Crédito rural financiou R$ 29,7 bilhões a produtores em situação irregular

  • Governo não responde à reportagem, mas afirma à corte de contas ter apertado fiscalização neste ano
  • Indícios de irregularidades foram encontrados em 155 mil operações de crédito entre 2021 e 2024

Uma auditoria realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) sobre operações de crédito rural realizadas entre 2021 e 2024 indica um quadro generalizado de fragilidades nas fiscalizações e ofertas desses empréstimos, resultando em um total de R$ 29,7 bilhões repassados a transações com fortes indícios de irregularidades.

A Folha teve acesso ao relatório preliminar de uma auditoria realizada pela área técnica da corte.

O crédito rural é uma política pública baseada na oferta de empréstimos a produtores agropecuários com juros subsidiados pela União. O agricultor pode acessar empréstimos em condições mais vantajosas do que as de mercado, porque parte do custo é assumida pelo governo. O objetivo é estimular a produção e apoiar o desenvolvimento do setor.

A auditoria do TCU concentrou boa parte de sua análise no crédito rural ofertado por instituições como Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Caixa Econômica Federal, pelo fato de serem os principais agentes financeiros no setor. O Banco do Brasil, por exemplo, é historicamente o maior operador do crédito rural no país.

Segundo a auditoria, o Banco Central registrou quase 2 milhões de contratos de crédito rural entre 2021 e 2024, os quais movimentaram cerca de R$ 356 bilhões. O TCU se concentrou nos financiamentos feitos com recursos públicos subsidiados, que representaram 72% do total de contratos (aproximadamente 1,4 milhão) e 34% do valor movimentado (cerca de R$ 121 bilhões).

A análise foi feita a partir do cruzamento de dados do Sicor (Sistema de Operações do Crédito Rural), mantido pelo Banco Central, com cadastros ambientais, trabalhistas e fundiários.

Dentro desse universo auditado, a corte identificou cerca de 155 mil operações com indícios de irregularidades, que somam R$ 29,7 bilhões. Isso significa que um em cada nove contratos analisados apresentou algum tipo de problema. Sob o ângulo do valor total dos empréstimos, R$ 1 em cada R$ 4 subsidiados está associado a algum tipo de falha.

A filtragem por tipo de problema identificado permitiu fazer um diagnóstico sobre cada ocorrência. A maior parte do valor dos empréstimos está concentrada em pedidos que envolviam florestas públicas não destinadas, o que é ilegal. Nesse caso, foram encontrados 14,7 mil empréstimos, que somam R$ 16,7 bilhões.

O levantamento achou outras 18 mil operações ligadas a imóveis com CAR (Cadastro Ambiental Rural) suspenso ou cancelado, somando R$ 7,56 bilhões de repasses. Até mesmo empregadores incluídos na lista suja do trabalho escravo foram contemplados em 112 operações, no montante de R$ 56,7 milhões.

Territórios sobrepostos a unidades de conservação ambiental, onde não se pode produzir, somaram mais de 108 mil operações, equivalentes a R$ 2,33 bilhões. Outras 12,9 mil operações estavam ligadas a áreas embargadas por desmatamento ilegal, com financiamento de R$ 4 bilhões no período. O balanço traz, ainda, 1.935 operações em terras indígenas (R$ 290 milhões para financiamento), e 2.623 em territórios quilombolas (R$ 18,4 milhões). Em alguns casos, há sobreposição de irregularidades.

O diagnóstico se baseou em informações de órgãos como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Ministério do Trabalho e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Diante dos resultados, o TCU determinou ao Banco Central que corrija as operações irregulares ainda vigentes e que aprimore o cruzamento automatizado de dados, para aplicar sanções a instituições financeiras que não respeitarem as normas socioambientais.

O Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) informou à corte que tomou medidas a respeito do assunto, como a criação de uma infraestrutura de monitoramento dentro do Programa Agro Brasil + Sustentável. Trata-se de um sistema que usa imagens de satélite para fazer o cruzamento automático de dados com bases como CAR, Incra, Funai, ICMBio, IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), MMA (Ministério do Meio Ambiente) e Ministério do Trabalho.

A expectativa é que, já no Plano Safra 2025/2026, a utilização desse sistema se torne obrigatória para a concessão de crédito rural com recursos da União.

No crédito rural subsidiado, o governo define uma taxa de juros controlada, que é sempre mais baixa do que a praticada pelo mercado de crédito livre. A diferença entre a taxa de mercado e a controlada é o custo do subsídio que a União banca com recursos do Tesouro Nacional. No Plano Safra 2023/2024, por exemplo, linhas de crédito controladas ficaram em torno de 6% a 10,5% ao ano, enquanto no mercado livre os financiamentos chegavam a 18%.

Procurado pela reportagem, o Mapa não se manifestou sobre o assunto. O Banco Central declarou que a auditoria preliminar ainda “não corresponde ao entendimento final do TCU sobre o caso” e que o processo ainda será apreciado pelo plenário da corte. “Durante todo o período de tramitação, o Banco Central se mantém aberto ao diálogo e pronto a prestar todos os esclarecimentos solicitados pelo TCU”, afirmou.

O Banco do Brasil declarou que “já toma medidas proativas e voluntárias que observam todas as legislações e regulamentações sobre o tema, inclusive atuando com ações para além do que a lei exige, atuando na vanguarda da sustentabilidade bancária”.

“As operações de crédito contam com cláusulas que permitem a decretação do vencimento antecipado e a suspensão imediata dos desembolsos em caso de ocorrência de infringências socioambientais”, afirmou.

O Banco da Amazônia afirmou que realiza análise socioambiental em todas as concessões de crédito rural, tendo como referência as informações do CAR e observando a regulamentação do crédito rural.

“Caso surjam apontamentos de irregularidades posteriores à contratação, as operações são desclassificadas, em conformidade com as cláusulas contratuais e com a legislação aplicável”, afirmou a instituição.

Em nota, a Caixa informou que submete toda atuação de crédito do banco às diretrizes da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática da instituição.

Essa política, de acordo com o comunicado, define que ‘os negócios, processos, atividades e relacionamentos do banco devem incorporar a responsabilidade social, ambiental e climática, de modo a assegurar a atuação do banco priorizando o desenvolvimento sustentável”.

“Para setores cujas atividades são passíveis de licenciamento ambiental reguladas pela União, Estados ou Municípios, a Caixa possui regras específicas que são condicionantes para o relacionamento, como comprovação da regularidade ambiental e observância à legislação pertinente ao setor.”

Para a concessão de crédito rural, afirma ainda a Caixa, é verificada a conformidade socioambiental dos imóveis rurais beneficiados com financiamento ou oferecidos em garantia (Folha)

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