Por Paulo Hartung e Octaciano Neto
Apesar de ser um dos exemplos do Brasil que deu certo, a agricultura brasileira sofre com mazelas das quais ainda não conseguimos nos desvencilhar
No Brasil, “em se plantando, tudo dá”. A afirmativa, inspirada na carta de Pero Vaz de Caminha, tornou-se uma verdade nacional. Com muito trabalho, investimentos e ciência, nossos dons naturais foram a base da nossa transformação numa das maiores potências agroambientais do planeta. Mas como mostra essa trajetória, não podemos “dormir em berço esplêndido”. E o que não falta são alertas sobre desafios que precisamos superar para continuar a fazer do Brasil um país de produção farta e competitiva.
O agro moderno tem sido decisivo para a economia. No saldo da balança comercial, entre 2010 e 2023, a agropecuária contribuiu com US$ 1,265 trilhão. Em vez de importadores de alimentos, como nos anos 70, viramos peça-chave como fornecedores de alimentos ao mundo.
Para 2025, o setor segue como uma das apostas do país no enfrentamento das turbulências da macroeconomia, como alta inflação, déficit fiscal, dívida pública crescente e câmbio muito volátil. Mesmo diante desse panorama problemático, o Broadcast Agro aponta aumento de até 6% no PIB setorial neste ano.
Como ensina Sun Tzu, “as oportunidades se multiplicam à medida que são agarradas”. O crescimento contínuo da população global aumentará a demanda por alimentos, fibras e energia limpa. Ao mesmo tempo, os rumos da geopolítica estimulam grandes mercados a buscarem países-fornecedores que sejam confiáveis, e não estejam em conflito.
Ainda temos potencial para aproveitar de modo sustentável essa janela, sem necessidade de desmatar áreas nativas. Hoje, o País possui mais de 100 milhões de hectares de terras antropizadas com algum nível de degradação, sendo a maior parte passível de conversão para produção.
Com vistas a essa trajetória, é imprescindível ultrapassar uma série de fragilidades. O desafio da infraestrutura é prioritário. O déficit de armazenagem no Brasil é enorme, superando 100 milhões de toneladas. Para além disso, é fundamental investirmos em ferrovias, rodovias, portos e aeroportos para que possamos escoar a produção. Também precisamos impulsionar a conectividade no campo, fator decisivo nos dias em que internet das coisas e a inteligência artificial tornam o trabalho rural ainda mais produtivo.
O Censo Agropecuário, consolidado pela Esalq/USP, aponta que apenas 8% dos estabelecimentos agropecuários são responsáveis por 82% da produção. Em outras palavras, mais de 4,6 milhões de propriedades rurais estão fora do jogo, ainda à margem do processo de modernização. Essa outra realidade demonstra o tamanho das oportunidades que podem ser mais bem aproveitadas.
Também é importante destacar o dilema vivido pela pesquisa agropecuária, pilar de boa parte dos avanços que revolucionaram a agricultura tropical brasileira. Atualmente, a Embrapa investe 10% de seu orçamento em pesquisa e desenvolvimento, destinando o restante ao pagamento dos servidores. Isto fica muito aquém do que deveria ser praticado.
Em 2024, o valor destinado pela Embrapa ao custeio de pesquisas, desenvolvimento e transferência de tecnologias para a agropecuária foi de R$ 176,5 milhões. Para efeitos comparativos, fundos de venture capital e outros veículos investiram, desde 2018, US$ 7,3 bilhões em startups de tecnologia agroalimentar na América Latina, sendo 50% no Brasil, segundo o Latin America AgriFoodTech Investment Report 2023.
Acelerar os mecanismos de financiamento privado é muito importante. Somente o mercado de capitais já aporta R$ 200 bilhões em financiamento ao nosso agronegócio. Há 10 anos, era menos de 10% deste montante.
Diante de tamanhos desafios, temos de desenhar a estratégia a ser seguida. É fundamental saber quando e como vamos atingir nossos objetivos para que as metas não fiquem somente no papel. Na COP-29, no Azerbaijão, o Brasil apresentou sua intenção de recuperar 40 milhões de hectares de pastagens degradadas, o que demandará R$ 60 bilhões. No entanto, não ficou clara a maneira como isso será feito.
Apesar de ser um dos exemplos do Brasil que deu certo, a agricultura brasileira sofre com mazelas das quais ainda não conseguimos nos desvencilhar, como falta de infraestrutura, insegurança jurídica, baixos investimentos em ciência e tecnologia, entre outras fragilidades que precisamos endereçar de maneira prioritária.
Neste caminho, também é imperativo fazermos o dever de casa na área ambiental. Não podemos mais tolerar desmatamento, garimpo, grilagem, queimadas, entre outras ilegalidades que destroem a natureza e detonam nossa imagem internacional.
Essa agenda de gargalos e dificuldades exige organização e ações coordenadas. Somente assim, o Brasil chegará à altura de seu potencial. Embora os movimentos do novo governo norte-americano avancem na contramão de uma agenda climática, a descarbonização da economia, além de indispensável, abre uma avenida para que o Brasil reafirme seu protagonismo agroambiental.
Aliás, trata-se de oportunidade histórica que não podemos, mais uma vez, deixar escapar. Até porque, nossa terra “em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo”, conforme vaticinou Caminha (Paulo Hartung é economista, presidente da Ibá, membro do conselho consultivo do RenovaBR, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018; Octaciano Neto, produtor rural, ex-secretário de Agricultura do Espírito Santo (2015-2018), ex-presidente do conselho de secretários de Agricultura do Brasil (2015-2018) e cofundador da Avra.AG; Estadão)