Após recordes produtores preparam novo plantio com clima e EUA no radar

Expectativa é de que os agricultores mantenham pelo menos a mesma área de cultivo atual, investindo mais em ganhos de produtividade.

Depois de colher uma safra histórica de grãos, com um recorde de 345,2 milhões de toneladas, produtores de todo o Brasil já se preparam para iniciar um novo plantio. Apesar do clima de incerteza por conta das tarifas do presidente norte-americano Donald Trump, os agricultores já compraram os insumos e vão pelo menos manter a mesma área de cultivo desta safra, investindo mais em produtividade. “O nosso campo não tem como parar”, diz o produtor rural Invaldo Weiss, de Nova Carmen, no Mato Grosso.

O plantio da soja, principal produto agrícola brasileiro, começa em setembro e os produtores têm menos de um mês para uma definição sobre o tamanho da área que será cultivada. O período será marcado por duas expectativas: a chegada das chuvas e o tarifaço de Trump.

O chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno, acredita que, mesmo com o cenário incerto, o País vai continuar batendo recordes de produção. “O milho, que teve um desempenho histórico nesta safra, continuará avançando, e a soja irá além das 170 milhões de toneladas que tivemos agora. Se não houver uma questão climática grande, vamos até aumentar esses patamares”, aposta.

Do ponto de vista agronômico, segundo o especialista, a perspectiva no caso da soja é de continuar aumentando a produção na faixa de 1% a 2% ao ano. Ele lembra que o principal cliente brasileiro para o grão é a China, e isso não será afetado de forma direta pelo tarifaço. “Se sair um acordo na linha que o Trump cobra, de que os chineses comprem mais soja americana, isso pode afetar o poder decisão do produtor, se ele vai plantar mais ou menos. Isso tudo impacta preço e é difícil prever.”

O produtor Invaldo Weiss diz que a alternativa é plantar. “A situação política é preocupante, mas no nosso campo não tem como parar. Tivemos uma safra muito boa, com produtividade excelente para soja e milho, mas sabemos que o cenário agora é outro. Os custos subiram e o preço de venda está mais baixo. Não vamos ampliar, mas vamos plantar as áreas que já temos, pois os adubos e as sementes estão comprados”, diz.

No interior de São Paulo, os produtores ligados à Cooperativa Agrícola de Capão Bonito também avaliam com preocupação o novo cenário. Para o presidente e produtor Emílio Kenji Okamura, as tarifas e acordos bilaterais entre Estados Unidos e China, bem como as possíveis restrições sobre o comércio de fertilizantes e petróleo do Brasil com a Rússia, deixam os produtores apreensivos. “Isso pode elevar o custo da produção, o que, associado a uma produção recorde de soja e milho nos Estados Unidos, sinaliza uma próxima safra de preços baixos”, diz.

Ele observa que, em cenários assim, os produtores tendem a optar por culturas com custo de produção mais baixo – por exemplo, aumentando a área de sorgo e reduzindo a do milho. “A tendência é reduzir o cultivo em terras arrendadas, que têm custo mais alto”, diz. A safra atual na região foi de altas produtividades na soja, milho e sorgo, mas o produtor está vendendo no spot (entrega imediata), pois não consegue armazenar. “Hoje, armazenamos apenas 35% da produção dos cooperados. É o retrato do Brasil.”

O presidente do Sindicato Rural de Santo Ângelo (RS), Laurindo Nikititz, diz que no Sul há uma situação diferenciada do restante do País. “Enfrentamos quatro estiagens e uma enchente severa que descapitalizou os produtores. Tivemos redução de 30% na área de trigo de inverno e os investimentos foram mais baixos. Como o produtor está inadimplente no sistema financeiro, os recursos foram poucos.” Ele estima que as áreas com milho e soja continuarão iguais. “Mas não teremos grande produtividade por falta de investimento maior nas lavouras.”

Nikititz espera que haja uma repactuação das dívidas por um prazo de 10 a 12 anos com juros acessíveis para que o produtor possa cumprir com suas obrigações. “Mesmo que o clima colabore, não teremos uma colheita exemplar. O custo de produção está alto. As incertezas políticas e econômicas deixam o produtor travado. A compra de máquinas, colheitadeiras, plantadeiras e tratores está praticamente parada aqui na região Sul. Houve um alongamento das dívidas, mas com juros de mercado. A taxa Selic a 15% dificulta os investimentos dos produtores.”

Primeira estimativa sai em setembro

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão do governo federal, diz que as primeiras estimativas para a safra 2025/26 serão disponibilizadas no início de setembro. Nas próximas semanas, os técnicos vão a campo colher informações. Com a colheita recorde obtida na safra 2024/25, de 345,2 milhões de toneladas, a maior oferta de grãos já causou impacto nos preços atuais de mercado, que estão em patamares inferiores às cotações observadas no mesmo período da safra anterior.

A maior queda de preços atingiu o arroz, o que levou o governo federal a lançar ações de apoio aos produtores. Na quarta-feira, 13, a Conab autorizou a compra de arroz por meio de contratos de opção (COV) de produtores do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Além dos leilões da COV, a Conab foi autorizada a adquirir até 20 mil toneladas do grão por meio de aquisição do governo federal (AGF). O governo afirma que a boa produção, além de atender o consumo interno, possibilitou um aumento nas exportações.

Segundo a Conab, a maior disponibilidade de soja, milho e arroz tem possibilitado a recuperação dos estoques de passagem, o que é bom para o mercado. A colheita de algodão também atinge um novo recorde, o que permite que as vendas internacionais apresentem crescimento, sem impacto nos estoques de passagem da fibra.

A companhia avalia que as tarifas americanas não terão impacto sobre os preços dos fertilizantes e defensivos porque os Estados Unidos não se configuram como um importante fornecedor do insumo. Além disso, o produtor brasileiro já comprou a maior parte do que precisa para a futura safra.

O volume de fertilizantes importados pelo Brasil no primeiro semestre de 2025 alcançou 19,41 milhões de toneladas – crescimento de 9,29% frente ao mesmo período do ano anterior. A maior entrada foi pelo porto de Paranaguá, no Paraná, com 5,14 milhões de toneladas, seguido pelos portos do Arco Norte e de Santos. Para o órgão federal, esse é um indicativo de que os produtores continuarão investindo em aumento de produtividade.

Lagarta ressurge no milho

Um componente novo no cenário agrícola nacional é o reaparecimento da lagarta-do-cartucho, praga que havia sido controlada com a biotecnologia VIP, usada em sementes de milho. A volta da lagarta indica que a ferramenta de resistência e controle da praga perdeu a eficácia, segundo a pesquisadora Mariana Ortega, da Fundação Mato Grosso. “Normalmente os produtores planejam fazer duas ou três aplicações de inseticidas no milho, mas este ano houve casos de produtores que tiveram de fazer seis ou até sete devido à baixa eficiência das biotecnologias”, diz.

O problema ocorreu com o milho da segunda safra, principalmente no Mato Grosso. O produtor Invaldo Weiss conta que, em alguns talhões de milho, precisou entrar com inseticida cinco vezes para controlar a lagarta. A produção que obteve, de 162 sacas por hectare, poderia ter sido maior.

A Conab diz que tem acompanhado as ocorrências da lagarta-do-cartucho durante as viagens de campo para levantamento da safra, nas principais regiões produtoras.

Para Nepomuceno, da Embrapa, esse problema aparece quando se repetem os plantios dos mesmos cultivares, como é a prática no Brasil. Uma das formas de controle seria o manejo mantendo áreas de refúgio com sementes de milho sem a tecnologia para o controle biológico da praga. Ele avalia que a incidência ainda é pontual e não deve comprometer a produção.

Café e cana valorizados

Dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da Esalq/USP apontam que os preços pagos aos produtores agropecuários tiveram crescimento de 18,4% no primeiro semestre deste ano frente ao mesmo período de 2024. A cadeia da cana-café teve alta de 32,%, a da pecuária, 27,3%, e a de grãos, 8,9%. Os preços do café foram impulsionados pela produção menor no Brasil e Vietnã. Entre os grãos, o milho teve alta de 27,7%, enquanto o trigo subiu 1,37% e a soja, 4,4%. No arroz, houve um recuo de 26,3%.

Estudos do Cepea em parceria com a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) apontam um crescimento de quase 11% na cadeia do biodiesel em 2025, o que anima o setor para o próximo ano. O forte avanço está atrelado à safra recorde de soja no Brasil – que atingiu 170 milhões de toneladas. “Estamos diante de um cenário favorável para o processamento da soja, com perspectiva de desempenho recorde”, diz o estudo Cepea/Abiove.

O movimento acompanha a elevação da mistura obrigatória de biodiesel. Em 2025, o Brasil avançou em sua política de biocombustíveis. O governo federal elevou a mistura obrigatória de biodiesel no diesel fóssil para 15% (B15). Essa medida tem impacto direto na demanda por óleo de soja, principal matéria-prima para o biodiesel nacional.

Para o consultor Sidney Souza, de forma simultânea, o aumento da mistura de etanol anidro na gasolina, na faixa de 27% a 30%, fortalece a demanda por cana-de-açúcar para a produção de etanol e as novas plantas industriais de milho, aumentando a demanda do cereal para fins energéticos. “Essa movimentação é estratégica para a matriz energética brasileira e cria um colchão de demanda interna para essas culturas, atenuando os efeitos negativos da retração global”, diz.

No caso do milho, ao contrário de análises anteriores que apontavam recuo no consumo, a demanda interna por milho aumentou, sustentada pela expansão de etanol do cereal. Várias usinas entraram em operação em 2025 e novas plantas estão previstas para 2026. Além disso, houve crescimento nas exportações do complexo de carnes – bovina, suína e aves – exigindo mais grãos para ração animal.

Para ele, o acesso ao crédito segue como um dos maiores entraves para o produtor rural na safra 2025/26. A taxa Selic atingiu 15% ao ano, colocando o Brasil entre os países com maior taxa de juros reais do mundo. “Para o agronegócio, isso significa menos crédito e mais seletividade por parte dos agentes financeiros. Mesmo o crédito subsidiado do Plano Safra, com valor global superior a R$ 500 bilhões, sofre com essa conjuntura”, avalia.

A soja permanece como sendo a espinha dorsal da agricultura nacional em termos de área plantada, produção e valor bruto da produção agropecuária. O pesquisador avalia, porém, que muitos produtores, sobretudo médios e grandes, fizeram altos investimentos nos últimos anos em máquinas, terras, armazenagem e tecnologia. Agora, com os preços internacionais pressionados e os custos de produção ainda elevados, a soja enfrenta o desafio de pagar esses investimentos e manter a rentabilidade.

Soja e milho puxam os números da safra

Dados do último levantamento da produção de grãos no Brasil divulgados pela Conab no dia 14 último apontam um aumento de 47,7 milhões de toneladas na safra 2024/25 em relação à anterior. O salto mais expressivo é da produtividade: a cada ano o produtor brasileiro consegue produzir mais no mesmo espaço, sem ampliar a área de cultivo. Nesta safra, enquanto a área plantada cresceu 2,5%, chegando a 81,9 milhões de hectares, a produtividade por hectare subiu 13,2% e passou de 3.722 kg para 4.214 kg por hectare.

A soja teve um crescimento de 21,9 milhões de toneladas em relação à safra passada, chegando a 169,7 milhões de toneladas (+14,8%). Já o milho aumentou 21,5 milhões de toneladas, atingindo colheita total de 137 milhões de toneladas, a maior já registrada na série histórica da Conab. É cada vez mais expressiva a participação da segunda safra no resultado do milho. A antiga ‘safrinha’ está encerrando a colheita com produção de 109,6 milhões de toneladas, das quais 49% foram colhidas no Mato Grosso.

O arroz alcançou produção de 12,3 milhões de toneladas, aumento de 1,7% em relação à safra anterior. A área plantada, no entanto, foi de 8,8%: a queda na produtividade é explicada pela seca no Rio Grande do Sul, principal estado produtor. O trigo, mesmo com redução de 16,7% na área semeada, fecha a safra com produção de 7,81 milhões de toneladas, igual à anterior, que foi afetada pelas condições climáticas. O algodão também apresenta recorde de produção nesta safra, com 3,9 milhões de toneladas de pluma. O crescimento é de 6% em relação à safra passada (Estadão)

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