Fernando Mattos, do Uruguai, e Muhammad Ibrahim, da Guiana, concorrem ao cargo de diretor-geral do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).
A corrida acirrada pelo comando do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) no quadriênio 2026-2030 divide a posição de países vizinhos da América do Sul com expressividade na produção agrícola. A disputa envolve perfis técnicos e articulações políticas intensas em meio a debates no órgão continental sobre multilateralismo, sustentabilidade e segurança alimentar.
Dois candidatos concorrem ao cargo de diretor-geral do instituto: Fernando Mattos, do Uruguai, e Muhammad Ibrahim, da Guiana. Laura Suazo, secretária de Agricultura e Pecuária de Honduras, retirou a candidatura na última segunda-feira (27/10). De caráter fundamentalmente técnico, o órgão vai eleger a diretoria na próxima terça-feira (4/11) durante a Conferência dos Ministros da Agricultura das Américas, em Brasília.
O Brasil ainda não oficializou sua posição, mas vai apoiar Mattos. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, apoia abertamente o uruguaio e quer eleger o candidato do Mercosul para dar mais protagonismo ao setor produtivo sul-americano e fortalecer o IICA politicamente, afirmam fontes próximas a ele. A intenção é dar uma base política ao órgão para posicionar a região de forma estratégica no debate global por produção e segurança alimentar.
Fontes a par da disputa dizem que Mattos representa a candidatura do Mercosul e que é “natural” o apoio do Brasil, apesar do estranhamento de alguns diplomatas que acompanham o assunto. Essas pessoas dizem que há risco de uma “derrota em casa”, já que a eleição será em Brasília. Consultado, Fávaro não respondeu. O Ministério da Agricultura disse apenas que o Conselho Agropecuário do Sul (CAS) decidiu em conjunto, durante reunião em fevereiro deste ano, o apoio ao ex-ministro uruguaio.
Mas não há consenso no bloco sul-americano. O Paraguai declarou oficialmente voto em Ibrahim. O país vizinho ao Brasil fez campanha ao guianense após um revés na eleição para secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em março, em que seu chanceler Rubén Ramírez Lezcano retirou a candidatura e viu Albert Ramdin, do Suriname, ser eleito com apoio de Brasil, Uruguai, Colômbia, Chile e Bolívia. Maris Llorens, maior empresária do agronegócio paraguaio, reforçou o apoio por um perfil técnico para a direção do IICA em artigo publicado recentemente.
O guianense Ibrahim é o favorito na disputa, pois já tem aprovação dos 14 países da Comunidade do Caribe (Caricom), do México e Paraguai, além de sinalizações de Equador e Peru. Para ser eleito, o candidato precisa obter 17 votos, a maioria dos 32 países votantes. O IICA é formado pelos membros da OEA, mas Nicarágua e Venezuela não votam.
O voto secreto, no entanto, pode reservar algum mistério e surpresa para a próxima semana. A Argentina também não declarou oficialmente seu voto, mas deve apoiar Mattos, disseram duas pessoas que acompanham as tratativas. Existe ainda a possibilidade de os argentinos acompanharem os Estados Unidos em um eventual suporte a Ibrahim, para não contrariar Washington nem se vincular ao Uruguai, hoje presidido por um partido de esquerda.
Na última quinta-feira (30/10), os EUA sinalizaram apoio a Ibrahim. O Foreign Agricultural Service (FAS), um braço do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), órgão responsável por promover as exportações agrícolas americanas e conectar a agricultura dos EUA ao mercado global, repostou uma mensagem de Ibrahim no X, antigo Twitter, e falou sobre a expectativa de ter o guianense à frente do IICA.
Fernando Mattos é ex-ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai. Engenheiro agrônomo formado no Rio Grande do Sul e com nacionalidade brasileira, faz parte da quinta geração de pecuaristas da família, liderou entidades rurais no país vizinho e tem bom trânsito no Brasil, com lideranças do setor, políticos e organizações tanto de esquerda quanto da direita. Ele foi indicado pelo governo passado, de centro-direita, e teve a candidatura mantida por Yamandú Orsi, atual presidente uruguaio de esquerda.
Mattos disse ao Valor que quer tornar o IICA mais acessível e moderno e menos burocrático e que sua candidatura é de equilíbrio entre a experiência técnica e política para “liderar uma organização multilateral em tempos geopoliticamente complexos”. Ele disse que quer quadruplicar a aplicação anual de recursos em projetos, para chegar a US$ 1 bilhão, e alcançar mais produtores por meio de tecnologia e extensão para preservar as comunidades rurais.
“Podemos mobilizar mais recursos para gerar mais impacto na ruralidade, para evitar o abandono da terra que é peculiar e de alta sensibilidade no hemisfério, pois influencia o processo migratório nas Américas”, afirmou.
Muhammad Ibrahim é engenheiro agrônomo pela Universidade de Guiana e doutor em Ciências Agrícolas e Ambientais, com 35 anos de experiência. Foi diretor-geral do Centro Agronômico Tropical de Pesquisa e Ensino (Catie), equivalente à Embrapa, na Costa Rica, e funcionário do IICA.
A reportagem tentou contato com o guianense, mas não teve retorno até o fechamento da matéria. Nas redes sociais, Ibrahim diz que já tem o apoio de 25 países para a eleição.
A candidatura de Ibrahim é vista como uma sucessão do argentino Manuel Otero, que está no comando do IICA desde 2018. As regras proíbem apoio formal e o atual presidente se diz neutro na disputa.
Com Ibrahim na direção, países da América Central e do Caribe pretendem manter acesso a recursos estratégicos em projetos de resiliência climática e de aumento da produção local. Em algumas regiões, apontou uma fonte, essa cooperação é “tema de vida ou morte”, pois não há abastecimento suficiente de proteína animal nem de itens mais básicos, como frutas, verduras e legumes.
Captação bilionária para projetos nas Américas
O Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) tem 83 anos de fundação, com sede em San Jose, na Costa Rica. O órgão desempenha papel fundamental no desenvolvimento agrícola do continente, em especial dos países mais pobres e que não são autossuficientes na produção de alimentos.
Por meio de projetos contratados com os governos nacionais, o IICA atua em temas como tecnologia e inovação para a agricultura, sanidade agropecuária e inocuidade dos alimentos, comércio agropecuário internacional, agricultura familiar, gestão dos recursos naturais e bioeconomia.
Formado pelos 34 membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), o IICA tem um orçamento anual de US$ 33 milhões, fruto da contribuição financeira dos membros e outros rendimentos. O órgão tem cerca de 500 funcionários e representações em 32 países do continente americano.
A carteira de projetos atualmente é de US$ 1 bilhão, dos quais são executados US$ 250 milhões por ano. Em 2025, a captação de recursos para os projetos deve bater recorde de US$ 400 milhões.
Uma fonte com conhecimento técnico do assunto disse que o IICA nunca teve tanta “influência, prestígio e recurso financeiro” para respaldar seu serviço técnico, o que tornou a disputa deste ano pela presidência ainda mais acirrada. Segundo ela, o que tem permitido ao órgão crescer em relevância em momento de crise do sistema multilateral é ser um organismo de “nicho” e predominantemente técnico.
“É uma instituição complexa e exige conhecimento de cooperação técnica internacional, o que não é simples nem tem ligação com política”, apontou (Globo Rural)
											



