Aumento de 3ºC na temperatura do planeta deve cortar crescimento de PIB global pela metade até 2100.
Os danos econômicos causados pelas alterações climáticas são seis vezes piores do que se estimava anteriormente. A conclusão é de um estudo do National Bureau of Economic Research (NBER) publicado em maio deste ano.
O trabalho, que ainda a ser revisado por pares, chegou a esse número após estimar que cada aumento de 1°C na temperatura do planeta leva a uma queda de 12% no PIB (Produto Interno Bruto) global. O mundo já aqueceu 1,1°C desde a segunda metade do século 19, antes do salto nas emissões de combustíveis fósseis em decorrência da industrialização.
Em relatório do ano passado, o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU) alertou haver mais de 50% de chance de a temperatura global ultrapassar o limite de 1,5 °C até 2040. Muitos cientistas estendem a previsão para 3°C até o final do século.
Esse cenário mais crítico, segundo o estudo, causaria “declínios abruptos na produção, no capital e no consumo que excedem os 50% até 2100”. Ou seja, o mundo perderia metade da prosperidade capaz de gerar até o final do século.
“É como estar numa recessão duas vezes maior que a Grande Depressão de 1929, para sempre”, afirma Adrien Bilal, coautor do estudo, à Folha. Segundo ele, o poder de compra atual já seria 37% superior ao que é agora sem o aquecimento global observado nos últimos 50 anos.
Estudos antigos concluíram que um choque térmico de 1°C reduz o PIB em cerca de 1 a 3% no médio prazo. O motivo da discrepância está nas fontes de variação de temperatura.
Enquanto trabalhos anteriores exploram variações ao nível de país, o de agora busca alterações na temperatura média global. Considerando, por exemplo, o impacto ondas de calor, tempestades e inundações em colheitas, na produtividade e investimentos de capital no setor.
“Econometricamente, trabalhos anteriores que exploram a temperatura local em um painel eliminam os impactos comuns dos choques térmicos globais via efeitos fixos no tempo. Em vez disso, concentramos nestes impactos comuns”, diz o estudo.
Apesar de ser uma perda significativa para todos os países, o economista de Harvard relata que o impacto será maior em regiões quentes. “As áreas mais afetadas serão o sudeste asiático e a África subsaariana. A América Latina seria a representação da média mundial”, diz.
Este rombo acontecerá mesmo com cortes drásticos das emissões de gases do efeito estufa na atmosfera, aponta o estudo. Caso os objetivos do Acordo de Paris sejam alcançados, mantendo o aumento da temperatura da Terra apenas 1,5°C mais quente que os níveis pré-industriais, o PIB global ainda enfrentará uma queda de cerca de 15%.
O documento também indicou que, para cada 0,5°C de alta nos termômetros ao redor do globo, aumenta a frequência de eventos climáticos extremos, desde secas implacáveis até chuvas torrenciais –como as vividas pelo Rio Grande do Sul.
LADO POSITIVO
Em 2022, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) revisou sua estimativa do custo social do carbono de US$ 51 para US$ 190 (de R$ 267 para R$ 997). Isso significa que para cada tonelada de carbono emitida se paga R$ 997 –o Brasil emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas em 2022. Já os autores do estudo propõem um valor mais de cinco vezes maior, de US$ 1.056 (R$ 5.542,10).
Se o custo se confirmar, o preço de substituir combustíveis fósseis por fontes renováveis seria ainda mais vantajoso. “Nosso estudo sugere que mesmo as políticas unilaterais de descarbonização são rentáveis. Este é o lado positivo do nosso estudo”, diz Diego Känzig, co-autor e professor na Northwestern University.
O estudo atual busca analisar um termo muito conhecido pelos economistas: a função de dano ou como algo é impactado negativamente pela tomada de decisão. Apesar de ter avançado muito nos últimos 50 anos, remover oscilações, naturais ao cotidiano, é difícil.
Economistas comparam países quentes e frios, mas isso não captura todas as diferenças. Preferem seguir regiões ao longo do tempo, mas enfrentam problemas como autocorrelação. O crescimento econômico e a temperatura são influenciados por muitos outros desvios, históricos, geopolíticos e sociais.
Uma solução é analisar “choques de temperatura” e sua correlação com a renda. No entanto, variações de curto prazo não consideram a adaptação agrícola e a natureza global das mudanças climáticas. Känzig e Bilal usam dados globais, mas enfrentam limitações históricas e de dados.
“A economia, como qualquer ciência, é afetada por imprevisibilidades do cotidiano. Antes de tudo, os modelos econômicos possibilitam pautar um debate, quantificar impactos e medir o custo-benefício de nossas escolhas”, explica Annelise Vendramini, coordenadora do Programa de Pesquisa Finanças Sustentáveis do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV.
Os modelos tentam simplificar a realidade, e, para Vendramini, é como planejar uma viagem. Cria-se um modelo para avaliar uma rota, como será percorrida e em que momento. Por mais que nada ocorra como planejado, é melhor do que o despreparo.
Apesar das incertezas, tudo aponta que mudança climática tem custos maiores do que previsto (Folha)