Medida aprovada nesta terça-feira pode limitar os embarques com preferências tarifárias.
O Parlamento Europeu endureceu ainda mais as regras para possíveis aplicações de salvaguardas contra exportações de produtos agropecuários do Mercosul para a União Europeia, com chances de praticamente inviabilizar o comércio de itens do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai com benefícios tarifários se o acordo entre os blocos entrar em vigor.
Cresce na Europa a pressão contra a assinatura do acordo com o bloco sul-americano, prevista para o próximo sábado (20/12), em Foz do Iguaçu (PR). Um grupo de mais de 140 parlamentares quer que a Corte de Justiça opine sobre o tratado, processo que pode durar mais dois anos. Manifestações estão convocadas para a próxima quinta-feira (18/12) em Bruxelas com previsão de transformar a capital da Bélgica em um “barril de pólvora” com a participação de mais de 10 mil agricultores.
Nesta terça-feira (16/12), o parlamento aprovou um pacote de salvaguardas mais rígido que o proposto inicialmente pela comissão europeia. A lei define a forma como a UE poderá suspender temporariamente as preferências tarifárias para o Mercosul se considerar que as importações de determinados produtos prejudicam os produtores europeus.
A regra aprovada prevê que a Comissão Europeia poderá abrir investigação para aplicação da salvaguarda quando as importações de produtos agrícolas do Mercosul aumentarem, em média, 5% em volume em três anos. A proposta original é que esse gatilho seria acionado em caso de aumento de 10% da quantidade enviada à UE.
A medida também valerá caso o preço desses itens importados caia no mercado europeu na mesma proporção. Ou seja, se o preço do açúcar – item importado pela UE do Mercosul – cair 5% aos produtores locais, poderá ser aberta investigação para aplicação de salvaguarda.
As investigações também serão mais rápidas que o proposto originalmente: o texto aprovado nesta terça-feira alterou de seis para três meses em geral e de quatro para dois meses no caso de produtos sensíveis. A intenção é que as salvaguardas sejam aplicadas mais rapidamente.
O Parlamento Europeu ainda aprovou uma alteração que inclui um mecanismo de reciprocidade. A medida autoriza a Comissão Europeia a iniciar um inquérito e adotar medidas de salvaguarda se os produtos importados do Mercosul não cumprirem requisitos equivalentes em matéria de ambiente, bem-estar animal, saúde, segurança alimentar ou proteção laboral aplicáveis aos produtores da UE.
Na visão dos eurodeputados, as salvaguardas podem assumir a forma de uma “obrigação de reciprocidade” para que os países do Mercosul apliquem as normas de produção da UE. As medidas aprovadas ainda serão debatidas pelo trílogo (formado pela Comissão Europeia, Parlamento Europeu e Conselho Europeu) a partir desta quarta-feira (17/12). O texto poderá mudar.
Na visão de uma pessoa a par do assunto, as alterações apertaram ainda mais as regras. A questão da “reciprocidade” deverá preocupar as autoridades brasileiras, já que os europeus poderão exigir limites máximos de resíduos (LMRs) praticamente inexequíveis para tentar barrar a importação de alguns itens, avaliou.
A reciprocidade aprovada trata de “padrões de produção de alimentos”, um conceito amplo e que pode englobar todos os temas relacionados à atividade produtiva, desde leis ambientais e trabalhistas até o uso de determinados insumos.
“Estão indo muito longe daquilo que é aceitável”, disse uma fonte que acompanha o tema.
Segundo ela, as medidas extrapolam aquilo que está previsto no capítulo de salvaguardas do acordo e representam “mecanismos dificilmente exequíveis”. A avaliação é que essas regras podem ser contestadas e impugnadas pelos países sul-americanos caso entrem em vigor posteriormente.
A movimentação do Parlamento Europeu é considerada uma resposta interna para viabilizar a assinatura do acordo com o Mercosul no próximo sábado. Mesmo assim, é uma sinalização ruim, apontou a fonte, dado o nível de desconfiança.
“É ruim entrar em acordo com esse nível de desconfiança, é um casamento que um dos dois não quer”, avaliou. “É a primeira vez que a Europa discute aplicação de salvaguarda para algo que nem foi assinado ainda”, lembrou. “Vamos assinar o acordo e discutir isso depois”, defendeu.
Para o setor exportador brasileiro, a aplicação das salvaguardas, principalmente da reciprocidade, pode limitar os embarques com preferências tarifárias. Por outro lado, cadeias sensíveis às importações de produtos europeus podem ter uma carta na manga para se defender.
“Se aplicar a regra ao vinho, os produtores europeus não conseguirão seguir a legislação que os brasileiros seguem, nenhuma vinícola francesa vai atender ao Código Florestal”, apontou.
Acordo em xeque
Especialistas brasileiros que acompanham a movimentação na Europa identificaram uma nova ofensiva dos europeus contra a concretização do acordo com o Mercosul. Segundo fontes, mais de 140 parlamentares querem encaminhar o tratado para análise da Corte de Justiça da União Europeia, para obter um parecer jurídico sobre o tema. O prazo para manifestação do tribunal é de até dois anos, período em que o acordo – discutido há mais de 25 anos – poderia ficar engavetado.
O grupo dissidente é formado por parlamentares de centro-esquerda, que querem uma revisão jurídica mais aprofundada, disse uma fonte familiarizada com o tema. Mas não há previsão se o pedido de encaminhamento ao tribunal da UE será votado ou não pelo Parlamento.
Manifestações de agricultores europeus estão convocadas para a próxima quinta-feira em Bruxelas. A expectativa é que eles levem mais de 10 mil tratores às ruas da capital belga. “É um barril de pólvora”, disse a fonte (Globo Rural)




