Senado aprova nova etapa da Reforma Tributária, mas especialista alerta para riscos e desafios

O Senado Federal aprovou na última terça-feira (30) a segunda etapa da regulamentação da Reforma Tributária, considerada a mais profunda transformação do sistema de impostos sobre consumo da história recente do país. A proposta cria o Comitê Gestor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), define regras de transição até 2032, regulamenta o split payment (pagamento fracionado do imposto na origem da operação) e impõe novas responsabilidades para empresas e plataformas digitais.

O texto, aprovado por 51 votos a favor, 10 contra e 1 abstenção, agora segue para a Câmara dos Deputados. Se mantido, o projeto deve sustentar o cronograma da reforma, que prevê a fase de testes em 2026 e a plena vigência dos novos tributos em 2033.

Avanços e pontos de tensão

De acordo com o contador tributarista e mestre em negócios internacionais André Charone, a aprovação representa um avanço necessário, mas carrega riscos que não podem ser subestimados.

“A criação do Comitê Gestor do IBS dá mais clareza ao modelo, mas ao mesmo tempo gera uma preocupação legítima: como estados e municípios vão reagir à perda de autonomia na gestão de suas receitas? Estamos mexendo no coração da federação”, avalia André.

O texto aprovado prevê que o novo Comitê terá independência técnica e orçamentária para administrar o IBS, substituto do ICMS e do ISS. Caberá a ele arrecadar, distribuir e até inscrever em dívida ativa os valores devidos.

Empresas terão de se adaptar

Outro ponto sensível é a exigência de adaptação tecnológica. O split payment, elogiado como ferramenta de combate à sonegação, exigirá uma reformulação completa nos sistemas das empresas.

Charone alerta que, embora eficiente do ponto de vista arrecadatório, o modelo terá um custo significativo para o setor privado:

“Empresas de grande porte têm mais fôlego para absorver mudanças, mas para o pequeno empresário a adaptação tecnológica pode ser um fardo. Se não houver uma política de transição clara e suporte técnico, corremos o risco de ampliar a desigualdade entre empresas que conseguem se adaptar rapidamente e aquelas que ficam para trás.”

As plataformas digitais, como marketplaces, também passarão a responder solidariamente quando não houver emissão de nota fiscal. Para Charone, isso cria um novo cenário de responsabilidades:

“É um divisor de águas para o e-commerce. Marketplaces não poderão mais ser apenas intermediários; terão que assumir parte do risco tributário. Isso muda a lógica do negócio e pode levar a um aumento de custos que será repassado ao consumidor.”

Impactos sociais e distributivos

Além da arrecadação, a reforma busca corrigir distorções sociais. O cashback foi ajustado para ampliar a devolução de impostos a famílias de baixa renda, enquanto o teto para isenção de veículos destinados a pessoas com deficiência (PCD) subiu de R$ 70 mil para R$ 100 mil.

Na avaliação de Charone, essas medidas apontam para uma tentativa de conciliar justiça social com eficiência arrecadatória, mas ainda há muito a ser feito:

“O cashback é um avanço, mas precisa ser bem executado. Se virar um mecanismo burocrático demais, o efeito prático para as famílias será mínimo. O Brasil tem um histórico de criar boas ideias no papel, mas falhar na implementação. O risco é repetir esse erro.”

Patrimônio, heranças e planejamento sucessório

Outro destaque é a uniformização do ITCMD (Imposto sobre Heranças e Doações), com progressividade obrigatória e incidência sobre estruturas patrimoniais como trusts.

Para Charone, a medida pode mudar o jogo do planejamento patrimonial no Brasil:

“Hoje, heranças e doações são tratadas de forma desigual entre estados. Essa uniformização traz justiça, mas também vai obrigar famílias e empresas a repensarem suas estruturas sucessórias. A inclusão de trusts no alcance do ITCMD é uma mensagem clara de que o fisco está fechando brechas de planejamento internacional.”

Transição longa e complexa

A transição também gera dúvidas. O projeto mantém a arrecadação do ICMS como base de cálculo até 2032, com o IBS assumindo integralmente em 2033. Além disso, prevê compensações para estados e municípios até 2096.

Segundo Charone, esse prazo estendido revela o tamanho da resistência federativa:

“Estamos falando de mais de 70 anos de compensações. Isso mostra o quanto a reforma mexe em interesses arraigados. O risco é que essa transição longa mantenha a complexidade que se prometia eliminar. O Brasil pode acabar convivendo por quase uma década com dois sistemas sobrepostos.”

O que esperar daqui para frente

O texto agora retorna à Câmara dos Deputados. Caso seja aprovado, a expectativa é de que em 2026 os novos tributos já apareçam em notas fiscais de forma simulada, permitindo ajustes antes da cobrança efetiva.

Charone reforça que a reforma só terá sucesso se vier acompanhada de clareza normativa e suporte para os contribuintes:

“O contribuinte brasileiro já vive em um ambiente de insegurança e complexidade. A promessa da reforma é simplificar, mas o risco é criar uma complexidade nova. Para que dê certo, será preciso investir em comunicação, em educação tributária e em sistemas eficientes. Sem isso, o Brasil pode trocar um caos por outro.”

Sobre o autor:

André Charone é contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney Institute (Flórida-EUA).

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