Brasil aposta no combustível sustentável de aviação

Por Salo Coslovsky

Mercado internacional de produtos compatíveis com a floresta é multibilionário, e o País pode articular a construção de um novo regime de comércio internacional que valoriza nossas competências.

A frota global de aviões consome 100 bilhões de galões de combustível por ano, gerando 2%-3% das emissões globais e canalizando US$200 bilhões anuais para remunerar essa produção, desde o poço até a bomba. Enquanto carros, ônibus, trens e caminhões estão migrando para energia elétrica, os aviões vão continuar demandando combustíveis líquidos parecidos com os atuais. Como explicou um amigo que acompanhou o tema na Embraer, “tentativas de projetar aviões movidos a hidrogênio ou elétricos fracassaram, exceto para modelos muito pequenos”.

Diante desse cenário, a solução é substituir os combustíveis fósseis por combustíveis sustentáveis para aviação (SAF). Num primeiro momento, o setor quer diminuir suas emissões em 5% até 2030. Apesar de modesta, essa mudança redireciona US$10-20 bilhões anuais da cadeia de petróleo para a produção de biocombustíveis.

A chance de capturar parte dessa receita está levando governos a negociar com vigor os critérios que determinarão como as emissões dos diferentes SAFs serão contabilizadas. A arena principal dessas disputas são os comitês especializados do ICAO (International Civil Aviation Organization), entidade da ONU que ajuda a regular a aviação civil.

Um dos embates coloca a União Europeia contra grandes produtores agrícolas como Brasil e os EUA. Os europeus defendem que um biocombustível só é sustentável se não prejudicar a produção de alimentos — talvez imaginando aviões movidos a óleo de cozinha reciclado. Por sua vez, o Brasil e os EUA argumentam que têm terras e tecnologia para expandir sua produção de soja, milho, cana-de-açúcar, óleo de palma e espécies inovadoras, como a macaúba, sem comprometer a oferta de alimentos no mercado global.

Outra disputa opõe o Brasil aos EUA. Um comitê da ICAO decidiu que territórios que produzem duas ou mais safras no mesmo ano ganham pontos na escala de sustentabilidade — modelo comum no Brasil, graças às nossas tecnologias agrícolas e clima tropical. Os norte-americanos, que conseguem apenas uma safra anual, protestaram. Em comunicado recente, seus diplomatas não esconderam o jogo: “essa recomendação […] penalizaria injustamente os agricultores americanos e beneficiaria significativamente o Brasil.”

O desfecho desses confrontos ainda é incerto. É possível que os países ricos consigam, como de costume, criar normas que valorizam suas vantagens competitivas. Ainda assim, o Brasil está brigando para melhorar sua posição. Quem sabe, talvez saia dessas negociações como a “Arábia Saudita dos combustíveis renováveis”.

Enquanto brigamos pelas regras do SAF, precisamos considerar o comércio internacional dos demais produtos compatíveis com a floresta. Esse comércio também movimenta bilhões.

O mercado internacional de amêndoas de cacau, por exemplo, alcança US$10 bilhões anuais. O de café é bem maior, assim como o mercado do óleo de palma e seus derivados.

Hoje, as regras que modulam o comércio internacional desses produtos são genéricas (definidas pela Organização Mundial do Comércio – OMC), voluntárias e negociadas por agentes privados (como a moratória da soja) ou impostas unilateralmente (como a EUDR europeia). Esses métodos de regulamentação ignoram as especificidades de cada país produtor, não promovem inovação tecnológica com eficiência, e não encorajam a inclusão de pequenos produtores nas cadeias globais.

Apesar de inadequadas e talvez desfavoráveis ao meio ambiente e ao Brasil, essas regras não estão suscitando muitas discussões. Em parte, o silêncio é compreensível. No âmbito internacional, faltam arenas para essas negociações. Alguns produtos já tiveram órgãos multilaterais próprios relativamente fortes, como a Organização Internacional do Café, a Organização Mundial do Cacau e a Comunidade Internacional da Pimenta, mas muitos foram esvaziados com a ascensão da OMC, que priorizou o livre comércio sobre a regulação de volumes e preços.

No âmbito doméstico, os produtores brasileiros preferem vender a maioria de seus produtos compatíveis com a floresta no mercado nacional, que é mais próximo, mais bem conhecido e muitas vezes paga melhor. E mesmo que alguns sonhem em exportar, a maioria dos setores da bioeconomia não tem uma associação forte o suficiente para dialogar com nossos diplomatas e apoiar sua atuação.

Apesar desses gargalos, o Brasil teria muito a ganhar se convocasse os países produtores e consumidores para propor um novo regime de regras que diferencie a produção sustentável daquela que prejudica o meio ambiente. Nosso protagonismo na COP-30, G20 e outros fóruns nos coloca em posição privilegiada. E os obstáculos listados acima são desafiadores, mas podem ser superados. Seria fenomenal ver os líderes brasileiros anunciarem uma conquista como essa durante a COP-30 em Belém (Salo Coslovsky é professor da Universidade de Nova York e pesquisador do Amazônia 2030; Estadão)

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