Líderes de ciência agrícola do G20 defendem união para combate à fome

Segurança alimentar e adaptação de sistemas agroalimentares às mudanças climáticas. Esses foram os principais pilares apontados pelos líderes mundiais em agricultura do G20 para garantir um futuro mais igualitário e sem fome para as novas gerações. Eles estão reunidos em Brasília em evento promovido pela Embrapa, na sede do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), de 15 a 17 de maio. As enchentes, que atingiram o Rio Grande do Sul nos últimos dias, foram destacadas por todos os representantes do encontro do G20 como um exemplo de tragédia climática sobre a qual a ciência precisa atuar. A delegação brasileira propôs unir esforços em médio e longo prazo para recuperar as áreas agricultáveis e evitar futuras tragédias.
Segundo a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, a ciência, tecnologia e inovação são fundamentais não apenas para garantir o desenvolvimento de práticas sustentáveis, como também para embasar políticas públicas. O desenvolvimento de tecnologias no campo nas últimas cinco décadas possibilitaram um aumento de produtividade de 140% para 580%, com uma expansão de terra de apenas 20 para 70 milhões de hectares. “Nada disso teria sido possível sem o apoio dos cerca de cinco milhões de produtores rurais de todo o País”, destacou.
Massruhá lembrou aos líderes do G20 e de países convidados que a crise enfrentada no Rio Grande do Sul não é um evento isolado. Vários outros episódios extremos têm acontecido em outros países, o que é um alerta para a ciência mundial. “A ciência melhorou a certeza dos modelos e da avaliação de risco que ressoam eloquentemente entre nós, pesquisadores, a gravidade dos tempos que existem agora e que estão por vir. Enfrentamos a necessidade de nos adaptarmos, nos reinventarmos e planejarmos um período duradouro de intensa entropia que desafiará os limites de todos os pilares do equilíbrio existencial”, acrescentou.
União de esforços para enfrentar mudanças climáticas e aumentar a segurança alimentar
De acordo com a presidente, a troca de experiências dos outros países que compõem o G20 será fundamental para enfrentar os desafios profundos de mudança climática e insegurança alimentar. “Essas são as nossas principais prioridades como parte dos sistemas de pesquisa agrícola do G20. É hora de aproximar os nossos esforços, partilhar experiências, avançar, fortalecer a comunicação com a sociedade civil e informar os tomadores de decisões com elementos substanciais, a fim de minimizarmos os riscos e custos para enfrentar tais desafios.
A agricultura é altamente vulnerável às alterações climáticas e os seus impactos, que já estão sendo sentidos, provavelmente irão piorar nos próximos anos. “A Embrapa e o Brasil incentivam o uso de tecnologias e melhores práticas sustentáveis, como o plantio direto, os sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta (ILPF), o uso de bioinsumos, as novas tecnologias digitais, e o desenvolvimento conjunto de indicadores de sustentabilidade, entre outras. “A união entre os países é crucial para fornecer soluções científicas em prol de um mundo mais justo e um planeta sustentável. A segurança alimentar equivale à paz; equivale a vidas”, finalizou Massruhá.
Segundo Julio Ramos, do Ministério da Agricultura e Pecuária, que faz parte do grupo de trabalho sobre agricultura do G20, esse setor representa um quarto do PIB e 20% dos empregos de carteira assinada do País. “Com essa reunião, o Brasil convida o mundo a unir forças para construir um mundo mais justo”, afirmou.
Desmatamento é reduzido em 51% na Amazônia
A secretária-executiva do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Fernanda Machiaveli, ressaltou que o Brasil tem hoje uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Segundo ela, o primeiro grande desafio do País é aumentar a produtividade sem expandir áreas agrícolas. Nesse sentido, ela comemorou a redução de 51% do desmatamento na Amazônia. “Precisamos unir esforços para desenvolver tecnologias sustentáveis capazes de gerar renda e emprego para as 30 milhões de pessoas que vivem hoje na Floresta Amazônica”, observou.
O segundo desafio é garantir o acesso de pequenos agricultores, povos indígenas, assentados e comunidades tradicionais ao desenvolvimento tecnológico. “Hoje, 24 milhões de pessoas que fazem parte desses grupos estão em situação de fome”, informou.
Machiaveli destacou a importância da Embrapa para a sustentabilidade da agricultura e lembrou que é fundamental unir esforços entre a Empresa e o MDA para definir um pacote de medidas para recuperar a agricultura do Rio Grande do Sul.
Carlos Augustin, que representou o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, no evento, destacou que o Brasil tem hoje 70 milhões de hectares de área produtiva e 160 milhões de hectares de pastagens degradadas.Wellington Rocha, que representou o ministro da Pesca e Aquicultura, André de Paula, salientou a importância da ciência para o desenvolvimento da aquicultura sustentável nas 740 unidades de conservação que existem no Brasil, ao logo de 8.500 quilômetros de costa. “A ciência é a voz forte do País para aumentar a inclusão social, especialmente com a atração de jovens para o campo”, concluiu.

Brasil propõe grupo internacional sobre bioeconomia para o G20

Uma das propostas apresentadas pelo Brasil no Encontro dos Líderes de Pesquisa Agrícola do G20, (MACS-G20), é a criação de um grupo temático dedicado a debater e propor questões sobre bioeconomia. Chamada de GIB (Iniciativa G20 sobre Bioeconomia, na sigla em inglês), a proposta é defendida pela comitiva brasileira que ressalta a importância do tema.

“O G20 deverá ser o primeiro fórum mundial a tratar o tema em um debate exclusivo e, aqui no Brasil, o esforço conta com a participação de 12 ministérios”, declarou Daniel Lodetti, da Coordenação-Geral de Desenvolvimento Sustentável do Ministério das Relações Exteriores, instância responsável pela liderança nessa proposta. Lodetti anunciou que a iniciativa será estruturada em três eixos a serem debatidos separadamente: pesquisa, desenvolvimento e inovação para bioeconomia, debatido em maio, em Brasília; uso sustentável da biodiversidade para a bioeconomia, com debate previsto para junho, em Manaus (AM); e bioeconomia como geradora de desenvolvimento sustentável que será discutido em setembro, no Rio de Janeiro (RJ).

O Brasil propõe que os países e as organizações internacionais compartilhem experiências exitosas em bioeconomia e definam esse campo, que ainda conta com muitas interpretações. “Ainda não há consenso mundial sobre a definição do termo. Por isso, o Brasil quer começar a padronizar o conceito e ter o G20 como o pioneiro nesse tema e, com isso, esperamos espalhar a iniciativa para outros fóruns globais”, explica o coordenador da edição deste ano do MACS-G20, Marcelo Morandi, chefe de Relações Internacionais da Embrapa.

Voltada à produção sustentável baseada na biodiversidade e nos recursos naturais, a bioeconomia tem ganhado espaço no Brasil e no mundo, de acordo com Morandi. Uma das principais vertentes do tema, atualmente, é a substituição de matérias-primas fósseis por similares naturais. É o caso de fertilizantes, estimulantes de crescimento e pesticidas à base de microrganismos como fungos e bactérias, inofensivos ao meio ambiente e à saúde humana. Morandi informou que o emprego de bioinsumos tem crescido a cada ano.

Bioeconomia combate a pobreza e aumenta a sustentabilidade

“A bioeconomia será capaz de garantir a segurança alimentar e promover resiliência às mudanças do clima”, defendeu a diretora de Negócios da Embrapa, Ana Euler, durante o evento. Segundo ela, a base biológica deverá substituir no longo prazo inúmeros produtos de origem fóssil, de combustíveis a fertilizantes. “Essa é a base do Programa Nacional de Biofertilizantes [do Brasil]”, ressaltou exemplificando com bioinsumos desenvolvidos pela Embrapa: um para combate de pragas e estimulante de crescimento de soja, outro que promove obtenção de fósforo já presente no solo pela planta e um terceiro que ajuda a planta a resistir à seca. Todos têm bactérias em sua composição.

A diretora ainda apresentou o potencial brasileiro na chamada bioeconomia azul, que se refere à exploração de recursos aquáticos. “Atualmente, já temos pacotes voltados a duas espécies de peixes a tilápia (exótica) e o tambaqui, nativo do Brasil. Ambos contam com tecnologias de reprodução, alimentação e genética”, anunciou.

Euler também defendeu a bioeconomia como mecanismo de desenvolvimento social. “Na Amazônia, somente em 2021, as tecnologias da Embrapa focadas na sócio-bioeconomia criaram 3 mil empregos diretos e promoveram um impacto de mais de US$ 30 milhões na região”, contou a diretora ao relatar que há mais de 100 tecnologias que atendem hoje a mais de 50 cadeias produtivas.

Para o desenvolvimento da bioeconomia, Ana Euler acredita que muitos desafios devem ser por todos os países como o desenvolvimento de soluções científicas voltadas às necessidades e às capacidades locais, a promoção de meios sustentáveis de desenvolver a bioeconomia, a multiplicação do conhecimento, implantação de sistemas de agregação de valor e de inserção em cadeias produtivas, entre outros. “É fundamental que fortaleçamos as redes de cooperação, as parcerias e o financiamento de projetos voltados à bioeconomia,” ressaltou a gestora.

“Esperamos entregar uma base de alto nível em bioeconomia que vai subsidiar a reunião de líderes de governo do G20 que se reunirão no Rio de Janeiro, este ano”, concluiu Lodetti.

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