Naturalmente, o ativo do agro é a natureza

Por Roberto Waack 

Com cumprimento do Código Florestal, País terá mais de 220 milhões de hectares de áreas preservadas em propriedades rurais.

O agronegócio brasileiro é detentor do maior capital natural privado do planeta. A estimativa é que, com o cumprimento do Código Florestal, o País terá mais de 220 milhões de hectares de áreas preservadas em propriedades rurais, mais do que todos os países da Europa Central e Meridional juntos e mais de dez vezes a área sob proteção natural privada nos EUA.

O conceito de capital natural envolve o conjunto de serviços prestados pela natureza para a existência humana, que engloba recursos hídricos, estoque e remoção de carbono da atmosfera, minerais e compostos orgânicos do solo, biodiversidade, resiliência a intempéries climáticas, fluxo hídrico atmosférico (rios voadores), habitat e fornecimento de alimentos. Além disso, propicia espaço cultural e espiritual para populações que vivem em áreas com abundância de recursos naturais.

Para grande parte dos detentores de patrimônio fundiário rural, a proteção dos recursos naturais representa perda de áreas que seriam destinadas à produção de alimentos ou energia. É um argumento válido, reforçado pela falta de incentivos econômicos para a manutenção de áreas que, pela lei, devem ser conservadas, como as Áreas de Proteção Permanente (APPs) e as Reservas Legais (RL). Estas se diferenciam de APPs, uma vez que em áreas de RL são permitidas, com restrições, a exploração econômica sustentável. No entanto, a definição e os procedimentos aceitos como exploração econômica sustentável nos ambientes regulatório, científico e da sociedade civil são ainda repletos de ambiguidades.

Corroborando o argumento de proprietários rurais de que a proteção de ecossistemas de alto componente natural destrói valor fundiário, essas áreas não recebem reconhecimento econômico por parte de entidades financeiras, mesmo daquelas voltadas para desenvolvimento ambiental e social. Não são, por exemplo, amplamente consideradas como garantias reais em operações financeiras tradicionais ou incentivadas. Nas avaliações de valor fundiário, áreas denominadas como Preservação de Flora e Fauna têm valor de transações fundiárias de 50% a 80% inferiores a áreas de lavoura ou pastagem.

Para reforçar ainda mais a posição dos proprietários de terras, existem enormes obstáculos no desenvolvimento de protocolos para caracterização, metrificação, valoração e formas de comercialização desse capital natural. O tema, como se já não bastasse a intrínseca complexidade, é objeto de debates acirrados entre ambientalistas, com boa contaminação ideológica e falta de convergência. Com exceção do mercado de carbono, frágil e igualmente polêmico, pouca concretude econômica foi atingida.

No entanto, apesar desse cenário desafiador de valoração do capital natural, parece haver consenso nos ambientes financeiros e empresariais de que ele valerá mais no futuro do que vale hoje. Essa afirmativa chama atenção para iniciativas que reforçam que o Brasil, e o agronegócio, tem imensas oportunidades no mundo econômico associado à proteção de ativos naturais. A recente incorporação de elementos relacionados aos capitais natural e social aos sistemas contábeis, liderados pelo IFRS (sigla em inglês para Normas Internacionais de Relatório Financeiro), pode significar expressiva mudança deste jogo.

Diante de um país que detém as maiores reservas de proteção natural do planeta – além dos 220 milhões de hectares privados, há outros 340 milhões de hectares de áreas púbicas (em várias modalidades) –, a ciência brasileira voltada para o conhecimento da sua biodiversidade gerou organizações como o Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA), uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Trata-se de uma rede voltada para tornar informações sobre a biodiversidade brasileira acessíveis para toda a sociedade, operando com sistemas de informação, bancos de dados, ferramentas e aplicativos com altíssimo grau de sofisticação no campo das infraestruturas digitais.

O CRIA integra e dá visibilidade a dados de coleções biológicas espalhadas pelo Brasil, incluindo informações armazenadas em instituições científicas de outros países. Fundado em 2000, contou com o apoio do Programa BIOTA-Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e, posteriormente, em parceria com o INCT Herbário Virtual da Flora e dos Fungos (CNPq/MCTI), viabilizou o desenvolvimento de um dos maiores sistemas de informação sobre biodiversidade do planeta, a rede species.

O CRIA, com reconhecida relevância acadêmica, é praticamente desconhecido da sociedade e da mídia nacional e internacional, apesar de integrar a rede GBIF (Global Biodiversity Information Facility) e o Clearing-House Mechanism, da Convenção Global da Diversidade Biológica.

No final de 2024, a rede species mostrou a integração de dados de 523 coleções biológicas de todos os estados brasileiros e daqueles depositados em acervos latino-americanos, americanos e europeus. São cerca de 18 milhões de registros e 6,5 milhões de imagens. Aproximadamente 98 bilhões de registros foram utilizados para diferentes demandas, representando uma média de 270 milhões de consultas diárias.

Vale destacar que, no mesmo ano, o PIB do agronegócio brasileiro atingiu R$ 2,7 trilhões, teve faturamento com exportações de US$ 165 bilhões. Pode-se dizer que a inserção cientifica internacional do CRIA equivale, com devida licença poética, ao sucesso global do agronegócio brasileiro no campo da segurança alimentar, que figura entre os líderes mundiais na produção e na exportação de commodities como grãos, café, laranja, proteína animal, celulose e etanol.

Os expressivos números do CRIA e do agro falam por si. Mas não falam entre si. O maior interessado em que o capital natural tenha valor econômico é o agronegócio brasileiro, não só pelo que detém territorialmente em suas propriedades, mas também pelo potencial de associação positiva com o que produz e comercializa globalmente.

O comércio internacional tem utilizado o histórico desastroso da proteção florestal brasileira em seus argumentos protecionistas. A reação brasileira que tem levado à redução do desmatamento é um fato, mas no campo das regulamentações multilaterais, o agronegócio tem sofrido significativamente.

O reconhecido poder político da agroindústria nacional poderia voltar-se para estabelecer pontes entre os contundentes números da produção, das vendas e do volume de áreas protegidas privadas com as iniciativas da ciência nacional voltadas para o capital natural. Um exemplo concreto de relação entre organizações como o CRIA e o agronegócio é a caracterização georreferenciada da biodiversidade dessas áreas sob conservação em propriedades privadas. Poucos países podem contar com essa possibilidade.

Dessa forma, estratégias privadas poderão surfar na conexão da produção com a conservação ambiental, indo além das superficiais narrativas nesse campo. Por que não ter uma Brazilian Storm (para os não afeitos ao surfe, esta expressão caracteriza o domínio brasileiro no mundo daquele esporte) do capital natural global, atualizando e reforçando a histórica e bem-sucedida relação da produção agropecuária brasileira com as ciências naturais e a produção de alimentos? (Estadão)

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