Diante de dificuldades logísticas de Belém, executivos de grandes empresas se reunirão em eventos em São Paulo na semana que antecede à conferência da ONU sobre mudança climática
Apesar da convocação do presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa do Lago, para que o setor privado vá à Belém participar da conferência sobre mudanças climáticas da ONU, os principais representantes desse segmento, os CEOs das grandes empresas, não deverão viajar ao Pará.
A avaliação dos executivos, que pediram para não serem identificados, é que há um risco de se tornarem alvos de ataques de ativistas ambientais e que a questão logística — sobretudo a escassez de locais para hospedagem — dificulta a participação no evento.
Alguns estão optando por fazer bate e volta de São Paulo para Belém, cedendo espaço para que os profissionais da área de sustentabilidade de suas empresas estejam na COP por um período mais longo. Outros participarão apenas de eventos sobre sustentabilidade que ocorrerão em São Paulo na semana anterior à COP, além de reuniões fechadas.
No fim de agosto, em sua última carta divulgada até agora, Corrêa do Lago convidou o “setor privado — CEOs, investidores, inovadores, empreendedores — a se unirem a nós”. “Venham a Belém, tragam e conheçam soluções, colaborem e contribuam”, escreveu.
O embaixador reconheceu que há desafios logísticos, mas acrescentou que é “exatamente este o momento em que o setor privado pode liderar pelo exemplo, demonstrando que liderança climática significa engajamento com o mundo real”. Para o presidente da COP, é preciso uma colaboração público-privada para que se consiga adotar medidas de combate à crise climática na escala necessária.
Executivos, no entanto, apontam que, por questões de compliance, não podem se hospedar em apartamentos cujos proprietários são pessoas físicas. Os preços elevados dos hotéis desestimularam as empresas a levarem equipes maiores e, em meio à onda de notícias negativas sobre a questão logística, houve um recuo geral dos CEOs.
Enquanto Belém sofrerá esse esvaziamento, São Paulo deverá observar um movimento intenso do setor privado nos dias que antecedem a conferência da ONU. Entre os grupos de WhatsApp do empresariado, circula o slogan “A COP também é aqui”.
São Paulo receberá, por exemplo, o Climate Action Innovation Zone, evento entre 6 e 9 de novembro no qual serão apresentadas soluções e inovações de empresas para a questão climática. O diretor-geral do International Finance Corporation (IFC), Makhtar Dipo, será um dos palestrantes do evento, que pela primeira vez desde 2021 não acontece na cidade-sede da COP.
Uma das organizadoras do Climate Implementation Zone (programação que faz parte do Climate Action Innovation Zone), Marina Cançado, fundadora da Converge Capital, afirma que o evento será realizado em São Paulo para mostrar para quem não vai para Belém o comprometimento do setor privado com a agenda climática.
Também nos dias anteriores à conferência de Belém, marcada para entre 10 e 21 de novembro, o setor privado deverá se encontrar em São Paulo para o Finance Forum (organizado pela Bloomberg Philanthropies e agendado para os dias 3, 4 e 5 de novembro) e o PRI in Person (conferência sobre investimento responsável), entre 4 e 6 de novembro.
No Finance Forum, a Sustainable Business COP (SB COP), iniciativa liderada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) para o setor privado influenciar as decisões que serão tomadas na conferência sobre o clima, participará com uma programação em que também apresentará soluções das empresas para o clima e o meio ambiente. A SB COP reúne entidades equivalentes à CNI de 43 países, representando 35 milhões de empresas.
Nas últimas edições da COP, de 2024 no Azerbaijão, de 2023 nos Emirados Árabes Unidos e de 2022 no Egito, a presença de grandes CEOs também não foi significativa. Mas, na de 2021 na Escócia, houve uma presença relevante, dizem os executivos.
De forma reservada, representantes do setor privado mais próximos à organização da COP afirmam que já ficou claro que serão poucos os presidentes de grandes companhias presentes na conferência. A intenção, portanto, será valorizar os que estiverem em Belém e dar destaque ao fato que a empresa que enviou seu CEO coloca a agenda climática como uma pauta prioritária.
Também está sendo articulado para que esses poucos CEOs presentes atuem como representantes informais de seus setores de atuação. A ideia é que eles conversem com seus colegas e levem os posicionamentos setoriais (Estadão)
Não é só ambiental, é econômica: a nova agenda da sustentabilidade
Por Renata Piazzon
Ao tratarmos clima como política de Estado, essa pauta deixa de ser periférica e vira eixo de competitividade
Noventa e três por cento dos especialistas em sustentabilidade defendem a necessária revisão da agenda – desses, mais da metade pede revisão radical. O dado, da pesquisa Sustainability at a Crossroads Report (2025), além de simbólico, é diagnóstico: as práticas e as abordagens correntes não entregam o prometido para 2030. Rever, aqui, não significa retroceder; significa ajustar a rota para produzir impacto real no tempo que importa.
O quadro é ainda permeado, é claro, por nuances geopolíticas. Enquanto ganham força as reações contrárias nos EUA e em parte da Europa à agenda de sustentabilidade (incluindo ESG), a Ásia-Pacífico tende a ver a turbulência como janela de oportunidade, contraste que reorienta capital, tecnologia e regras do jogo.
Nesse ambiente marcado por tensões, um termo tem ficado cada vez mais presente no campo corporativo: o greenhushing, ou silenciamento verde; a decisão de empresas que, apesar de avançarem na sustentabilidade, optam por falar menos publicamente de suas iniciativas e metas para evitar ataques regulatórios, políticos ou ruído reputacional.
Na mesma direção, instituições financeiras antes símbolo do protagonismo climático, como a gestora BlackRock, pressionadas por forças políticas e regulatórias, chegaram a se retirar de alianças globais de descarbonização – movimento também seguido por bancos como JP Morgan e State Street.
Esse recuo revela o dilema atual: pressões políticas reduzem compromissos públicos, mas as exigências de governança climática e de reporte só aumentam. Em paralelo, a pauta climática deixa de ser apenas ambiental para se tornar questão de segurança nacional e variável de poder, além de ganhar força econômica.
À luz desse cenário, o Brasil tem, sim, vantagens comparativas – água, biodiversidade, matriz elétrica limpa, potencial de bioeconomia, florestas e minerais críticos -, mas a janela é curta. Não há país com capacidade natural tão favorável para transformar sustentabilidade em competitividade produtiva; porém, num mundo a 2°C, 2,5°C ou 3°C, parte desse capital pode ser reprecificada: regimes de chuva mais erráticos pressionam agro e hidrelétricas; calor extremo e eventos severos elevam custos; ecossistemas perdem resiliência. A resposta está em acelerar a conversão da natureza em vantagem econômica de longo prazo. Sem ação, nossa vantagem encolhe com o termômetro; com ação, ela vira poder econômico e inserção internacional.
Mas, afinal, o que muda ao tratarmos clima como política de Estado? Primeiro, a pauta deixa de ser periférica e vira eixo de competitividade. O salto ocorre quando o capital natural sai do anexo e entra no núcleo (core) da estratégia de governos, com a tradução da política industrial verde em política externa; e de empresas, integrando conselhos, gestão de riscos e metas trimestrais – para sair do papel, cresce o uso de métricas como o ROSI (retorno do investimento em sustentabilidade), que captura produtividade, inovação e redução de risco além do ROI (retorno do investimento) tradicional.
A experiência alemã aprofunda esse ponto. Lá, a indústria impulsionou a transição (automotivo, químico, siderurgia) e o Estado organizou instrumentos para viabilizar custo e escala: financiamento de longo prazo, estímulos a P&D e difusão tecnológica, além de contratos diferenciados de carbono. A diplomacia espelhou essa ambição, conectando política industrial à política externa. Resultado: a pauta climática migrou de “ambiental” para estratégia de competitividade.
Em segundo lugar, é preciso executar o que tem alto impacto e alta viabilidade neste quinquênio: no governo, precificação de carbono e subsídios que favoreçam soluções inovadoras; no setor financeiro, integração de ESG às decisões de investimento. Já na sociedade civil, incidência pública (advocacy) por políticas e estímulos à mudança de comportamento. Por fim, no setor privado, P&D, inovação tecnológica e melhoria da performance ao longo da cadeia de suprimentos – os novos padrões de reporte IFRS S1 e S2 reforçam a inevitabilidade da integração da natureza à contabilidade corporativa.
Para os conselhos de administração, a mensagem é inequívoca: governança climática não é reputação, mas dever fiduciário. É uma agenda de riscos materiais – perdas de ativos, cadeias interrompidas, prêmios de seguro e crédito reprecificado – que já pressionam balanços. Recuar pode dar alívio político de curto prazo, mas amplia riscos de longo prazo. Cabe aos conselhos estruturar comitês, métricas e incentivos para integrar clima e natureza às decisões centrais de risco e estratégia. Consistência, mais do que slogans, é o que protege valor em um cenário de escrutínio crescente.
Em terceiro lugar, é hora de trocar a narrativa de vulnerabilidade pela de solução, apresentando o Brasil como fornecedor confiável na descarbonização global, com projetos concretos prontos para escalar. O ponto-chave aqui é integridade: medir, verificar e manter benefícios (clima, água, biodiversidade e renda) para que a natureza seja reconhecida como ativo produtivo e gere crédito de qualidade e empregos.
Diante de um mundo que já admite décadas de ultrapassagem temporária do limite de 1,5°C (overshoot) até eventual retorno a níveis mais seguros de aquecimento, precisamos de mais de tudo, mas não mais do mesmo. Isso inclui construir, agora, nossas vantagens comparativas sustentáveis.
Nada disso, porém, se faz no vácuo. As regras serão redesenhadas, e o regime ambiental vive estresse. Revisar a agenda, portanto, é acelerar: alinhar política industrial e política externa, priorizar alavancas viáveis de alto impacto e reposicionar o país como arquiteto da transição, com a sustentabilidade afirmada como estratégia de desenvolvimento e inserção internacional.
Em um mundo que disputa escassez e reescreve instituições, ficar na defensiva é uma escolha; liderar, também (Renata Piazzon é diretora-geral do Instituto Arapyaú e representante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS); Estadão)