Governo desiste de fazer leilão de arroz e quer acordo para manter preços

Membros e ex-membros do governo cancelaram participação em audiências sobre o tema.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) suspendeu o leilão do arroz por tempo indeterminado e negocia com o agronegócio um acordo para controlar os preços do produto.

“Estamos com o edital pronto, mas os preços cederam e acho prudente monitorar [a situação] antes de qualquer ação de compra”, afirmou à Folha o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.

Mais cedo nesta terça-feira (3/7), Fávaro anunciou à Globonews a suspensão do leilão. A ideia é retomar a ideia apenas caso o preço aumente.

Agora, os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, junto com a Conab (Companhia Brasileira de Abastecimento), negociam a assinatura de um termo de compromisso para que, em locais onde aconteça um eventual desabastecimento, o setor se comprometa com o envio de mais produto, para evitar que o preço suba.

Internamente, membros do governo já tinham se posicionado contra o leilão, mesmo antes de sua realização, sob o argumento de que não havia indícios de que as chuvas no Rio Grande do Sul causariam falta de arroz.

Pelo contrário, os indicadores apontavam que, com a colheita já realizada naquele momento, a oferta do produto estava garantida, segundo um integrante da Agricultura.

Também nesta terça, estava prevista a participação do ministro Paulo Pimenta (Reconstrução do RS) e do ex-diretor da Conab, Thiago José dos Santos, na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados.

Ambos, no entanto, cancelaram sua participação. Agora, o grupo estuda convocar Pimenta, antes apenas convidado, para prestar explicações sobre o caso.

O leilão foi uma iniciativa do governo Lula após a tragédia socioclimática das chuvas no Sul do país, que concentra a maior parte de produção do arroz no Brasil.

Como mostrou a Folha, das quatro empresas vencedoras, uma era uma loja de laticínios e outra tinha como sócio um empresário que já havia confessado o pagamento de propina para conseguir licitações públicas.

O leilão foi duramente criticado pela oposição ao governo e pelo agronegócio, e depois, anulado pelo governo.

O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, foi demitido, junto com outros membros da pasta e da Conab ligados ao leilão.

Geller diz que o leilão foi um erro político —mas não dele. Em sua visão, as denúncias tomaram uma grande proporção justamente para atingi-lo.

Após sua demissão, Geller afirmou que não teve responsabilidade sobre o leilão, porque não atuou em sua elaboração.

Ao contrário do que alegou o ministro Carlos Fávaro à época, ele afirma que não pediu demissão do cargo e que, na verdade, seu ex-superior não lhe atendeu quando tentou corrigir a informação sobre a saída da pasta.

“A forma com que foi conduzido [o leilão para a importação de arroz] foi um equívoco, gerou uma reação muito forte da oposição e do setor produtivo, instabilidade no Congresso. Se eu pedisse demissão, estaria assumindo uma parcela de um erro político que não é meu”, disse à Folha após deixar o cargo.

Também foi divulgado que que um ex-assessor de Geller havia intermediado quase metade da venda do arroz importado no leilão promovido pela Conab —ele nega qualquer irregularidade.

No total, o governo havia comprado 263,3 mil toneladas de arroz importado, por R$ 1,3 bilhão.

A maior arrematante do leilão foi uma empresa de nome Wisley A de Souza, que adquiriu 147,3 mil toneladas de arroz, tem como único sócio uma pessoa com esse nome e capital social de R$ 5 milhões.

Seu nome fantasia é Queijo Minas, e o endereço registrado na Receita Federal fica no centro de Macapá, capital do Amapá. Segundo imagens do Google, no local funciona o estabelecimento com este mesmo nome.

Já o email que consta no sistema federal é de uma distribuidora. Sua principal atividade (declarada pela própria empresa em seus registros públicos) é o comércio atacadista de leite e laticínios. A lista de capacidades secundárias inclui frutas e verduras, carnes, material de escritório, produtos de higiene e limpeza, e mercadorias alimentícias de armazém em geral.

Procurada por email, telefone e WhatsApp, a empresa não respondeu.

A segunda menor arrematante do leilão foi a ASR Locação de Veículos e Máquinas, com sede em Brasília.

Sua principal atividade é o aluguel de máquinas e equipamentos, mas nas secundárias consta uma série de outras, por exemplo, construção de edifícios e rodovias, obras, publicidade, desenvolvimento de programas de computador, serviços de escritório e de limpeza, além de comércio atacadista de diversas categorias, inclusive cereais.

Seu único sócio é Crispiniano Espindola Wanderley. Ele também participa de outras empresas de transporte e de um instituto de perícia forense.

Procurado pela Folha, ele disse que a ASR tem mais de dez anos de experiência e trabalha com seriedade. Afirmou que venceu um outro leilão da Conab em dezembro de 2023, para distribuição de 211 mil sacas de milho, que foram entregues com sucesso no estado da Bahia.

Entre 2002 e 2009, Wanderley presidiu a Coopertran (Cooperativa de Transportes Públicos do DF).

Ele é citado em uma investigação que mirou o atual deputado federal e então secretário de Transportes do Distrito Federal Alberto Fraga (PL-DF).

Em seu depoimento, Wanderley afirmou que Fraga lhe cobrou propina por intermediários para a assinatura de um contrato de ônibus com a cooperativa e que pagou R$ 350 mil para fechar o acordo (Folha)

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