Para professor emérito da FGV, que estará no ‘Estadão Summit Agro’, COP-30 mostrou ao mundo o modelo tropical de fazer agricultura do Brasil; evento discutirá transformações no agro diante da crise climática
A COP-30 reforçou um processo sem volta, avalia Roberto Rodrigues, ex-ministro, coordenador do FGV Agro e enviado especial para a Agricultura à conferência do clima em Belém. Para o convidado do presidente da reunião, o embaixador André Corrêa do Lago, o encontro amazônico, além de consolidar avanços recentes em sustentabilidade, ajudou a exibir ao planeta o potencial transformador do modelo agrícola desenvolvido nos trópicos — capaz de influenciar a segurança alimentar, a transição energética, a inclusão social e até a estabilidade global. “É um importante caminho para a paz”, diz.
Apesar “de não existir o agronegócio brasileiro”, mas, sim, vários agronegócios com níveis muito distintos de tecnologia, gestão e realidade socioeconômica, a mudança em curso é relevante, afirma Rodrigues.
“Há uma conscientização quase unânime de que sustentabilidade e competitividade caminham juntas. Ou você é sustentável, ou vai perder mercado”, diz um dos maiores expoentes do setor, que fará a palestra magna “O legado do agronegócio para a COP-30” no Estadão Summit Agro, realizado pelo Estadão e produzido pelo Estadão Blue Studio, nesta quinta-feira, 27, no Meliá Ibirapuera, em São Paulo.
Além da palestra magna de Rodrigues, o Estadão Summit Agro apresentará cinco painéis e talks que discutirão as transformações em curso no agronegócio diante da crise climática e das novas exigências ambientais.
A dificuldade, porém, está muitas vezes na implementação dos caminhos. “Parte dos produtores não tem acesso à tecnologia, à assistência técnica ou sequer à formação adequada para adotar práticas de baixo carbono.” Nesse cenário, as cooperativas agropecuárias têm papel de destaque, por serem exemplos que devem ser seguidos. “Elas têm caprichado muito e estão conseguindo acessar os mercados”, diz Rodrigues.
O fato de existir, do outro lado, uma indústria de transformação que empurra as cadeias para padrões mais modernos de produção é igualmente significativo, avalia Rodrigues. “Estamos num bom momento e num processo muito positivo.”
A dimensão econômica tornou-se inseparável da discussão ambiental. O adiamento, pela União Europeia, da entrada em vigor do regulamento sobre desmatamento (EUDR) seria uma prova disso, argumenta Rodrigues: mesmo com altos subsídios, o bloco não consegue garantir sustentabilidade econômica a seus produtores. “Sustentabilidade também é renda”, reforça.
A virada da COP30
É nesse contexto que Rodrigues vê a COP30 como um divisor de águas. Ele lembra que, em quase todas as conferências anteriores do clima, a agricultura tinha um papel marginal — “quando aparecia, era de forma superficial”. No Brasil, porém, ocorreu o que descreve como “um espetáculo à parte”: a Agrizone, vitrine tecnológica montada por uma articulação entre Embrapa, setor privado e instituições de pesquisa. Ali, aproximadamente 20% dos visitantes eram estrangeiros — “e 100% saíam de queixo caído”. A surpresa, vinha do nível de evolução em sustentabilidade: integração lavoura-pecuária-floresta, recuperação de solo, manejo de baixo carbono, bioinsumos e sistemas produtivos tropicais intensivos.
“A visão externa sobre o Brasil melhorou muito”, afirma. Para Rodrigues, não se trata apenas de evolução, mas de consolidação de um processo de décadas — ainda que desigual entre regiões e perfis de produtor. “Não dá para comparar o produtor da Serra Gaúcha com o de Rondonópolis, ou do interior de Sergipe com o de Ribeirão. São mundos diferentes”.
Tropicália agrícola
A grande convicção reforçada na COP30, diz Rodrigues, é que o agro tropical brasileiro é replicável — com adaptações — a outros países do cinturão tropical. E, se difundido com financiamento internacional e flexibilização do comércio, pode permitir três transformações simultâneas: aumento da produtividade global, especialmente em regiões com insegurança alimentar; aceleração da transição energética, combinando bioenergia, solar e soluções regionais de baixo carbono e inclusão social em larga escala, gerando renda e reduzindo vulnerabilidades rurais.
É esse último ponto que tem implicações gigantescas. “O maior drama atual é a exclusão social. Se você gerar inclusão por meio de uma agricultura sustentável, ajuda o clima e contribui com a paz.” Para ele, a produção de alimentos é parte fundamental da estabilidade global. “Não existe paz sem comida. Por isso, o Brasil pode ocupar papel de protagonista na agenda mundial de paz, clima e desenvolvimento”.
Aos “mil meses de vida”, que acabou de completar, como gosta de fazer a contagem, o professor mantém sua missão: mostrar que o Brasil reúne condições únicas para liderar uma agenda que combine segurança alimentar, energia renovável, inclusão social e mitigação climática. “A COP30 apenas confirmou essa convicção e mostrou que o mundo começa a enxergar o agro tropical brasileiro com novos olhos”.
No contexto de soluções concretas no campo, Rodrigues também organizou um documento, redigido a várias mãos, apresentado oficialmente à presidência da COP30, com uma espécie de mapa do caminho para que a agricultura tropical floresça, a partir do exemplo do Brasil.
A mensagem ao mundo é clara: é possível produzir mais alimentos, energia e renda com menor pressão ambiental — e o Brasil acumulou casos concretos capazes de demonstrar isso. O relatório do FGV Agro, divulgado durante o encontro em Belém, reforçou que o País conseguiu, ao longo das últimas décadas, combinar ciência, tecnologia e políticas públicas para transformar solos pobres em áreas altamente produtivas, ampliar safras sem avançar na mesma proporção sobre novos territórios e desenvolver uma matriz energética em que quase metade das fontes é renovável.
Essa trajetória não ocorreu por acaso. A adaptação de técnicas aos trópicos — da correção de solos no Cerrado à fixação biológica de nitrogênio — permitiu que a produção de grãos crescesse quase 500% com pouco mais que o dobro da área plantada. Na pecuária, a intensificação reduziu o ritmo de expansão das pastagens enquanto a produção avançava. Programas como o ABC e o ABC+, citados como referência global na conferência, levaram tecnologias de baixa emissão de carbono a mais de 50 milhões de hectares e abriram espaço para sistemas integrados que combinam lavoura, pecuária e floresta.
O relatório destacou também que a relevância global da agricultura tropical vai além da produtividade. Em um cenário em que ainda há centenas de milhões de pessoas em insegurança alimentar e em que choques de energia e clima afetam sobretudo países tropicais, a experiência brasileira oferece pistas de como construir resiliência. O uso de bioinsumos, a recuperação de áreas degradadas, a irrigação eficiente e a integração entre produção de alimentos e bioenergia apareceram, na COP30, como práticas com potencial de replicação em outras regiões próximas ao Equador.
Ao mesmo tempo, o documento não ignorou os limites. Desigualdade no campo, dificuldades de acesso a crédito e assistência técnica, vulnerabilidade climática e gargalos logísticos continuam restringindo o potencial do setor — no Brasil e nos demais países tropicais. Por isso, a transição precisa ser também social, envolvendo pequenos produtores, comunidades tradicionais, mulheres e jovens. “Tem que ter financiamento internacional. Muitas vezes, um país africano não vai ter condições de implementar tudo o que o Brasil faz”, afirma Rodrigues.
A conclusão que emerge do estudo é que não existe um único modelo de agricultura tropical sustentável, mas sim princípios e ferramentas adaptáveis a cada realidade. A combinação entre inovação, políticas públicas consistentes, conservação ambiental e ganhos reais de produtividade pode ajudar a reduzir lacunas globais de alimento, energia e clima.
Nesse sentido, a experiência brasileira deixou de ser apenas um caso doméstico: tornou-se um laboratório vivo das soluções que grande parte do planeta precisa. “Sempre tive a esperança de que o Brasil possa ter um papel maior na defesa da paz mundial — e a agricultura pode ajudar nisso também”, diz Rodrigues.
O Summit Agro do Estadão será realizado nesta quinta-feira, 27, em São Paulo. Mais informações em summitagro.estadao.com.br. O evento terá transmissão pelo portal do Estadão (Estadão)






