Segmento de restauração ecológica, em que áreas de floresta degradadas recebem mudas de plantas nativas e são completamente restauradas, cresce enquanto o de redução de emissões por desmatamento enfrenta crise.
Em meio à crise de credibilidade que o setor de crédito de carbono enfrenta há mais de dois anos, projetos de restauração ecológica têm avançado no País com maior agilidade quando comparado aos de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD+).
No segmento de restauração ecológica, áreas de floresta degradadas recebem mudas de plantas nativas e são completamente restauradas. Nesse caso, um crédito de carbono corresponde a uma tonelada de gás carbônico que é retirada da atmosfera pelas árvores que foram plantadas.
“O que vimos nos últimos dois anos é uma atenção maior aos projetos de restauração. Muitas empresas estão optando por eles por entender que eles são mais palpáveis. Os créditos gerados por eles são considerados de maior qualidade. E o Brasil é muito competitivo nessa área”, diz Plinio Ribeiro, CEO da desenvolvedora de projetos de carbono Biofílica.
Enquanto o segmento de restauração ecológica dá incentivo para que florestas sejam recriadas, o de REDD+ dá aos proprietários de terra um estímulo para manterem a vegetação em pé. Nesse modelo, é calculado o porcentual médio de desmatamento na região da propriedade que comercializa os créditos. No ano seguinte, verifica-se quanto foi devastado. Se o dono da terra conseguiu manter mais mata do que se calculava que seria destruída, essa diferença é convertida em créditos de carbono, que podem ser revendidos a empresas interessadas em compensar suas emissões.
Esse segmento vem sendo visto com descrédito por investidores desde que o jornal inglês The Guardian, a revista alemã Die Zeit e a organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos SourceMaterial publicaram, em janeiro de 2023, uma reportagem que mostrava que parte dos créditos de carbono reconhecidos pela certificadora Verra não compensavam emissões como deveriam. A matéria se baseava em dois estudos que mostravam que, de 29 projetos aprovados pela Verra, apenas oito apresentavam evidências de redução significativa de desmatamento.
O escândalo envolvendo a Verra, a principal certificadora de créditos de carbono do mundo, desestabilizou o setor e derrubou os preços. “Teve uma paralisação no mercado por dois anos. Agora, estamos vendo uma retomada. Mas ela é mais forte em restauração do que conservação”, diz Munir Soares, CEO da Systemica, desenvolvedora de projetos de carbono.
Nesta semana, o Estadão mostra como projetos de “economia verde” estão avançando no País. Confira, a seguir, como está o desenvolvimento de projetos de crédito de carbono:
re.green
Desenvolvedora de projetos de crédito de carbono que recebeu investimentos do BW (da família Moreira Salles), da Gávea Investimentos (do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga) e com participação de Fábio Barbosa (CEO da Natura), entre outros, a re.green avança no ritmo esperado, segundo a diretora de relações institucionais da empresa, Mariana Barbosa.
A companhia, que restaura áreas degradadas de florestas para gerar e vender créditos de carbono, tinha cinco fazendas até o fim de 2023, sendo duas em fase de operação. Hoje, são seis propriedades – cinco já foram restauradas. Isso significa que quatro milhões de mudas foram plantadas e, agora, é preciso esperar elas crescerem para capturarem carbono da atmosfera.
Há dois meses, a re.green conseguiu validar com a certificadora de crédito de carbono Verra seu primeiro projeto. O aval veio após a empresa ter sido informada pela Verra, em março do ano passado, que esse projeto tinha cinco aspectos que impediam a certificação.
“É comum que as certificadoras peçam complementação de documentação. Isso não atrasou o desenvolvimento de nossos projetos”, diz Barbosa.
A empresa agora avança com outro modelo de negócios, em que faz parcerias com donos de fazendas, e não mais compra os imóveis rurais. A primeira fazenda em que esse modelo será desenvolvido é no Mato Grosso.
Systemica
Desenvolvedora de projetos de carbono que tem o banco BTG como sócio, a Systemica tem quatro projetos em fase de implementação e está iniciando o desenvolvimento do quinto. Todos os projetos são do tipo REDD+ e um deles já está gerando créditos pela segunda vez.
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O CEO da empresa, Munir Soares, afirma que o segmento de REDD+ passou por uma fase difícil nos últimos dois anos, com processos de certificação atrasados em todo o mundo. “O quadro foi mais severo até 2024″, diz ele.
Com a regulamentação do mercado doméstico de carbono no País no ano passado, a aprovação do mercado internacional de créditos também em 2024 e com o avanço da Verra na elaboração de uma nova metodologia, a expectativa é que haja uma retomada no setor neste ano, de acordo com o executivo.
A Systemica também está iniciando um projeto de restauração ecológica, em resposta ao aumento de demanda no segmento.
Biofílica
A Biofílica Ambipar tem hoje 15 projetos de REDD+ e seis de restauração ecológica. Desses seis, mais da metade começou a ser desenvolvida nos últimos 18 meses, período em que o segmento de REDD+ enfrentava a crise de credibilidade.
Segundo o CEO da empresa, Plinio Ribeiro, a demanda por créditos de REDD estancou em 2023, o que fez com que o desenvolvimento de novos projetos ficasse mais lento. No ano passado, uma parte dos compradores voltou a adquirir créditos, mas com processos de diligência mais rigorosos e um custo de transação mais elevado.
Ribeiro lembra que o setor praticamente não cresce desde 2022. Apesar de a crise não ter ficado completamente para trás, há uma sensação de “amanhecer” no mercado, diz ele. Ainda assim, a Biofílica tem sido mais cautelosa ao selecionar novos projetos REDD+.
“Estamos focando no que já temos dentro de casa.”
Além da falta de credibilidade no setor, o financiamento para novos projetos e desafios fundiários são desafios para o mercado crescer, diz o executivo.
Carbonext
Com um total de 11 projetos REDD+, a Carbonext tem um deles em fase de geração de crédito. Os outros estão em fase de desenvolvimento ou aguardando a certificação.
A CEO da empresa, Janaina Dallan, no entanto, afirma que a certificadora, a Verra, vem atrasando esse processo. De acordo com ela, enquanto as certificações não saem e os créditos não podem ser vendidos, a Carbonext precisa arcar com os custos de compromissos assumidos com os proprietários das terras onde os projetos são desenvolvidos.
“Estamos colocando recursos do bolso sem ter previsibilidade. Por exemplo, precisamos fazer treinamento de brigada de incêndio. Teve muito incêndio no ano passado, e não pode ter. Tivemos de bancar sem saber quando poderemos vender os créditos.”
Dallan diz que os projetos deveriam ter sido aprovados em 12 meses. A Carbonext, porém, tem um projeto chamado Ybyrá que está atrasado em 37 meses e outro, o Caapii, em 55 meses.
Procurada, a Verra afirmou que sua prioridade é realizar análises de projetos “completas e detalhadas”. “Isso é especialmente crítico no Brasil, onde muitos projetos REDD envolvem atividades de desmatamento evitado não planejado e desmatamento evitado planejado, o que adiciona camadas de complexidade aos nossos processos de revisão. Dedicamos o tempo necessário para garantir que cada projeto atenda aos mais altos padrões de integridade, pois acertar isso é fundamental para a ação climática e para as comunidades locais.” (Estadão)