Setor emprega mais de 500 mil, exporta US$ 10 bilhões e tem 39% do mercado mundial.
O primeiro caso de gripe aviária do país em granjas comerciais tira do Brasil o privilégio de ser o único grande produtor mundial livre da doença. Os reflexos dessa ocorrência serão muitos.
Internamente, afeta a renda do produtor, o mercado de trabalho, as exportações e até a inflação. Externamente, hoje o maior exportador mundial de carne de frango, o Brasil sofrerá barreiras sanitárias por parte de seus importadores. A China, uma das grandes compradoras, já está fora do mercado, além da União Europeia.
O setor de aves é muito importante para a economia brasileira e está enraizado em toda a cadeia econômica do país. Emprega próximo de 213 mil trabalhadores dentro da porteira, conforme dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).
Se o foco da gripe aviária não for contido rapidamente, os reflexos sobre os produtores serão intensos, uma vez que a maioria deles está em pequenas propriedades e vive exclusivamente dessa atividade.
Outros 294,2 mil trabalhadores estão dentro da agroindústria, voltados para o abate de aves e para a preparação das carnes. A produção dessa proteína engloba ainda muitos trabalhadores nas áreas de serviços, de transporte, do setor financeiro e em portos.
A entrada do vírus em granjas comerciais ocorre exatamente dois anos após a chegada do vírus no país por meio de aves silvestres, em 15 de maio de 2023, no Espírito Santo. As regiões afetadas terão de fazer uma eliminação das aves, com sérios prejuízos financeiros e instabilidade social para os produtores.
A influenza aviária chega pelo Rio Grande do Sul, um estado que vem sendo castigado por secas e enchentes na área de grãos. Agora atinge um setor muito importante para o estado.
Os gaúchos são responsáveis por 11,5% dos abates de frango no país e respondem por 13,4% das exportações. O problema maior é o vírus ter entrado pela região Sul, a principal no cenário da avicultura do país.
Os três estados do Sul são responsáveis por 65% da produção brasileira de frango e por 78% das exportações, conforme dados da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal) de 2024. Se o vírus se alastrar por esses estados, o comprometimento da produção e exportação será grande.
A avicultura gaúcha representa um valor bruto de produção de R$ 11 bilhões no estado. É o dinheiro que circula dentro da porteira nas mãos dos produtores. O setor só perde para soja, com R$ 31 bilhões, e arroz, com R$ 18 bilhões, conforme dados do Ministério da Agricultura. A avicultura representa 10,5% de todo o valor da produção agropecuária do Rio Grande do Sul.
A gripe aviária de alta patogenicidade está presente em praticamente todo o mundo. Ela chega em um momento em que o governo brasileiro tem um Orçamento comprometido, mas deverá investir muito para conter esse foco inicial e, pelo exemplo dos demais países produtores, não será uma medida fácil.
O caso mais gritante hoje são os Estados Unidos. A doença retornou ao país no início de 2022 e, por mais que o governo tenha injetado dinheiro no combate, ela continua se alastrando. Os dados desta quarta-feira (14/5) indicavam que o país já abateu 169,3 milhões de aves, e que o vírus atingiu todos os estados americanos.
O pior é que a gripe chegou também ao gado. Desde o ano passado, já são 1.063 rebanhos afetados, em 17 estados dos Estados Unidos.
No final do governo de Joe Biden, foram destinados US$ 800 milhões (R$ 4,6 bilhões) para o combate da doença. O atual governo prometeu colocar mais US$ 1 bilhão (R$ 5,7 bilhões). Mesmo com tanto recurso, há dificuldades para conter os estragos econômicos da doença no país. O exemplo mais recente foi o dos ovos, cujos preços dispararam devido ao abate de poedeiras. Houve também uma redução na oferta de carne de frango, com alta de preços e efeitos na inflação.
Uma demanda menor de milho afeta o produtor no campo. O país vem obtendo safras recordes nos últimos anos, e os preços, tanto os internos como os externos, já não estão muito favoráveis.
A eventual morte de poedeiras afetaria também a crescente produção de ovos do país, que soma 58 bilhões de unidades por ano. A chegada do vírus ocorre em um momento de aumento de consumo interno de carne de frango e de ovos, proteínas de menor custo para os consumidores.
Segundo a ABPA, o consumo anual de carne de frango é de 45,5 kg por habitante, e o de ovos, de 269 unidades (Folha)
O massacre de galinhas nos EUA, o Brasil e o risco da gripe do frango
Americanos perderam 169 milhões de aves por causa do H5N1; aqui, vigilância é muito melhor.
Em 2020, misturas genéticas de um vírus da influenza aviária deram em um tipo perigoso, “altamente patogênico”, de H5N1, reconhecido de início em gansos na China, em 1996. Em maio de 2021, descobriram-se raposas infectadas em um centro de reabilitação animal na Holanda. Em janeiro de 2022, soube-se de aves silvestres infectadas nos Estados Unidos e de leões-marinhos no Peru, que morriam às centenas. Em fevereiro, a doença apareceu em uma criação americana de perus, o começo do desastre comercial das granjas por lá.
A cronologia do espalhamento do H5N1 lembra cenas iniciais de filmes-catástrofe do clichê. Vê-se a raposinha na cena campestre. Depois, bichos começam a morrer no mato ou nas praias. Corte então para o noticiário de TV que mostra o descarte de milhares de frangos sacrificados. A seguir, aparecem cientistas que haviam avisado as autoridades do problema, sem sucesso.
Não é provável que alguém vá fazer o filme do grande massacre de galinhas, embora o H5N1 contamine também humanos e, em algum dia, por um azar da recombinação genética em um mundo globalizado, possa ser transmissível entre pessoas, como já aconteceu com outras variantes, dando em epidemias mortíferas de gripe.
Desde 2024, 70 pessoas foram infectadas com H5N1 nos Estados Unidos, segundo o Centro de Controle de Doenças (CDC), doenças na maioria leves, com uma morte. Na maior parte, 41, foram contaminadas na lida com vacas leiteiras.
Sim, 1.063 rebanhos foram infectados até a semana passada, começando em 2024. Gatos, gambás, guaxinins e, pelo mundo, uns 200 tipos de mamíferos pegaram o vírus. Os cientistas não estão apavorados com os riscos, mas “monitoram” a situação.
NÃO HÁ RISCO NO CONSUMO DE AVES E OVOS
O problema até agora é econômico, em especial nos EUA. Segundo o departamento (ministério) da Agricultura deles, até a semana passada mais de 169 milhões de aves haviam sido sacrificadas ou mortas por causa de 1.700 surtos de H5N1, na maioria frangos, mas também perus.
Os EUA costumam ter um rebanho de 380 milhões de galinhas poedeiras e abatem 9,4 bilhões de frangos por ano (no Brasil, são uns 270 milhões de poedeiras e uns 6,5 bilhões de abates).
Cientistas dizem que os EUA são propensos ao espalhamento natural desse tipo de vírus, por causa do padrão mundial de migração de aves. Patos, gansos, cisnes, gaivotas e outras aves marinhas ou migratórias carregam também o H5N1 ou são seus hospedeiros naturais. Se essas aves ou suas contaminações entram em contato com aves de criação, o vírus pode se propagar.
O comércio local e internacional de aves vivas, criações ruins ou irregulares e também o espalhamento de suas sujeiras faz o resto do serviço.
Em maio de 2023, o H5N1 foi detectado em aves silvestres no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. Decidiu-se uma emergência de 180 dias. Na semana passada, suspeitou-se da doença em uma criação gaúcha, fizeram-se os testes e o problema foi logo divulgado.
Quanto a doenças, o Brasil segue o protocolo e tem um sistema de vigilância bom, profissional e transparente. Nos EUA, houve imenso fracasso da vigilância. O risco econômico fica para outra coluna. Aqui, a gente lembra de como a humanidade ficou mais propensa a “criar” vírus e de como se presta pouca atenção a isso até que apareça um bicho mutante e mortífero que uma ou duas décadas antes parecia restrito a animais do mato (Folha)