Por José Roberto Mendonça de Barros
Ao comprar briga com quase todo o mundo, os americanos abrem as portas para concorrentes entrarem em países historicamente fechados.
A agricultura dos Estados Unidos sempre foi a principal referência nos mercados internacionais de alimentos e fibra. Em termos de produção de grãos e proteína animal, o país liderou como maior produtor global até ter sido superado pela China nas últimas duas décadas. Entretanto, como os chineses possuem um gigantesco mercado consumidor, os EUA continuaram a se destacar como grande exportador de alimentos. O peso da política comercial americana foi frequentemente utilizado para garantir o acesso preferencial de seus produtos aos principais parceiros comerciais, além de restringirem o mesmo aos maiores concorrentes, dentre os quais o Brasil como o principal destaque.
A histórica presença dos produtos agrícolas americanos no mercado global esconde uma verdade de grande significado. Nos últimos quatro anos, os Estados Unidos se tornaram importadores líquidos de alimentos. E é provável que esse déficit siga crescendo nos próximos anos, reduzindo a participação relativa dos produtos americanos.
O déficit comercial agrícola já vinha crescendo por conta de o país ocupar todas as áreas agrícolas disponíveis. Além disso, a produtividade já elevada restringe a expansão da oferta aos reduzidos incrementos marginais da tecnologia. E o país segue crescendo em renda per capita e população, o que eleva a demanda interna.
Entretanto, as políticas de Trump complicam o quadro da capacidade concorrencial dos EUA. Boa parte dos trabalhadores agrícolas dos EUA são imigrantes. As dificuldades de acesso dessa mão de obra encarecem o sistema produtivo agrícola. Tarifas de importação de insumos elevam os custos de produção dos agricultores americanos. Países importadores poderão taxar os produtos agrícolas dos EUA, como a China já fez. A própria pressão para elevação da mistura de biocombustíveis reduz a disponibilidade de produto exportável.
Ao comprar briga com quase todo o mundo, os americanos abrem as portas para concorrentes entrarem em países historicamente fechados. Notem-se os casos de carnes brasileiras no México, nas Filipinas, no Japão. Quem sabe até a Europa possa mudar?
O curioso é que fatos alheios à agricultura parecem nos colocar numa posição de solução para os problemas de países que antes confiaram sua segurança alimentar aos Estados Unidos?
Esta será uma mudança estrutural para a qual caminhamos mesmo considerando a recente – e absurda – carta de Trump ao Brasil (Opinião por José Roberto Mendonça de Barros, economista e sócio da MB Associados; Texto escrito em parceria com Alexandre L. Mendonça de Barros; Estadão)