Sorgo, gergelim, lúpulo e frutas lideram a expansão das ‘culturas emergentes’, que diversificam o campo e fortalecem o agronegócio nacional.
O sorgo, tradicionalmente usado em rotação com a soja e destinado à alimentação animal, tem sido adotado como alternativa de plantio na safrinha nos últimos três anos no oeste baiano. Mesmo implantado há pouco tempo, o cultivo avança na cadeia de biocombustíveis e já dá pistas de crescimento exponencial. Com isso, uma região que há pouco mais de quatro décadas ainda nem tinha a expectativa de ser explorada como área agrícola no Brasil tem se tornado estratégica para o desenvolvimento do agronegócio nacional.
Quem diz isso é Celito Missio, CEO da Oilema Sementes, que chegou a terras baianas no final dos anos 1970, quando o lugar quase não atraía atenções, para trabalhar com soja. Era uma época de terras tão baratas que um hectare era comprado pelo valor equivalente a uma saca da oleaginosa.
A aposta da empresa reforça a expansão das chamadas culturas emergentes, cultivos que começam a ganhar espaço no País e ajudam a diversificar a produção agrícola. Por meio de uma parceria com uma transnacional norte-americana, a Oilema Sementes oferece quatro híbridos de sorgo, que, em 2023, primeiro ano de atuação com o cereal, foram plantados em 5 mil hectares. No ano seguinte, a área semeada subiu para 25 hectares. Agora em 2025, foram 70 mil hectares. E, para a próxima temporada, a expectativa é de superar 100 mil.
Para Missio, a expansão pode ser explicada por, pelo menos, quatro fatores: o primeiro é que o sorgo tem custo de produção mais baixo do que o do milho — cereal mais plantado como safrinha no País.
O segundo é que, se submetido a uma silagem pré-hidratada, processo em que o sorgo passa por um tratamento com água, pode apresentar, na alimentação do gado, conversão energética semelhante à do milho.
Em terceiro lugar, a construção de uma biorrefinaria da Inpasa, maior produtora de combustível renovável da América Latina, que deverá entrar em operação no ano que vem em Luís Eduardo Magalhães, município onde está a sede da Oilema, promete deixar a região ainda mais dinâmica.
E, em quarto, as possibilidades de exportação para a China — para a qual o Brasil já tem habilitação.
“Não temos, aqui na Bahia, um clima apropriado para plantar milho na safrinha. Até pouco tempo, o pessoal entrava com capim braquiária para fazer a cobertura de solo. Até que o sorgo começou a atrair grande interesse”, conta Missio.
Metade das vendas de sementes de sorgo da empresa fica em solo baiano. Mas a Oilema entrega também em Mato Grosso, Maranhão, Tocantins, Piauí, Pará, Rondônia e Goiás. “A gente acredita que o sorgo vai crescer muito ainda”, afirma Missio.
Ganhando terreno
Para o professor Marcos Fava Neves, a expansão do sorgo é um exemplo da variedade que torna o Brasil uma “fábrica de alimentos” do mundo. “Chama atenção a diversidade do portfólio agrícola, indo de culturas mais ‘badaladas’, como soja, milho, cana, café e laranja, que estampam manchetes pela importância econômica e alimentar, mas também cadeias que começam a ganhar musculatura, como é o caso do sorgo”.
São as chamadas “culturas emergentes”, que, de fato, ganham espaço. Entre elas estão o gergelim, com Mato Grosso como principal produtor nacional; a aveia e a canola, nas quais o Rio Grande do Sul é destaque; e a cevada, concentrada no Paraná, já que são produtos adaptados a climas mais frios.
O lúpulo também começa a abrir espaço em Santa Catarina e São Paulo, estimulado pela evolução da indústria cervejeira. O mel segue bastante requisitado pelo mercado externo, com o Paraná assumindo a primeira colocação no ranking nacional neste segundo semestre.
Entre as frutas, manga, melão e limão estão entre as que mais devem ter incrementos até 2033, segundo o Ministério da Agricultura, além da uva, impulsionada pela indústria do vinho, e do cacau — que, apesar de problemas recentes que reduziram a oferta, tem previsão de dobrar o volume colhido até 2030.
Lúpulo desponta
Em Araraquara (SP), a pequena plantação do casal Luciana Andréa Pereira e Isidro Ybarzabal Pons ganhou papel relevante na consolidação do lúpulo no País — cujo cultivo, apesar de estar bem no início, já ocupa áreas em vários Estados.
Com apenas um hectare plantado, a propriedade sedia um centro de processamento de lúpulo, inaugurado em agosto como fruto de uma parceria com o governo paulista. A estrutura tem capacidade para beneficiar até uma tonelada por dia.
O ingrediente é essencial na fabricação de cervejas. O Brasil ainda importa 99% do lúpulo que consome, mas iniciativas como essa sinalizam um novo momento. O projeto integra o Programa SP Produz, que apoia cadeias produtivas locais e reconheceu o lúpulo de Araraquara com um selo de certificação.
A partir daí, o Estado passou a fornecer equipamentos e suporte técnico, enquanto o casal organiza a governança de 45 parceiros — entre produtores, universidades, agrônomos e empresas do setor — para ajudar a estruturar um mercado brasileiro.
Entre os objetivos, estão ampliar as áreas de cultivo e estimular assentamentos rurais no entorno, que já têm 15 hectares disponíveis para a cultura. Para isso, foi elaborado um manual técnico de boas práticas, para difundir conhecimento e reduzir custos de implantação.
Tradicionalmente cultivado em regiões de clima temperado, o lúpulo se adaptou bem ao clima tropical brasileiro graças a pesquisas conduzidas por instituições como a Universidade Estadual Paulista (Unesp), que desenvolveu cultivares premiadas internacionalmente. A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) contribui com estudos voltados ao desenvolvimento de maquinários para beneficiamento e blend de lúpulo — incluindo sistemas de secagem, peletização e armazenamento.
“Estamos articulando também a rota cervejeira, unindo turismo, agricultura e cervejarias da região, o que cria um ecossistema que vai muito além da produção agrícola. O movimento em torno do lúpulo cresceu tanto que agora também envolve novos produtos e usos: água lupulada, cosméticos, pães e até sorvetes, mostrando o potencial versátil e inovador dessa cadeia”, diz Luciana (Estadão)





