- Casa aprovou retirada de pauta no último dia de vigência da medida, mesmo após concessões do governo
- Derrubada do texto gera impasse de R$ 35 bilhões em Orçamento de 2026, ano eleitoral
A Câmara dos Deputados impôs uma derrota ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e retirou de pauta a MP (medida provisória) de aumento de impostos. Na prática, a decisão enterra de vez a medida, que o governo considerava importante para sustentar a arrecadação e reduzir despesas obrigatórias em 2026, ano eleitoral.
Um requerimento de retirada de pauta foi aprovado por 251 votos a 193. A votação ocorreu na noite desta quarta-feira (8/10), último dia de vigência da MP, que agora perderá validade.
Segundo técnicos da área econômica, a derrubada da medida deve causar um bloqueio nas despesas de 2025, incluindo emendas parlamentares, e obrigar um ajuste de R$ 35 bilhões no PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2026. Para governistas, esse era justamente o objetivo de partidos do centrão e da bancada ruralista: restringir o espaço fiscal de Lula no ano em que ele deve buscar a reeleição.
Lula afimou que a derrubada da medida não foi uma derrota imposta ao governo, mas ao povo brasileiro. Segundo ele, a medida reduziria distorções ao cobrar a parte justa de quem ganha e lucra mais.
“Impedir essa correção é votar contra o equilíbrio das contas públicas e contra a justiça tributária. O que está por trás dessa decisão é a aposta de que o país vai arrecadar menos para limitar as políticas públicas e os programas sociais que beneficiam milhões de brasileiros. É jogar contra o Brasil”, publicou em rede social.
A derrota veio mesmo após o governo fazer uma série de concessões na tentativa de ampliar o apoio à medida, o que incluiu poupar as bets (casas de apostas) do aumento na tributação proposto inicialmente e manter a isenção sobre rendimentos de títulos imobiliários e do agronegócio.
Apesar desse esforço, a MP foi aprovada por apenas um voto de diferença na comissão mista em sessão na terça-feira (7/10). O placar de 13 a 12 acendeu um alerta no governo, que passou a entender a rejeição dos parlamentares não mais como uma questão de mérito, mas sim política.
Horas antes de a MP ser sentenciada às gavetas do Congresso, o relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), reconheceu o risco de derrubada e atribuiu esse desfecho a uma disputa eleitoral antecipada, capitaneada por partidos do centrão e pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tido como o nome favorito da oposição para enfrentar Lula na corrida presidencial.
“Nós entramos no modo disputa eleitoral. O Tarcísio, em vez de governar São Paulo, fica telefonando para deputado para pressionar, para não aprovar. É evidente que tem uma campanha eleitoral em andamento e o objetivo é prejudicar o governo. Dane-se o país”, disse o petista.
O mesmo discurso foi encampado por lideranças governistas, como antecipou a coluna Mônica Bergamo. Tarcísio nega qualquer atuação, mas o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), chegou a agradecê-lo em plenário pela articulação contra a MP após a proclamação do resultado.
“Quero agradecer alguns governadores que trabalharam muito nesta noite. […] Governador Tarcísio, receba do alto da tribuna o nosso reconhecimento, a nossa gratidão por todo seu empenho. Você tem sido um gigante no diálogo com os presidentes de partidos de centro para que a gente possa fazer essa coalizão em prol do Brasil”, afirmou.
Na avaliação do governo, a falta de votos suficientes para aprovar a medida reflete uma disputa eleitoral antecipada, com partidos do centrão e a bancada ruralista quebrando um acordo para votar contra o texto com o objetivo de restringir o espaço fiscal que Lula terá em ano eleitoral.
Presidente da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), o deputado Pedro Lupion (PP-PR) negou o pano de fundo eleitoral e disse que a MP era “completamente equivocada” ao onerar o setor produtivo. “Vir com ameaças ao Congresso, ter um tratamento com arrogância, com prepotência, dá esse resultado. Esse é o resultado que o governo plantou”, afirmou.
Lupion disse ter ligado para o ministrou Fernando Haddad (Fazenda) na noite de terça para avisar que a frente não votaria a favor do texto. Mesmo com as concessões, a avaliação do agro foi a de que o setor não foi plenamente atendido. “O agro brasileiro não ganhou absolutamente nada com o último texto do relatório”, afirmou.
O revés ocorre apenas uma semana após a Câmara dar sinal verde ao projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda a quem ganha R$ 5.000 e institui um imposto mínimo sobre contribuintes de alta renda —medida que era promessa de campanha de Lula e será usada pelo PT como trunfo para alavancar sua candidatura ao Palácio do Planalto no ano que vem.
Como reação, os governistas partiram para a disputa política junto à opinião pública, sob o argumento de que a derrota imposta pelo Congresso vai deflagrar cortes de outros gastos e projetos sociais.
Antes da votação, Haddad criticou a tentativa do Congresso de restringir as contas do Executivo.
“É o mesmo movimento que foi feito em 2022, com sinal trocado. Em 2022, o governo [do ex-presidente Jair Bolsonaro] usou o Congresso para liberar geral o Orçamento, dar calote num, não pagar o outro e assim por diante, para, na farra de gasto que foi feita em 2022, ter vantagens eleitorais. Isso não se confirmou. Porque a população percebe essas coisas. Agora, querer restringir o orçamento para prejudicar o governo, não vai acontecer, vai prejudicar o Brasil”, disse.
A previsão inicial do governo era arrecadar R$ 20,9 bilhões em receitas extras com a medida em 2026, previsão que já havia caído a R$ 17 bilhões com as mudanças feitas por Zarattini.
O Executivo ainda calculava uma economia de R$ 15 bilhões em despesas no ano que vem ao endurecer regras de benefícios sociais e incluir o Pé-de-Meia (que paga bolsas de incentivo à permanência de alunos no ensino médio) no piso constitucional da educação.
Parlamentares governistas chegaram a citar que o Ministério da Fazenda pode editar decretos e portarias para aumentar a tributação e recuperar parte da arrecadação prevista com a MP, o que pode prejudicar ainda mais os setores taxados na medida.
A MP dos impostos foi publicada pelo governo em junho para compensar a perda de arrecadação com a derrubada parcial do decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) —o STF (Supremo Tribunal Federal) validou o ato do Executivo, excluindo apenas a taxação das operações de risco sacado.
Para o deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), a retomada do decreto após a decisão judicial já deu ao governo receitas suficientes, o que justifica a derrubada da MP. “O objetivo do governo de arrecadar mais já está sendo alcançado. Mas um governo insaciável, um governo que se alimenta do trabalhador, […] ele não sossega enquanto não arrecadar mais”, afirmou.
Como fica a tributação
Renda fixa
- O que previa a MP: alíquota única de 17,5%
- Como fica: rendimentos serão tributados com a tabela regressiva do Imposto de Renda, que varia de 15% a 22,5% de acordo com o prazo da aplicação
INVESTIMENTOS ISENTOS
Caso de LCI (Letras de Crédito Imobiliário), LCA (Letras de Crédito do Agronegócio), CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários), CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), debêntures incentivadas etc.
- O que previa a MP: rendimentos teriam IR retido na fonte com alíquota de 5% (para títulos emitidos a partir de 1º de janeiro de 2026)
- Como fica: rendimentos ficam isentos
BETS
- O que previa a MP: tributação de 18% sobre a arrecadação (6% para a área da saúde e 12% para outras destinações)
- Como fica: tributação de 12% sobre a arrecadação
FUNDOS IMOBILIÁRIOS E FIAGROS
- O que previa a MP: rendimentos teriam IR retido na fonte com alíquota de 5% (para títulos emitidos a partir de 1º de janeiro de 2026)
- Como fica: rendimentos isentos de IR
CRIPTOMOEDAS
- O que previa a MP: ganhos líquidos com moedas e ativos virtuais, incluindo criptomoedas, ficariam sujeitas à alíquota de 17,5% no Imposto de Renda
- Como fica: movimentações mensais com criptomoedas ficam isentas do Imposto de Renda até R$ 35 mil; acima disso, há escalonamento de 15% a 22% sobre os ganhos
CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
- O que previa a MP: instituições de pagamento e fintechs passariam a pagar 15%
- Como fica: essas instituições continuam pagando 9% (Folha)