Escassez de água é cada vez maior, o que afeta de frente o agronegócio

Segundo Felipe Mendes, empresa tem adotado soluções para mitigar emissões e fornecer soluções de baixo carbono, como etanol, biometano, energia elétrica, SAF

As mudanças climáticas impõem desafios concretos ao agronegócio, com destaque para a crescente escassez hídrica e a maior volatilidade das chuvas ao longo dos últimos 25 anos em regiões como o Centro-Oeste, Sul e Sudeste, diz o diretor de sustentabilidade da Tereos, Felipe Mendes. O executivo do grupo francês destaca que a produtividade da Tereos — que cultiva 300 mil hectares — depende fortemente das chuvas regulares.

Para lidar com esse cenário, diz ele, a empresa tem trabalhado para mitigar emissões e fornecer soluções de baixo carbono: etanol, biometano, energia elétrica, SAF. “Também temos estudado agricultura regenerativa e variedades de cana mais resilientes.”

Até 2032/33, a meta da companhia é reduzir 50% das emissões de escopos 1 e 2 (emissões diretas e indiretas), 36% das de escopo 3 (ao longo da cadeia) na agricultura, e ser net zero até 2050. “Temos uma série de iniciativas: uso de biometano, biofertilizantes, etanol nos tratores, corredores verdes, entre outras.”

Mendes vê na COP-30, que será sediada pelo Brasil, uma chance de o País mostrar seu papel de liderança climática, reforçar a diplomacia ambiental e apresentar ao mundo sua produção agrícola de baixo carbono, baseada em energia limpa e produtividade. Ele acredita que o setor privado precisa municiar o governo com dados e boas práticas e ressalta o papel ativo do agronegócio nessa agenda.

Gigante do setor sucroenergético, o grupo Tereos opera em quatro continentes. No Brasil, atua com sete usinas de cana e uma de cereais, todas em São Paulo, produzindo principalmente açúcar, etanol e energia de biomassa. Veja a seguir a entrevista concedida ao Estadão.

Como as mudanças climáticas têm afetado o setor?

Se há um setor que sofre com a mudança climática e tenta trazer alternativas, é o do agronegócio. No nosso caso, a gente vem observando nesses últimos 25 anos no Brasil que a volatilidade das chuvas, entre um ano e outro, aumentou drasticamente.

Vemos uma escassez hídrica crescente. E isso não é uma realidade só do Estado de São Paulo, mas observamos isso em diferentes regiões produtoras, como o Centro-Oeste, o próprio Sul. Operamos 300 mil hectares, com pouquíssima irrigação. As chuvas regulares entre outubro e fevereiro são produtividade na veia para a gente.

E o que pode ser feito frente a essa realidade?

Mitigar emissões e fornecer soluções de baixo carbono: etanol, biometano, energia elétrica, SAF. Também temos estudado agricultura regenerativa e variedades de cana mais resilientes.

As variedades são desenvolvidas nos laboratórios de vocês?

Somos acionistas do CTC (Centro de Tecnologia Canavieira), que desenvolve variedades com foco em produtividade e resiliência. Mas é um processo longo. Estamos também investindo em agricultura regenerativa para cuidar melhor do solo.

E a COP-30? Qual é a importância de o Brasil sediar o evento?

É uma oportunidade única de mostrar o que o Brasil tem de bom. O mundo precisa ver que o País tem práticas agrícolas de baixo carbono, energia renovável, produtividade. É também uma chance de o Brasil liderar coalizões, fomentar diálogo e mostrar que é parte da solução climática. Além disso, e eu vi muito isso em Baku (cidade-sede da COP 29), é uma oportunidade que vamos ter de mostrar que somos um país aberto, diplomático, para fazer o que precisa ser feito em um momento turbulento como esse em que os Estados Unidos estão saindo da mesa, mas que, por outro lado, a gente acompanha de perto, a Europa continua muito sólida nos seus compromissos. E a China vem investindo como nunca nas fazendas solares. Vai haver diálogo, vai haver conversa, é uma oportunidade para a gente efetivamente comunicar e dar espaço também para a sociedade falar. Tenho acompanhado muito de perto todo esse tema.

Qual o papel do setor privado nesse contexto?

O setor privado tem de municiar o governo com dados, estudos, práticas. A Tereos quer estar presente. Queremos comunicar tudo o que fazemos: plano de descarbonização, gestão de água, rastreabilidade, entre outros.

Quais os compromissos com metas de carbono já assumidos por vocês?

A Tereos é a única do setor com meta validada pelo SBTi. Até 2032/33, vamos reduzir 50% das emissões de escopos 1 e 2, 36% das de escopo 3 na agricultura, e ser net zero até 2050. Temos uma série de iniciativas: uso de biometano, biofertilizantes, etanol nos tratores, corredores verdes, entre outras.

E o agronegócio está preparado para participar da COP-30?

Participo de grupos do setor e vejo o agro mobilizado. O ex-ministro Roberto Rodrigues será um dos porta-vozes. O setor quer mostrar suas boas práticas e enfrentar os desafios com transparência.

Ainda existem críticas ao agro.

É preciso reconhecer que há arestas, sim. Mas temos muita coisa positiva. A restauração de áreas degradadas, o ganho de produtividade, o uso intensivo do solo com rotação de culturas — tudo isso é exemplo do que só o Brasil faz com essa escala. O copo está mais para meio cheio.

O Felipe executivo e o Felipe cidadão estão otimistas com a COP-30?

Sou entusiasta do agro. Já trabalhei no mercado financeiro, conheço outras realidades. E quanto mais comparo, mais vejo que o Brasil tem um agro inteligente, tecnológico, com muita coisa boa para mostrar. Estamos no caminho certo.

No caso específico da Tereos, onde a sustentabilidade está inserida?

A sustentabilidade está no core do nosso negócio. É parte da estratégia. A gente tem uma preocupação grande com o solo, com as práticas agrícolas e busca alternativas de energia limpa para ajudar a descarbonizar o planeta.

Como isso se manifesta na operação?

Nosso modelo é baseado em economia circular. Aproveitamos 99% da cana-de-açúcar. O caldo vira açúcar ou etanol. O bagaço vira energia elétrica. Os subprodutos, como vinhaça e torta, são usados como fertilizantes orgânicos. E agora estamos indo para a produção de biogás e biometano.

A decisão entre produzir açúcar ou etanol é tomada como hoje?

A indústria tem muito o poder de arbitragem neste caso. Temos flexibilidade para fazer de 50% a 70% açúcar e o resto etanol, dependendo da rentabilidade, da demanda e da base de ativos. Já a biomassa é um negócio à parte, que gera entre R$ 200 e R$ 300 milhões de receita anual, mas sem arbitragem — ela entra junto no processo.

A energia de biomassa é usada só internamente?

Todas as nossas usinas são autossuficientes e exportam cerca de dois terços da energia que produzem. Parte vai para o mercado via contratos de longo prazo e, agora, também para o mercado livre.

Qual o papel da cana na matriz energética brasileira?

A cana representa quase 20% da matriz renovável do Brasil, seja via etanol, que emite 80% menos que a gasolina, seja pela biomassa. Hoje conseguimos atender, com nossa energia, o equivalente à demanda da cidade de São José do Rio Preto, com cerca de 600 mil habitantes.

Vocês já estão se preparando para o SAF (combustível sustentável de aviação)?

Acompanhamos o tema há uns 3 a 5 anos. O etanol é uma das rotas possíveis para o SAF. A Tereos já tem certificação (CORCIA) para fornecer etanol rastreável. Estamos em negociação com players asiáticos e americanos.

A produção de SAF no Brasil já é relevante?

Ainda não, porque o custo mais competitivo hoje é o de óleo de cozinha e gordura animal. Mas há movimentações para produção com etanol, e o Brasil tem enorme potencial como hub de SAF.

Hoje, o etanol e o açúcar da Tereos são mais para exportação ou mercado interno?

Historicamente, atuávamos mais no mercado doméstico, como na Europa. Mas nos últimos anos migramos para a exportação. Hoje, 80% do nosso açúcar é exportado — principalmente para África e Ásia — graças também a uma parceria logística com a VLI, que usa trem e reduz emissões em 60% em relação ao caminhão.

As guerras comerciais e tarifas afetam esse fluxo?

No açúcar, não muito. O Brasil tem 50% do mercado global e é competitivo. No etanol, há mais incertezas, principalmente com o IRA (Inflation Reduction Act) nos EUA. Mas, mesmo com mudanças de governo, somos moderadamente otimistas quanto à manutenção dos fluxos e novas oportunidades. Talvez a gente até tire um ângulo positivo disso. Os Estados Unidos exportam bastante para o continente europeu, se houver uma quebra nesse fluxo, o Brasil pode se beneficiar. Tendo a ver um copo meio cheio para o Brasil, por toda a condição de ser o celeiro do mundo (Estadão)

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