Colheita de cacau fracassa e abala a indústria de chocolate

Com queda na produção na África, preços sobem e abrem espaço para especulação

Uma colheita fracassada, seguida por uma onda de especulação financeira, colocou os preços do cacau em uma montanha-russa este ano, abalando uma indústria dependente de colheitas e mão de obra baratas.

Isso não é o normal no mercado de cacau. Durante grande parte da última década, o preço do cacau em um dos principais benchmarks globais ficou em torno de US$ 2.500 por tonelada. No ano passado, após colheitas ruins na África Ocidental, o preço começou a subir —chegando a US$ 4.200 por tonelada em dezembro, um limite que não era ultrapassado desde a década de 1970.

Então, os especuladores financeiros começaram a entrar em cena – apostando que os preços subiriam ainda mais. Eles elevaram o preço acima de US$ 6.000 por tonelada em fevereiro, US$ 9.000 por tonelada em março e US$ 11 mil por tonelada em meados de abril. Desde então, o preço oscilou bastante, caindo quase 30% em apenas duas semanas antes de subir novamente. Na quinta-feira, o preço estava em US$ 8.699 por tonelada.

Grandes empresas de alimentos têm aumentado os preços e alertando que terão que continuar fazendo isso se o cacau não se estabilizar. Empresas que usam mais cacau puro —em vez de óleo de palma e outros ingredientes que entram em muitas barras de chocolate— serão mais afetadas, embora alguns fabricantes de chocolate premium observem que sempre pagaram preços muito mais altos para compensar os agricultores de forma justa.

O QUE ACONTECEU COM A COLHEITA DE CACAU?

Uma combinação de baixo volume de chuvas, doenças nas plantas e árvores envelhecidas levou a uma colheita decepcionante na Costa do Marfim e em Gana em 2023. Os dois países produzem cerca de dois terços do cacau mundial, então a escassez afetou fortemente o mercado global. A Organização Internacional do Cacau recentemente previu que a produção global ficará aquém da demanda em 374 mil toneladas nesta temporada, que termina em setembro, após uma escassez de 74 mil toneladas no ano passado.

Não há uma solução rápida para isso. As árvores de cacau levam anos para produzir frutos, dando aos agricultores pouco incentivo para plantar mais, já que não sabem qual será o preço da colheita quando derem frutos. Com isso, alguns podem preferir usar as terras para a produção de borracha ou minerar ouro.

Mas enquanto a escassez de produção sustentou os ganhos iniciais de preço, a especulação de investidores como fundos de hedge levou as coisas a outro nível.

“Sim, há fundamentos que desencadeiam o movimento, mas então essas considerações financeiras se somam e complicam a situação”, diz Judy Ganes, consultora de commodities. “É impulsionado pelo dinheiro.”

COMO O PREÇO GLOBAL DO CACAU É DEFINIDO?

Como qualquer matéria-prima, o cacau tem muitos preços diferentes. Na Costa do Marfim e em Gana, o governo estabelece uma taxa sazonal que os agricultores de cacau recebem, na tentativa de protegê-los da volatilidade dos preços globais. Após os preços de mercado dispararem em abril, o ministério da agricultura da Costa do Marfim concordou em aumentar essa taxa pelo restante da temporada – mas ainda é muito menos do que o aumento nos mercados globais de commodities.

Em outros países, os agricultores recebem os preços de mercado. Porém, os grandes compradores, como a Hershey e a Mondelez, e os comerciantes de commodities compram e vendem cacau em bolsas globais, onde comercializam grãos físicos, bem como contratos de futuros que podem exigir que recebam grãos numa data futura. É nas bolsas globais que os preços se desconectaram da realidade nas fazendas.

O benchmark global para o cacau é um contrato futuro negociado na Intercontinental Exchange —e um comprador desse contrato está concordando com um preço por uma tonelada de grãos de cacau a ser entregue a um dos vários portos no leste dos Estados Unidos.

PREÇO DE ATACADO DO CACAU ENTREGUE NOS PORTOS DOS EUA

Um grande fator por trás do aumento de preços este ano é que esses contratos futuros são liquidados com a entrega física do cacau —o que significa que os traders que estão vendendo os contratos precisam manter grandes reservas de grãos de cacau em mãos. Isso pode resultar em uma espiral ascendente, já que os traders são obrigados a comprar mais cacau para repor seus estoques.

O volume de negociação também pode afetar como o preço muda.

Em janeiro, o número de contratos ativos de cacau aumentou 30% em relação ao ano anterior, como mostram os dados da Commodities Futures Trading Commission, agência do governo americano que regula os mercados futuros e de opções. Mas esse volume de negociação caiu acentuadamente a partir de abril – quando os preços atingiram o pico – e o menor número de negociações resultou em grandes oscilações de preços nas últimas duas semanas.

Embora os preços tenham caído de seu ponto mais alto, é provável que permaneçam elevados por um tempo, disse Paul Joules, analista do banco Rabobank, “por causa dos problemas sistêmicos que vão levar um tempo para serem resolvidos.”

Carla Martin, professora de Harvard que estuda a indústria de cacau, afirma que o mercado mais amplo poderia parecer mais eficiente se os agricultores tivessem mais poder de definição de preços com base em sua oferta.

“Há realmente muito dinheiro no cacau, está apenas sendo capturado em nós muito específicos da cadeia de suprimentos. O mercado em si não resolve realmente esse tipo de problemas, os problemas são resolvidos pelas pessoas.”

O QUE ISSO SIGNIFICA PARA AS BARRAS DE CHOCOLATE?

Os preços do chocolate estão em sua maioria subindo. Quando a Hershey e a Mondelez, que detém marcas como Cadbury e Toblerone, divulgaram seus lucros recentemente, as oscilações de preço foram um grande tópico de conversa.

A Mondelez disse que aumentou seus preços cerca de 6% nos primeiros três meses do ano, e a Hershey cerca de 5%, e ambas disseram que estariam dispostas a aumentar os preços ainda mais se o custo do cacau permanecesse alto. Ambas as empresas disseram que seus lucros aumentaram em percentagens de dois dígitos em relação ao ano anterior, já que os consumidores continuam comprando seus produtos apesar dos preços em alta.

Luca Zaramella, diretor financeiro da Mondelez, disse aos analistas em 30 de abril que o mercado estava “reagindo exageradamente” e que muito provavelmente se corrigiria na segunda metade do ano.

Ainda assim, ele afirma que “é absolutamente crítico para nós nos prepararmos para o cacau potencialmente permanecer nesses níveis.” Zaramella explica que a Mondelez poderia proteger seus lucros tentando garantir grandes pedidos de cacau durante as baixas do mercado ou reduzindo os custos de outros insumos, como ingredientes.

Alguns fabricantes de chocolate “do grão à barra”, que sempre pagaram um prêmio pelo cacau que obtêm de pequenos agricultores, dizem estar tendo uma experiência diferente.

“O preço do cacau premium nunca mudou”, disse Dan Maloney, que administra a Sol Cacao, um negócio de chocolate no Bronx, em Nova York, com seus dois irmãos. “É quase como se o preço a granel tivesse alcançado o preço premium, mas nós sempre estávamos pagando premium.”

Maloney afirma que já estava pagando de US$9.000 a US$12 mil por tonelada de cacau premium, que ele obtém de agricultores ao redor do mundo, principalmente na América Latina e na África. A Sol Cacao cobra oito dólares por uma barra, enquanto uma barra de quatro pedaços da Hershey custa cerca de dois dólares.

O administrador da Sol Cacao afirma que cobrava esses preços para garantir a qualidade do produto e o tratamento ético dos agricultores na indústria, que tem um histórico de exploração de crianças e pessoas escravizadas para o trabalho.

“Eles comercializam o chocolate como doce. Nós o comercializamos mais como um luxo, algo para saborear, como uma garrafa de vinho”, diz Maloney sobre os grandes fabricantes

Alguns agricultores de cacau veem compradores como Maloney como aliados que os protegem dos caprichos dos mercados financeiros.

Gustavo Mindineros, um agricultor de cacau que lidera uma cooperativa de produtores em Tumaco, na Colômbia, afirma que os agricultores tendem a favorecer compradores menores quando a produção está baixa porque eles compram menos grãos por um preço mais alto.

“A grande empresa garante volume, mas não reconhece qualidade”, diz Mindineros. “Os compradores menores reconhecem qualidade e pagam um prêmio por isso” (The New York Times)

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