Mesmo diante de um cenário climático adverso, com restrição hídrica e calor persistente, o Brasil caminha para uma safra de cana-de-açúcar histórica. Segundo o mais recente levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção deve alcançar 666,45 milhões de toneladas em 2025/26 — ligeiramente abaixo do previsto em agosto, mas ainda entre as maiores já registradas. A variação modesta mostra que, mesmo sob estresse climático, a cana mantém a força como base da bioenergia brasileira.
Ainda assim, a cana continua sendo um ativo estratégico de uma bioeconomia em expansão. Mesmo com leve retração na oferta, a produção de açúcar deve atingir 45,02 milhões de toneladas, a segunda maior da história, superando a projeção anterior e ficando atrás apenas do recorde de 2023/24.
O movimento das usinas é claro: diante do clima adverso e da valorização global do adoçante, o mix se desloca em direção ao etanol, com margens mais atrativas e demanda externa aquecida, embora alguns analistas acreditem num “mix 50/50”. Mas o verdadeiro motor dessa transformação está nas múltiplas possibilidades que a cana oferece — do etanol à bioeletricidade, do biogás aos novos biomateriais.
O etanol de cana, por sua vez, segue como peça essencial da matriz energética renovável, agora compartilhando protagonismo com outra cultura que avança rapidamente: o milho. A transição não é apenas agrícola, é industrial, financeira e estratégica. O Brasil descobriu que, dentro do grão, há combustível, proteína, energia e desenvolvimento. A primeira planta dedicada exclusivamente ao milho começou a operar em 2017, em Lucas do Rio Verde (MT), inaugurando uma cadeia que hoje já soma 24 biorrefinarias em operação, 16 novas usinas em construção e outras 16 programadas.
A expansão acompanha a força da safra e o amadurecimento do setor, com produção nacional projetada para superar 10 bilhões de litros de etanol no ciclo 2025/26. Segundo a União Nacional do Etanol de Milho (UNEM), o país deve dobrar a capacidade instalada até o fim da década, consolidando-se como uma das maiores plataformas de biocombustíveis do mundo.
O modelo é financeiramente robusto. Além da receita primária do etanol, há o DDG, um farelo de alto teor proteico e energético que alimenta a pecuária e representa, em algumas usinas, até 25% do faturamento. Essa combinação de combustível e proteína cria um duplo fluxo de caixa que sustenta margens, dilui os riscos e oferece previsibilidade. O etanol de milho é hoje um ativo híbrido, com características industriais e agrícolas, mas performance financeira semelhante à de infraestrutura: gera receita recorrente, tem demanda estável e baseia-se em um insumo local e escalável.
Esse movimento impulsiona uma industrialização descentralizada. No Centro-Oeste, o que antes era apenas cinturão agrícola tornou-se um ecossistema integrado de biocombustíveis, alimentos e tecnologia. É uma nova etapa do agro, mais intensiva em capital, inovação e eficiência, que cria valor não apenas no campo, mas em toda a cadeia logística e industrial.
A Empresa de Pesquisa Energética estima que, até 2030, a bioenergia possa evitar 10 milhões de toneladas de CO₂ por ano. Programas como o RenovaBio e a crescente demanda por créditos de descarbonização (CBIOs) reforçam o potencial financeiro e reputacional desse mercado. O investidor que entra hoje não aposta apenas em produtividade — participa de um ciclo de valorização estrutural de energia limpa, ancorado em métricas ESG, infraestrutura resiliente e crescimento sustentável.
Enquanto isso, a cana mantém liderança histórica. A biomassa, o bagaço e o vapor transformam as usinas em plataformas industriais completas, que produzem açúcar, etanol, eletricidade e biogás. O Brasil, que aprendeu a gerar energia a partir da cana, agora expande essa competência para novos cereais energéticos. A transição energética, antes concentrada em painéis solares e turbinas eólicas, ganha uma dimensão tangível com os biocombustíveis: locomotivas movidas a etanol já são testadas, substituindo progressivamente o diesel até 2028, e o setor naval avalia o uso do etanol agrícola como alternativa aos combustíveis marítimos.
Cana e milho formam, juntos, o duplo combustível da energia limpa brasileira — duas origens agrícolas que se completam no mesmo propósito: mover o país com sustentabilidade, eficiência tropical e inteligência produtiva. E vem aí um terceiro protagonista. O trigo, que já conta com uma planta em operação no Rio Grande do Sul, começa a trilhar o mesmo caminho, com novas cultivares em desenvolvimento pela Embrapa que em breve devem ganhar espaço nos solos do Centro-Oeste e do Nordeste. Uma nova fronteira energética se aproxima — e ela, mais uma vez, nasce do campo
*Wolney Arruda é administrador de empresas e Presidente da Plantae Agrocrédito, que está no mercado há mais de 20 anos com atuação financeira. Com sede em Presidente Prudente/SP, está presente em vários segmentos do agro e tem parcerias com grandes empresas do ramo de pecuária, como MFG, Marfrig e Minerva, setor sucroenergético, com Tereos, Cofco, Adecoagro, Cocal, Grupo CMAA, CMNP, Usina Jacarezinho, Energética Santa Helena, Viterra Bioenergia, ATVOS, setor de citrus, com a Citrosuco, além do segmento de grãos com COFCO, ADM, Cargill, entre outras.






