Crise climática afeta logística, e empresas relatam prejuízo milionário

Seca na região amazônica e rastro das enchentes no Rio Grande do Sul atrapalham operações, e setores miram alternativas.

Empresas dos setores de transportes relatam prejuízos financeiros e operacionais depois que secas e enchentes afetaram as atividades em portos e aeroportos. Agora, companhias buscam alternativas para atenuar os efeitos dos eventos climáticos extremos registrados nos últimos meses.

O setor portuário, por exemplo, tenta achar caminhos para lidar com a seca na região amazônica, que impede a passagem de algumas embarcações, e com os impactos das enchentes no Rio Grande do Sul, que causaram assoreamento de canais.

Na esteira da estiagem na bacia do rio Amazonas e do rio Negro, a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) autorizou a companhia Mercosul Line, do ramo de cabotagem (transporte entre portos de um mesmo país), a contratar uma embarcação de empresa estrangeira para operá-la por até 150 dias.

Na decisão, assinada no fim de agosto, o diretor Wilson Pereira de Lima Filho disse que a medida permite à empresa afretar “embarcações adequadas às condições de navegabilidade impostas pela seca”, que forçou a redução de calado (profundidade). Também neste ano, aval semelhante foi concedido à Log-In Logística Integrada, outra companhia do segmento.

O afretamento de embarcação estrangeira por tempo para operar na navegação interior (como em rios e lagos) de percurso nacional ou no transporte de mercadorias por cabotagem é previsto em lei, somente, para algumas exceções, como indisponibilidade de embarcação de bandeira brasileira do tipo e porte adequados. O contrato depende da autorização do órgão regulador.

À Folha, o diretor-geral da Antaq, Eduardo Nery, diz que a agência avalia regular o tema. “Pode ser uma regulação para tornar [a medida] perene, já que vem acontecendo com recorrência.” Também houve autorização para o afretamento de cabotagem emergencial no ano passado.

No período da seca em 2023, que perdurou de setembro a dezembro, a região hidrográfica do rio Amazonas transportou 4,93 milhões de toneladas de carga, queda de 18,44% se comparado ao mesmo período do ano anterior. O setor espera outro período forte de estiagem desta vez.

Na outra ponta do país, a autoridade portuária que gere os principais terminais do Rio Grande do Sul, a PortosRS, estima um impacto milionário depois das enchentes que atingiram o estado neste ano.

Segundo a empresa pública, os portos de Rio Grande e Pelotas sofrem com o assoreamento dos canais de navegação por causa do depósito de sedimentos. Não houve danos à infraestrutura física e terrestre desses terminais, de acordo com a PortosRS.

O caso é mais grave para o cais público de Porto Alegre, que voltou a funcionar de forma parcial em 1º de julho, após ter suas atividades suspensas por cerca de dois meses. Neste período, os impactos relacionados à falta de arrecadação chegaram a R$ 2 milhões, segundo a autoridade portuária.

No entanto, a estimativa é de que os custos totais para o restabelecimento do sistema na capital gaúcha cheguem ou até ultrapassem a casa dos R$ 850 milhões. Nesse cálculo, estão incluídas atividades de limpeza, manutenções nas balanças, energia elétrica, consertos em sinalização náutica e dragagem de todos os canais de navegação, entre outras despesas.

Leandro Barreto, sócio da consultoria Solve Shipping, diz que, em 20 anos trabalhando no setor, nunca tinha visto eventos tão extremos acontecerem. Ele cita a seca no Norte, as enchentes no Rio Grande do Sul e até uma ventania forte em Santos que rompeu os cabos de um navio em janeiro deste ano.

“Não dá para ter certeza que tudo isso está na conta das mudanças climáticas, mas dá para afirmar que são todos eventos climáticos extraordinários que não foram vistos, comumente, nos últimos vinte anos”, afirma.

Na visão de Mario Veraldo, CEO da empresa de logística MTM Logix, as companhias de todo o mundo têm de começar a incluir o risco climático em seus modelos preditivos e adequar o inventário à nova realidade.

“Hoje a grande maioria das empresas não está nem pensando nisso. A economia segue crescendo, mas o risco climático está encarecendo a cadeia de suprimentos, o que tem a ver com a falta de planejamento”, diz.

Na divulgação a investidores do resultado do segundo trimestre deste ano, as principais empresas aéreas do país relataram um rombo milionário por causa da interrupção de operações no Rio Grande do Sul.

A Latam, por exemplo, diz que a suspensão das atividades no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, causou um impacto negativo no lucro operacional do segundo trimestre de aproximadamente US$ 25 milhões.

A Gol, por sua vez, estima que as enchentes no estado reduziram em R$ 100 milhões o resultado operacional do trimestre. Embora a empresa tenha projetado queda de R$ 120 milhões nas receitas por causa da tragédia climática, o prejuízo foi atenuado por uma diminuição de R$ 20 milhões nos custos operacionais devido ao menor número de voos operados.

No caso da Azul, o prejuízo chegou a pelo menos R$ 200 milhões. Segundo relatou a companhia na apresentação dos resultados, o Rio Grande do Sul representa 10% da capacidade da empresa (Folha)

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