Senadora diz que ideia leva país a jogo de perde-perde.
Para ela, etanol deve ser colocado na mesa de negociação.
A senadora e ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MS) disse à Folha que o governo Lula (PT) não deveria ter acionado agora a Lei de Reciprocidade Econômica contra o tarifaço ordenado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
A senadora, que compôs uma comitiva de senadores que viajou a Washington para uma série de reuniões com lideranças e parlamentares americanos, afirmou que a decisão pode enfraquecer empresários brasileiros que participarão de audiência pública da investigação comercial aberta pelo USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA) contra o Brasil.
“Hoje, estamos num jogo de perde-perde. Acho que o governo, em vez de fazer bravatas, dizer que está aberto [a negociar], mas aí põe uma retaliação, deveria pensar em uma estratégia melhor. Isso se quiser continuar tendo os EUA como parceiros”, afirmou ao C-Level Entrevista, videocast semanal da Folha.
Na última quinta-feira (28/8), Lula autorizou o início de um processo para acionar medidas previstas na lei. Esse caminho pode levar meses e deixaria ferramentas à disposição do país para responder aos EUA.
Para a senadora, que foi ministra da Agricultura no governo de Jair Bolsonaro (PL), o Brasil deveria aproveitar o momento para encontrar um caminho vantajoso nas negociações com os americanos no caso do etanol.
“A gente sabe que os EUA querem mandar etanol para cá. Vamos avaliar, medir e vamos com cenários prontos para mesa de negociação, para fazer uma proposta interessante.”
O governo Lula acionou na semana passada a primeira etapa da Lei de Reciprocidade contra os EUA. Foi a decisão correta?
A reciprocidade é uma lei que o Brasil não tinha e foi muito inspirada na [seção] 301 —a lei de comércio americana. Então, tem muito a ver com o que os EUA estão fazendo com o Brasil. A Reciprocidade leva um tempo, diferentemente do tarifaço de 50% para o Brasil, hoje o maior do mundo.
Eu fico me perguntando se esse é o momento ideal. Nós temos que fazer um mea culpa. Desde que o presidente Trump assumiu, ninguém do governo brasileiro foi lá falar: “estamos aqui, temos negócios juntos, queremos continuar”. O Brasil não fez esse gesto, enquanto outros países fizeram. Quando veio a tarifa de 10% em maio, o Brasil ficou muito confortável. Também não fizemos esse gesto.
Faltou muita coisa. Agora, o Brasil coloca a Lei de Reciprocidade, na minha opinião, antecipadamente. Deveria ter esperado o dia 3 [de setembro, data de audiência no governo americano sobre a investigação comercial da seção 301]. Os empresários [brasileiros] vão lá fazer essa primeira conversa. Depois, aí sim, colocar a reciprocidade, vendo como as coisas estão sendo encaminhadas.
Acho que os empresários chegam um pouco mais fragilizados quando o Brasil abre a reciprocidade. É claro que essa lei demora, tem várias etapas e não quer nem dizer que o Brasil vá colocar tarifas semelhantes. Estou falando da diplomacia, da boa vontade. Nós temos que abrir esse canal com os EUA, que nós deixamos a desejar. Eu não faria isso [acionar a lei neste momento].
A Lei de Reciprocidade é um mecanismo eficaz para enfrentar o atual momento?
Sim, a lei foi feita para isso. Não foi feita para este governo, ela foi feita para o Estado brasileiro ter um mecanismo de defesa. A hora de colocar é que é o problema. Acho que, se já tínhamos esperado até agora, não custava esperar mais dez dias [depois da audiência no USTR].
A sra. disse que o governo não fez o gesto de dialogar com os EUA, mas o argumento no Planalto é que os americanos nunca abriram espaço para conversas. O caso mais conhecido foi a reunião marcada do ministro da Fazenda com o secretário do Tesouro, Scott Bessent, que segundo aliados do governo, foi cancelada por atuação do deputado Eduardo Bolsonaro.
Eu acho que houve um delay. O presidente Trump foi eleito em novembro e tomou posse em janeiro. Desde então, não houve nenhuma atuação do governo para fazer um gesto. Quando os outros países receberam as tarifas, todo mundo se mexeu. Não estou falando da diplomacia, mas de governo e política. O movimento político não aconteceu.
Isso que você está falando, isso já foi muito depois, depois que a coisa já tinha escalado e houve esse cancelamento dessa reunião. Mas aí a crise já estava instalada.
A reciprocidade pode ser uma forma de trazer os americanos para a mesa de negociação? Ou pode haver um recrudescimento por parte deles, entendendo como uma ameaça?
É muito difícil fazer essa avaliação porque não estou diretamente nas conversas. Lendo o cenário mundial, o que México, Canadá e outros países fizeram, [após] todas as ameaças houve um recrudescimento das ações dos EUA. Acho que nós estamos na contramão. Pode ser que dê certo, não sou dona da verdade.
Mas nós ouvimos uma coisa em Washington que nos preocupou muito: que a presença brasileira em Washington é praticamente inexistente, a não ser a nossa embaixada. A presença do empresariado do Brasil é muito pequena. Nos compararam à Nicarágua.
Precisamos corrigir o rumo de algumas coisas, se a gente quiser ter uma relação e fazer desse limão uma limonada, porque vejo também oportunidades. Tem muitas coisas na economia americana que dependem [do Brasil]. E nós dependemos de insumos americanos para a nossa economia rodar. Hoje estamos num jogo de perde-perde. Acho que o governo, em vez de fazer bravatas, dizer que está aberto [a negociar], mas aí põe uma retaliação, deveria pensar uma estratégia melhor. Isso se quiser continuar tendo os EUA como parceiros.
Quando fala em oportunidades, vê espaço para o Brasil explorar também outros mercados?
Abrir mercado não é uma coisa simples. O Brasil está num bom caminho, a gente tem aberto vários mercados pelo mundo, mas não é fácil. Abrir novos mercados é ótimo, mas perder mercado é muito ruim. Perder um mercado como o americano, eu acho muito ruim até como conceito para o país. Acho que o Brasil deve fazer o dever de casa, insistir, continuar nessa batalha para que a gente não perca este mercado importante. Eu não acho uma coisa boa provocar os EUA neste momento.
Numa hipotética negociação comercial com os EUA, o Brasil deveria aceitar conversar sobre etanol, um ponto de atrito antigo na relação entre os dois países?
Acho que esse item vai ser colocado sobre a mesa. Quando retornarem essas conversas, deve ser um dos primeiros pontos a serem colocados. Os diplomatas falam em “pontos irritantes”. Um dos pontos irritantes que o Brasil sempre teve com os EUA foi o etanol. É um bom momento. De repente, a gente pode fazer uma coisa mais bem bolada com os EUA. Mas temos que ter uma proposta pronta para quando abrir essa conversa, a gente ter alguma coisa a oferecer.
Tenho dito para quem me procura do setor: “vamos sentar e pensar uma proposta interessante para fazer para os EUA, ou junto com eles”. A gente sabe que os EUA querem mandar etanol para cá. Vamos avaliar, medir e vamos com cenários prontos para mesa de negociação, para fazer uma proposta interessante, um ganha-ganha com os EUA.
Hoje o Brasil está com um adicional, temos muitas empresas de etanol de milho. Está crescendo muito esse segmento aqui no Brasil. Vai crescer o volume de etanol também no Brasil. Temos que ter alguma coisa. Essa crise pode trazer uma oportunidade para o Brasil no mercado exterior, somos ainda muito pouco audaciosos no mercado externo.
Existe um fator político no tarifaço, o julgamento do ex-presidente Bolsonaro. Como esse elemento se insere no debate sobre negociação das sobretaxas?
Esse ponto foi uma das constatações que nós tivemos lá [na missão de senadores]. Isso estava à mesa por onde nós conversamos. Disseram que Trump se vê na mesma condição que hoje está Bolsonaro, de perseguido. Ele se enxerga nessa condição e colocou essa imposição política, Assim como ele colocou outras imposições para o resto do mundo, a grande maioria só comercial.
No Brasil, [há] essa [imposição] política. Aqui, o Brasil tinha que responder o que respondeu: cada Poder tem a sua independência para decidir os casos internos. Mas isso tem se misturado a essa política comercial.
Aprovar anistia para os acusados pelo 8 de janeiro e para Bolsonaro resolveria a questão econômica com os EUA?
Não saberia te dizer, não é uma coisa dentro do meu alcance. Acho que a anistia pode resolver um problema e pacificar o país para as pessoas do movimento de 8 de janeiro. Eu não sei até onde [há] a influência disso na parte comercial com os EUA. Mas isso está dito, Trump foi explícito. Se vai acontecer ou não, não posso dizer. Separando as duas coisas, acho que a anistia resolveria um problema no Brasil.
As fricções entre EUA e UE podem reduzir na Europa medidas vistas por setores como protecionismo disfarçado de preocupação ambiental para barrar produtos brasileiros?
[A UE] negociou com os EUA, que se retiraram do Acordo de Paris. Então é uma certa hipocrisia querer cobrar só do Brasil. Acho que é o momento adequado, a União Europeia precisa ter outros mercados que lhe deem abertura e segurança. O Brasil é um desses mercados. Acho que isso pode dar uma velocidade um pouco maior para o acordo Mercosul-União Europeia.
RAIO-X
Tereza Cristina, 71
Engenheira agrônoma, é senadora por Mato Grosso do Sul, líder do PP no Senado e vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária. Foi ministra da Agricultura (2019-2022) no governo de Jair Bolsonaro e deputada federal (Folha)