Estudo de cientistas brasileiros foi publicado pela Revista Nature. Eles encontraram na natureza um agente que facilita a quebra da celulose e sua conversão em açúcar.
Uma descoberta realizada por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), publicada nesta terça-feira (12/2), na Revista Nature, promete cont4ribuir de forma significativa com a produção de etanol de cana-de-açúcar para veículos e aviação, e a escala do de etanol de segunda geração, derivado da celulose.
Os cientistas identificaram a existência de uma metaloenzima, chamada de CelOCE (Cellulose Oxidative Cleaving Enzyme), que melhora a conversão da celulose por meio de um mecanismo até então desconhecido. Ela soluciona um dos maiores desafios do setor: a quebra da biomassa de celulose, etapa fundamental para a produção de combustíveis e produtos químicos.
Reportagem da Agência Fapesp, ligada ao Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, destaca que a celulose é o polímero vegetal mais abundante no planeta. E que, por sua composição e estrutura, é bastante resistente à degradação. Por esta razão, seu processo de quebra na natureza é lento e requer a ação de um sistema complexo de enzimas.
O que os cientistas as conseguiram com a CelOCE foi encontrar um mecanismo totalmente novo de clivagem oxidativa (separação de moléculas de carbono), aumentando a eficiência e o rendimento desse processo de decomposição da celulose. Dos atuais 60% a 70%, pode chegar a 80%. E com um sistema enzimático menos complexo do que os necessários atualmente, portanto, mais sustentável.
“Qualquer aumento de rendimento significa muito, porque estamos falando em centenas de milhões de toneladas de resíduos sendo convertidas”, argumenta Mário Murakami, líder do grupo de pesquisa em biocatálise e biologia sintética, em entrevista à Agência Fapesp.
Os pesquisadores explicam que a função da CelOCE não é gerar o produto final. Desta forma, não é a enzima, por si, que tornará viável a decomposição da celulose. O que ela faz é abrir os caminhos para outras enzimas, potencializando sua ação de converter a matéria-prima em açúcar.
O processo ocorre da seguinte forma: a CelOCE se instala na extremidade da fibra de celulose e faz a chamada clivagem oxidativa, separando as ligações carbono-carbono. Fazendo isso, a enzima desestabiliza a estrutura da celulose, facilitando a atuação das enzimas mais comuns. Outra vantagem da CelOCE é a de ser autossuficiente: produz naturalmente tudo o que precisa para a sua ação, eliminando a necessidade e os riscos da edição de substâncias por processo industrial.
A descoberta é definida por Murakami como inovadora, com potencial de estabelecer uma nova fronteira na biotecnologia.
“Modificamos o paradigma de desconstrução da celulose pela via microbiana. Achávamos que as mono-oxigenases eram a única solução redox da natureza para lidar com a recalcitrância da celulose. Mas descobrimos que a natureza havia encontrado outra estratégia ainda melhor”, comemora.
Mas não foi fácil encontrar a nova enzima, relata o pesquisador à Agência Fapesp. O estudo começou com a coleta de amostras de solo coberto com bagaço de cana, que fica perto de uma usina no Estado de São Paulo. Ao analisarem as porções de solo, os cientistas identificaram o que classificaram como uma “comunidade microbiana altamente especializada em decomposição vegetal”.
O passo seguinte foi elucidar o mecanismo de atuação da enzima. Os pesquisadores se utilizaram de uma abordagem multidisciplinar, que envolveu, inclusive, o uso de engenharia genética com auxílio da ferramenta Crispr/Cas, bastante aplicada em edição genômica. Aplicando a metodologia em uma planta-piloto, foi possível chegar a uma escala industrialmente relevante e com possibilidade de aplicação prática.
Ainda conforme a Agência Fapesp, o trabalho que identificou a CelOCE e seu modo de atuação não foi resultado de uma banca de laboratório, com necessidade de múltiplas validações. Como a prova de conceito já foi demonstrada em escala-piloto, a enzima pode ser incorporada imediatamente ao processo produtivo.
Na avaliação dos cientistas responsável pela pesquisa, este é um ponto relevante para a pesquisa, considerando que o Brasil é um grande produtor de energia renovável, e que o cenário atual impõe urgência na transição energética. A expectativa é de que o país passa ampliar o número de usinas capazes de produzir em escala industrial biocombustíveis a partir da celulose (Globo Rural)