País terá nova safra histórica de grãos, mas só tem como guardar pouco mais da metade.
Entra ano, sai ano, e a celebração das sucessivas quebras de recordes agrícolas continua a ser ofuscada pelo problema crônico da falta de armazéns para estocagem, que ameaça minar a competitividade da safra nacional de grãos. Recente reportagem do Estadão mostrou que, nos últimos 20 anos, a safra tem crescido à média anual de 5,3%, enquanto o ritmo de crescimento da capacidade de armazenagem, já deficitária antes, segue vários passos atrás, em 3,4% ao ano, incapaz de acompanhar o avanço da produção agrícola.
No início do ano, uma compilação de projeções feita pelo Estadão/Broadcast Agro apontou aumento entre 2,5% e 6% do PIB da agropecuária em 2025, reunindo estimativas que levavam em conta, além da maior produção brasileira de grãos, a recuperação dos preços das commodities agrícolas e a valorização do dólar. Naquela ocasião, a previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) era de uma safra 322,42 milhões de toneladas, estimativa revista em julho para 339,6 milhões de toneladas, recorde histórico.
Somente no primeiro trimestre do ano, a agropecuária cresceu 12,2%, em relação ao trimestre anterior, e puxou o avanço de 1,4% da economia nacional no período. Um quarto do crescimento de 2,9% do PIB brasileiro em relação ao primeiro trimestre do ano passado deveu-se à agropecuária, como constataram os técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mas, apesar do bom desempenho, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) alertava que o nível de investimento estava em risco. Pesavam contra as incertezas globais e o alto custo do financiamento.
O gargalo criado pelo déficit de armazenamento é o exemplo mais visível dos prejuízos logísticos que a agricultura enfrenta, que embaça o avanço tecnológico que deu ao País o diferencial de colher três safras por ano em uma mesma área. Acontece que, como mostrou este jornal, somente pouco mais de 63% dos grãos colhidos têm armazéns garantidos. O restante é deixado ao relento, exposto a intempéries, fungos e outras pragas que comprometem a qualidade do produto.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) recomenda que a capacidade estática de armazenamento de um país deve ser 1,2 vez maior que a sua produção anual. Ou seja, para a safra estimada pela Conab, o Brasil deveria dispor de armazéns para, ao menos, 407,5 milhões de toneladas, mas a disponibilidade hoje é de pouco mais da metade desse volume, com apenas 214,9 milhões.
Os produtores reclamam do alto custo de financiamentos para investir em infraestrutura e da burocracia bancária que penaliza, principalmente, médios e pequenos agricultores, problema ainda mais grave nas fronteiras agrícolas que se abrem nos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, região conhecida como Matopiba. A demanda dos produtores que tentam escoar rapidamente suas colheitas encarece o frete ao mesmo tempo em que a necessidade de vender rápido a safra joga o preço do grão para baixo. Planejar a infraestrutura é tão urgente quanto benéfico não só para os produtores, mas aos consumidores e ao País (Estadão)