Estudo comprova a sustentabilidade do café da região das Matas de Rondônia

Estudo inédito realizado pela Embrapa comprova a sustentabilidade da cafeicultura das Matas de Rondônia. Por meio do uso da geotecnologia e com o apoio de imagens de satélite, o trabalho registrou desmatamento zero em sete dos 15 municípios da região, entre os anos de 2020 e de 2023. Em toda a região, foram encontrados traços de retiradas de áreas florestais em menos de 1% da área total ocupada pela cafeicultura. O trabalho também demonstra que mais da metade dos territórios dos 15 municípios somados é coberta por florestas, o que totaliza 2,2 milhões de hectares com vegetação nativa. Leia o trabalho na íntegra aqui.

As plantações de café e as áreas florestais da região foram identificadas em um Sistema de Informações Geográficas (SIG). Líder do trabalho, o pesquisador da Embrapa Territorial (SP) Carlos Ronquim explica que a equipe cruzou dados de fontes oficiais e utilizou imagens de satélite de alta resolução espacial como apoio para definir em polígonos as áreas agropecuárias e as de florestas. “Então, comparamos os cenários de 2020 e de 2023 para observar avanços dos cafezais sobre áreas de floresta. É um trabalho inédito e muito aguardado pelos produtores locais”, conta o pesquisador. Acesse os mapas gerados aqui.

As Matas de Rondônia são responsáveis por mais da metade da produção de café de Rondônia. A produção regional está crescendo e buscando ampliar mercado para o seu produto, um café especial. A região é o berço do “robusta amazônico”, primeira variedade a receber selo de Indicação Geográfica de cafés canéforas sustentáveis no mundo. A bebida gerada pelo grão amazônico vem ganhando destaque em feiras e concursos nacionais e internacionais como uma das mais exóticas e interessantes do ponto de vista sensorial.

Amazônia aumenta pressão mundial por sustentabilidade

Segundo a Cafeicultores Associados da Região das Matas de Rondônia (Caferon), além do mercado brasileiro, o robusta amazônico é comercializado com países da América do Sul, Ásia e Europa. As negociações comerciais não são simples. Para expandir o mercado de compradores, os produtos agrícolas da Amazônia enfrentam pressão maior para comprovar a sustentabilidade do processo, como afirma Juan Travain, produtor rural e presidente da Caferon. “Sabíamos que a cafeicultura da região é sustentável, mas não tínhamos essa comprovação com base na ciência. E o estudo demonstra isso. Esses dados precisam ganhar o mundo. Queremos divulgá-los em eventos de grande repercussão nacional e internacional”, informa.

O estudo também aponta fatores que podem ajudar a cadeia local a atender à demanda de novos mercados, sem pressionar as áreas de floresta. A cafeicultura da região vem aumentando a produtividade pela aplicação de tecnologias, e pode ainda ocupar as vastas áreas de pastagens, que representam 1,9 milhão de hectares, tamanho pouco menor que metade de toda a área da região.

“Trabalharemos para ocupar essas áreas novamente, mas de uma maneira com mais sustentabilidade e pujança, por termos mais tecnologias. A Amazônia será um celeiro de café para o mundo, de maneira mais sustentável, obedecendo a todas as normas”, ressalta Travain.

Além da conservação ambiental por parte dos produtores, o estudo destaca a contribuição das reservas indígenas, que preservam e conservam grandes “blocos” de florestas nativas primárias num total de 1,2 milhão de hectares. Somadas, essas áreas de vegetação nativa chegam a 56% de todo o território das Matas de Rondônia, ou 2,2 milhões de hectares (ha).

Desafio para identificar plantações de café

Identificar as plantações de café não foi tarefa fácil. Mesmo com o apoio de imagens de satélite de alta resolução espacial, não foi possível automatizar o reconhecimento dos cafeeiros, pois a maior concentração de pés encontra-se dentro de pequenas propriedades rurais, sendo confundidos com outras culturas, ou até mesmo com bordas de floresta.

Dos 37 mil imóveis rurais da região das Matas de Rondônia, declarados no Cadastro Ambiental Rural (CAR), menos de 9 mil se dedicam à cafeicultura, e, destes, 95% são pequenas propriedades familiares, com 3,5 ha cultivados com café, em média.

Ronquim qualifica o trabalho como árduo, demandando o envolvimento de muitos técnicos, entre pesquisadores, analistas e bolsistas.

No vídeo abaixo, ele conta como a equipe venceu os desafios para identificar os cafeeiros dentro das pequenas propriedades rurais espalhadas pelo vasto território das Matas de Rondônia.

Política Pública

O pesquisador da Embrapa Rondônia (SP) Enrique Alves, coautor do trabalho, relata que a cadeia local articula com o governo do estado o lançamento de um programa de desmatamento zero vinculado à cafeicultura. Essa proposta de política pública pode ser considerada um dos primeiros resultados práticos do projeto. Ela toma por base a Lei nº 5.722/2024, que tornou a qualidade sustentável e a valorização do robusta amazônico um patrimônio cultural e imaterial do estado de Rondônia. “Queremos um programa não só para mitigar qualquer problema ambiental que tenha na cafeicultura, mas também para prevenir qualquer desmatamento”, reforça Alves. A proposta será apresentada para autoridades estaduais e representantes da cadeia de café entre os dias 9 e 10 de maio, em um evento em Cacoal (RO). 

A lei europeia

Para chegar ao mercado europeu, os grãos robustas amazônicos precisarão comprovar conformidade à Lei de Antidesmatamento da União Europeia (EUDR). O café é a commodity que mais preocupa o Brasil, pois, diferentemente de outros itens afetados pela norma, ele possui uma participação muito grande na exportação para o bloco europeu.

Segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), a Europa representa 48% das exportações brasileiras. “São mercados que concentram cafés especiais e cafés de sustentabilidade, que são hoje as duas principais formas de agregar valor”, afirma Marcos Matos, presidente da Cecafé.

Entre as commodities agrícolas, a cafeicultura possui as melhores condições de comprovar a conformidade às exigências das leis europeias, devido à capacidade técnica e ao interesse dos produtores em providenciar certificações para seus produtos.

Como ressalta o presidente da Cecafé, apesar de regulamentada, a Lei EUDR ainda não está sendo aplicada. Matos explica que os importadores do café brasileiro do bloco europeu deverão demonstrar que a mercadoria ou o produto cumprem a regra de antidesmatamento. Entre as diligências, estão dados de produção, além da geolocalização das áreas produtoras.

Para auxiliar as empresas importadoras no processo de fiscalização das commodities, as autoridades europeias podem lançar mão de mapas com pouco detalhamento do uso e cobertura do território brasileiro. Esses mapas, no entanto, possuem problemas de escalas, o que pode representar riscos. “Lá você identifica regiões de café há mais de quinze anos apresentando como desmatamento, tanto em Minas Gerais como no Espírito Santo. Por isso, o Brasil precisa ter o seu próprio mapeamento georreferenciado para cafeeiro, a fim de reduzir riscos e não apontar desmatamento onde não existe”, diz Matos.

Para o pesquisador Carlos Ronquim, a comprovação da sustentabilidade da cafeicultura na região das Matas de Rondônia pode servir como um argumento científico para as recorrentes críticas à produção de café no Brasil, e em especial no bioma Amazônia, recebidas no exterior. 

Projeto

O mapeamento do uso e ocupação da cafeicultura rondoniense integra as atividades do projeto CarbCafé Rondônia, liderado pela Embrapa Territorial, em parceria com a Embrapa Rondônia, a Caferon e o Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil, divisão de Rondônia (Sicoob-RO). A pesquisa também se propõe a levantar o carbono estocado no solo e nas plantações de café e a elaborar um inventário de carbono do cultivo do grão na região em um segundo momento.

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