Produtores desejam retornar ao trabalho após inundações de proporções históricas, mas enfrentam incertezas.
“Quando tudo aconteceu, a gente tinha ideia de arrumar uma área de terra segura, sem enchente, para plantar, mas não é fácil encontrar isso. É complicado. O pessoal até quer vender terra, mas geralmente pedaços maiores”, diz o agricultor gaúcho Fabio Scheibel, 41.
Ele tenta retomar a produção e a venda de hortaliças após a cheia histórica do rio Taquari devastar sua plantação no início de maio, durante as enchentes que devastaram regiões do Rio Grande do Sul.
Itens como alface, couve-flor e repolho eram cultivados em uma área de dois hectares de parte da propriedade de sua família, no interior de Cruzeiro do Sul, município de 12,6 mil habitantes a 120 km de Porto Alegre.
O solo do local ficou desnivelado com a enchente. O verde das hortaliças deu lugar a montes de terra e areia movimentados pela cheia. Veículos e maquinário dos Scheibel também foram perdidos.
“Aquilo lá é a minha câmara fria”, conta Scheibel, apontando para o equipamento, que foi arrastado pela água por cerca de 300 metros.
Sem uma nova área para recomeçar, o agricultor pretende retomar a produção de hortaliças na mesma propriedade, que nunca havia sido atingida por uma enchente tão forte como a última.
A volta da plantação, contudo, ainda depende da recuperação do solo e da estrada de terra que leva até o sítio. Quando a reportagem esteve na região, no fim de julho, carros de passeio penavam para conseguir viajar pela via, que acumulava barro e buracos às margens do Taquari.
Ao ser questionado sobre uma estimativa de quando poderá reconstruir a plantação, Scheibel afirma que a pergunta é, ao mesmo tempo, “simples e difícil de responder”. O recomeço, segundo ele, depende das condições logísticas.
“Acho que essa é a principal questão”, diz. “Tendo a terra espalhada, tudo bonitinho, é até rápido fazer lavoura. A verdura tem um ciclo mais rápido: alface e couve levam em torno de 40 dias.”
Enquanto não volta a plantar, o agricultor traçou uma estratégia para seguir em contato com os clientes.
Ele resolveu comprar hortaliças de outros produtores e revendê-las na região, algo já feito em menor escala antes da catástrofe. Para realizar as entregas, Scheibel decidiu financiar um novo “caminhãozinho”.
A clientela dele é composta principalmente por redes de mercados no município vizinho de Lajeado, o mais populoso do Vale do Taquari, com 96,7 mil habitantes.
“Não quero mudar de atividade. Minha família já trabalha há 40 anos com isso, contando o meu pai. Hortifrúti é um mercado que tem venda”, declara.
Conforme Scheibel, a enchente deixou um prejuízo estimado em cerca de R$ 1,2 milhão, considerando as perdas de plantação, maquinário e outros bens.
O agricultor erguia uma casa do jeito que sonhava havia sete anos, ao lado da moradia dos pais. A construção ficou de pé e serviu de abrigo para a família durante a enchente de maio.
Scheibel, seus pais, sua esposa e sua filha de quatro anos aguardaram resgate de helicóptero por três dias na parte superior do imóvel.
“É ruim perder a plantação? Sim, é ruim. Mas a aflição mesmo é ficar três dias ali em cima da casa”, relata o produtor.
“É desesperador: você vê a água subindo e não sabe se a sua casa vai embora ou não. Achava que não era possível ficar sem dormir sem tomar remédio, mas fiquei três noites sem dormir, com os nervos à flor da pele. Só dava para ouvir o barulho dos tocos das árvores batendo.”
O produtor deseja concluir a construção da casa no futuro, mas o plano da família é morar em um endereço mais alto e afastado do rio.
Assim, a propriedade rural seria destinada apenas para a plantação e momentos de lazer. Após a enchente, Scheibel e os parentes foram para uma casa emprestada de um amigo.
“Duas mulheres ajudavam no trabalho aqui, e uma faleceu, a funcionária mais antiga. Era como minha segunda mãe. De todas as perdas que tivemos, essa é a que mais me emociona. Não acredito e até hoje não me conformo”, lamenta o agricultor.
Dizer ‘tchau’ é muito difícil, afirma produtor
Enquanto produtores gaúchos como Scheibel pensam na retomada, ainda há aqueles que não sabem o que vão fazer após as enchentes, apesar do desejo de retorno para o campo.
É o caso de Vilson Imhoff, 56, que vivia da produção de leite em Colinas, município de 2.474 habitantes que também fica no Vale do Taquari, a 120 km de Porto Alegre.
Em setembro do ano passado, o rio transbordou e atingiu o galpão da propriedade onde ficavam as vacas de Imhoff. Ele perdeu cerca de 30 animais na ocasião.
Depois, até tentou retomar a atividade, mas o Taquari voltou a causar estragos em maio deste ano. O galpão ficou destruído, assim como partes da casa do produtor. A água ainda revirou o solo da pequena propriedade.
Imhoff se queixa de dificuldades para acessar medidas de auxílio. “Eu me faço esta pergunta todos os dias: ‘O que vou fazer?’. A vontade de trabalhar está aqui, mas, financeiramente, não tenho como. Tudo foi adquirido com muito sacrifício. Olhar agora e dizer ‘tchau’ é muito difícil”, desabafa.
Depois dos prejuízos, ele afirma que passou a morar em um quiosque emprestado do irmão e recorreu a bicos para tocar a vida. Cuidar de gramados e montar cercas em propriedades rurais são exemplos citados por Imhoff (Folha)