e, por consequência, a produção agropecuária nas fazendas (Money Times)