Editorial O Estado de S.Paulo
Sairá cara a decisão de Lula de alinhar o Brasil à China e à Rússia a pretexto de fortalecer o Brics contra os EUA de Trump. Mas há uma saída para evitar o prejuízo: abandonar o bloco.
Muito ainda pode ser dito sobre a irresponsabilidade de Jair Bolsonaro, que, para se livrar da cadeia e continuar com seu projeto golpista, fez lobby nos EUA para que o presidente Donald Trump viesse em seu socorro, ao custo de inestimável prejuízo para a economia brasileira, ameaçada por um tarifaço americano. Só por isso, o nome de Bolsonaro já está gravado no panteão dos maiores traidores da pátria que este país já viu.
Contudo, à medida que novas punições são anunciadas pelo governo americano contra o Brasil, torna-se óbvio que o objetivo de
Trump vai muito além de ajudar Bolsonaro – de resto um sujeito absolutamente insignificante para os projetos de poder do presidente americano. Está ficando cada vez mais evidente que o crescente ataque de Trump ao Brasil é, na verdade, parte de uma ofensiva contra o Brics – bloco que, a despeito das fantasias lulopetistas sobre alternativas de desenvolvimento, se presta exclusivamente a projetar o poder da China em contraste com os EUA e o Ocidente, tendo como subproduto o respaldo ao imperialismo da Rússia de Vladimir Putin.
Isso ficou claro quando Mark Rutte, secretário-geral da Otan, a aliança militar ocidental ainda liderada pelos EUA, avisou que os países do Brics podem sofrer sanções por parte do governo americano caso continuem a fazer negócios com a Rússia. A intenção de Washington é obrigar os parceiros russos no Brics a pressionar Moscou a aceitar uma trégua na sua guerra contra a Ucrânia, como deseja Trump.
Como se sabe, Trump ameaça castigar a Rússia com tarifas de 100% caso Putin não interrompa seus ataques à Ucrânia. A medida incluiria sanções secundárias contra países que fazem negócios com a Rússia. A ideia aqui é sufocar economicamente a Rússia, que conseguiu contornar as sanções aplicadas por EUA e Europa graças à manutenção do comércio com os parceiros do Brics.
Ademais, a ofensiva contra o Brics insere-se no objetivo maior de Trump que é minar o poder da China. Para isso, escolheu o Brasil como saco de pancadas – um alvo fácil, dada a sua limitada capacidade de reagir e de arregimentar influência contra os EUA.
Tudo isso só evidencia a imprudência do presidente Lula da Silva de alinhar o Brasil à China e à Rússia a pretexto de fortalecer o Brics contra os EUA de Trump. A única forma de poupar o Brasil dos efeitos deletérios dessa decisão seria abandonar esse bloco, que se presta unicamente aos projetos chineses e russos, sem qualquer ganho concreto e de longo prazo para o País.
Com isso, o Brasil retornaria ao terreno seguro do não alinhamento, onde ficam os países com vocação para se relacionar com o mundo inteiro, independentemente de orientação ideológica. Essa sempre foi a tradição brasileira, um patrimônio que seria especialmente relevante no momento em que o mundo se reorganiza não mais em relações multilaterais, e sim em blocos de poder.
Não é prudente, portanto, que o Brasil escolha um desses blocos, dado que o País não tem nem capacidade militar nem poderio econômico para ser protagonista no novo arranjo global. Mas Lula nunca foi prudente. Sempre que pode, movido por suas fantasias megalomaníacas e por suas convicções terceiro-mundistas, põe o Brasil em situações potencialmente danosas – sobretudo quando apoia autocracias só porque estas se dispõem a desafiar os EUA.
Em seu discurso na mais recente cúpula do Brics, Lula reforçou seu antiamericanismo e sua vassalagem à China ao tornar a defender o fim do uso do dólar como moeda comercial global – como se a adoção da moeda americana para esse fim fosse fruto da vontade de alguém, e não resultado de condições geopolíticas e de mercado.
Ademais, deveria causar vergonha a assinatura do Brasil no comunicado final da cúpula, que reservou nada menos que oito parágrafos aos atuais conflitos no Oriente Médio e míseros dois à guerra na Ucrânia – um dos quais, pasme o leitor, dedicado a criticar a Ucrânia por “deliberadamente” atacar áreas e infraestrutura civis na Rússia, sem qualquer menção à brutal e sistemática agressão russa aos ucranianos, inclusive com bombardeios contra civis.
Assim, russos e chineses devem ter saído muito satisfeitos desse rega-bofe antiamericano. Já o Brasil, como se vê agora, ficou com a conta (Estadão)