Editorial O Estado de S.Paulo
Dificuldades nas negociações preparatórias realizadas em Bonn, na Alemanha, e os pontos ainda abertos em torno do financiamento climático mostram que não haverá vida fácil até Belém.
“As coisas andaram”, disse a CEO da COP-30, a brasileira Ana Toni, ao fazer um balanço das negociações realizadas em Bonn, na Alemanha – uma espécie de evento técnico preparatório para a 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que ocorrerá em novembro, em Belém. Essa escala inicial, realizada na cidade onde fica a sede da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a UNFCCC, serve, ou pelo menos deveria servir, para negociar, ajustar e aperfeiçoar textos a serem enviados para mais debates ou para decisão final da COP.
É, portanto, um bom prenúncio do que virá e, mais do que isso, o que exigirá de esforço entre os países participantes e a presidência da conferência até chegar a Belém. E o que se viu em Bonn deixa muito claro: não haverá vida fácil até novembro, uma previsão que, se não chega a ser sombria, pelo menos se mostra muito distante do prognóstico triunfalista que o presidente Lula da Silva tenta dar à COP-30.
Reconhecendo o contexto internacional adverso, os negociadores brasileiros destacaram o avanço registrado em Bonn das discussões em temas que a presidência do Brasil na COP-30 considera prioridade, como adaptação climática, a chamada transição justa (que prevê que esse processo seja feito de forma que os países pobres não sejam prejudicados) e o fim dos combustíveis fósseis.
O nó górdio ainda a ser desatado, no entanto, tem nome certo: financiamento. Mesmo fora das prioridades de Bonn, as negociações sobre o financiamento climático estiveram presentes em agendas paralelas, o que tornou possível a apresentação da proposta do chamado “Roteiro de Baku a Belém”, itinerário com o qual o Brasil trabalha para viabilizar US$ 1,3 trilhão em fluxos financeiros globais.
“Há frustração com a falta de clareza sobre os próximos passos”, resumiu a rede Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action (Laclima), formada por advogados que participaram das negociações, sobre o processo em torno do tema do financiamento e os desdobramentos do Roteiro de Baku a Belém.
Na COP-29, realizada em Baku, no Azerbaijão, um intenso – e tenso – processo de negociação terminou com um acordo de apenas US$ 300 bilhões a serem financiados pelos países desenvolvidos para promover soluções climáticas nos países pobres. Trata-se de um valor, portanto, muito aquém do patamar considerado necessário para viabilizar ações de mitigação, adaptação e compensações por perdas e danos.
Presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa do Lago costuma dizer que teremos em Belém a “COP da implementação”. Mas sem financiamento climático não há ambição, muito menos implementação. E é aí que mora o perigo, o ponto de alerta que separa o oba-oba exibido por autoridades, entre elas o presidente Lula da Silva e o governador do Pará, Helder Barbalho, e o necessário realismo que as negociações e os desafios climáticos exigem. Lula, como se sabe, quer ser visto como o salvador do planeta.
O governo do Pará, anfitrião do encontro, não hesita em tentar usar a COP como meio de propaganda da região – e não deixa de ser. Mas nem Belém sediará uma versão festiva e ambientalista de uma Copa do Mundo, nem eventuais avanços serão fruto da liderança de Lula.
A timidez da COP-29 deixou sobre Belém tarefas gigantescas a cumprir. Uma delas é resgatar a credibilidade das negociações climáticas, em parte desmoralizadas pela implementação lenta da UNFCCC e do Acordo de Paris. Outra é resolver o que a anterior não foi capaz, o que inclui aperfeiçoar os mecanismos de financiamento climático, dar um passo adiante para os indicadores que nortearão os planos nacionais de adaptação à mudança do clima e, claro, discutir se as metas, em seu conjunto, são compatíveis com o objetivo de conter o aquecimento global. São desafios nada triviais que, como tal, desabonam triunfalismos antecipados e exigirão até lá uma complexa combinação entre realismo e ambição. Desse equilíbrio pode resultar o sucesso ou o fracasso da COP no Brasil (Estadão)