Fala do presidente sobre ‘lenga-lenga’ para autorizar pesquisa na margem equatorial gera onda de insatisfação no instituto e no Ministério do Meio Ambiente, testando blindagem de Marina Silva
O aumento de pressão pelo presidente Lula (PT) sobre o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) provocou um clima de insatisfação generalizada entre técnicos do órgão e, também, na cúpula do Ministério do Meio Ambiente.
A avaliação de servidores do instituto e de integrantes da pasta ouvidos pela Folha é de que o processo para licenciar os estudos de exploração de petróleo na Bacia Foz do Amazonas passou a ser alvo de extrema interferência política, em vez de seguir um rito formal.
Nesta quarta-feira (12/2), Lula fez críticas abertas ao órgão ambiental, acusando-o de dificultar o licenciamento que busca estudar a viabilidade técnica e econômica da exploração, antes de iniciar a produção de petróleo.
“Se depois a gente vai explorar, é outra discussão. O que não dá é para a gente ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, parecendo que é um órgão contra o governo”, disse Lula, em entrevista à rádio Diário FM, de Macapá.
A reação foi dura dentro do órgão ambiental, que é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Um integrante do alto escalão do governo afirmou, sob reserva, que a situação só serve para criar animosidade. Em suas palavras, o presidente e seus auxiliares estão “forçando a barra para acelerar a licença, atropelando a análise técnica”.
A Folha apurou que, com as atualizações de estudos já entregues pela Petrobras ao Ibama, a sinalização dada ao Palácio do Planalto é de que a autorização para pesquisas no chamado bloco 59 será dada pelo órgão, no curto prazo. Até mesmo entre ambientalistas, essa decisão já é dada como certa.
Lula, porém, tem pressionado para que isso ocorra o quanto antes, para evitar que o tema ganhe espaço ao se aproximar da COP30.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já declarou que não há mais nada a ser entregue pela Petrobras e que a licença tem que ser dada ainda neste semestre. O bloco FZA-M-59, que a Petrobras pretende explorar, está localizado a aproximadamente 175 quilômetros da costa do Amapá e a cerca de 500 quilômetros da foz do rio Amazonas.
Atualmente, o principal questionamento feito pelo Ibama diz respeito ao Plano de Proteção à Fauna (PPAF), em caso de um eventual vazamento. Segundo a Petrobras afirmou em novembro do ano passado, o programa já apresentado e iniciado para esta etapa de perfuração investigatória “é robusto e sem precedentes no histórico do licenciamento brasileiro”.
Em outubro de 2024, 26 técnicos responsáveis por analisar os estudos apresentados pela Petrobras rejeitaram o material entregue pela petroleira e recomendaram, além indeferimento da licença ambiental, o arquivamento do processo.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, no entanto, abriu espaço para que a Petrobras fizesse o complemento dos estudos. Agora, a empresa aguarda um novo parecer sobre a possibilidade de estudar a área.
Cálculo político
O interesse do presidente Lula no assunto embute um cálculo político que extrapola os planos da Petrobras.
Com a exploração de petróleo na margem equatorial, como é chamada a nova fronteira da indústria na costa norte do país, Lula faz um aceno à base do novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), enquanto sinaliza com futuros impactos econômicos à região, sob o discurso de crescimento em razão do recolhimento de royalties e ganhos indiretos para municípios e estados amazônicos.
O ataque de Lula ao licenciamento testa os limites de blindagem da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Desde o início do governo petista, o Ibama é comandado por Rodrigo Agostinho, que é amigo de Marina, quadro de sua confiança e escolha pessoal para gerir o Ibama.
Em meio à pressão sobre o Ibama, já chegou a ser ventilada a possível troca de liderança do órgão ambiental. Um eventual afastamento de Agostinho, porém, é visto pela cúpula ambiental como uma péssima escolha, que só demonstraria o total controle político sobre temas técnicos, a apenas nove meses da COP30, conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas que será realizada em Belém.
O nome do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, já chegou a ser mencionado como possível candidato para substituir Agostinho. Ocorre que Macêdo é visto como uma escolha meramente política, do núcleo duro do PT e sem relação com Marina Silva.
Um integrante do ministério diz que mexer no comando do Ibama “seria uma catástrofe”, que levaria outros funcionários a deixarem o órgão.
Após a publicação desta reportagem, a Ascema Nacional (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente) emitiu nota oficial, na qual afirma ser “inadmissível qualquer tipo de pressão política que busque interferir no trabalho técnico do órgão, especialmente quando se trata de uma decisão que pode resultar em impactos ambientais irreversíveis”.
“As declarações que desqualificam o Ibama e seus servidores desrespeitam o papel fundamental da instituição na defesa do interesse público, que é seu objetivo final, independente do governo da vez”, afirmou a associação.
Segundo a Ascema, os interesses por parte do governo em acelerar a análise passam pelo limite do que o Ibama pode fazer diante do sucateamento da gestão socioambiental.
“A análise técnica de grandes projetos submetidos ao licenciamento ambiental federal, especialmente aqueles a serem desenvolvidos em áreas socioambientalmente sensíveis, com número reduzido de estudos científicos e onde não há experiências prévias da atividade em questão, demandam imensa dedicação das servidoras e servidores e, inevitavelmente, consomem tempo”, afirmou a associação.
A Ascema afirma ainda que “é contraditório que um país que sediará a COP-30, um evento de relevância global para o enfrentamento das mudanças climáticas, adote posturas que fragilizam a governança ambiental e colocam em risco compromissos assumidos internacionalmente” (Folha)