Imposto mais elevado pode dificultar a emissão das LCAs.
O reajuste geral promovido pelo governo federal no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na semana passada pode dar um “cavalo de pau” na principal fonte dos financiamentos rurais no país, avaliou uma pessoa experiente e respeitada do mercado financeiro: as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).
Segundo esse executivo, o encarecimento do IOF nas operações de crédito para pessoas jurídicas, que passará de 0,38% para 0,95%, e teto de 3,95%, pode dificultar a emissão das LCAs pelos bancos. Os títulos, emitidos pelas instituições financeiras com isenção fiscal para o investidor, são a principal fonte de financiamentos com juros livres do Plano Safra, ainda mais dos empréstimos direcionados a empresas rurais e cooperativas, as PJs.
As LCAs em si continuam isentas do imposto, mas os financiamentos feitos a partir dos recursos captados pelos títulos serão sobretaxados.
“É uma medida puramente arrecadatória e feita para reduzir o volume de títulos isentos no mercado”, disse. As operações de crédito rural para pessoas físicas continuarão taxadas em 0,38%. As Cédulas de Produto Rural (CPRs), que também são financiadas com recursos de LCAs dos bancos, têm isenção de IOF.
“Essa medida pode atrapalhar a contratação do crédito rural taxas livres, com qualquer fonte”, ponderou um outro especialista no assunto e ex-diretor de banco.
Com o IOF quase triplicado para financiamentos a empresas em geral, inclusive do agro, a fonte acredita que haverá redução na emissão dos títulos ou, ao menos, um “grande trabalho” para equacionar as carteiras dos bancos.
“Isso vai dar um cavalo de pau nas LCAs, aumenta em três vezes o custo para pessoa jurídica”, disse. “Os bancos só fazem operações de recursos livres por conta das LCAs, apenas para poder continuar emitindo LCA e captando. Para que vamos ficar pagando IOF para o governo?”, questionou.
Outra fonte ressaltou a “complexidade” das operações daqui para frente. “São vários tratamentos por tamanho de empresa, tipo de operação, natureza fiscal”, explicou. Isso geralmente é revertido em custo, salientou.
Em grandes cooperativas de crédito, o financiamento de PJ é minoria, próximo de 5%. Em outras instituições financeiras, o percentual da carteira pode chegar a 20%, principalmente em bancos privados, que financiam cooperativas, processadoras de ração, agroindústrias, entre outras.
Cooperativas
Outra mudança que impacta o setor é a taxação aplicada às grandes cooperativas, que contratam operações acima de R$ 100 milhões por ano. As operações eram isentas até então, mas passarão a ser tributadas a partir de agora em linha com a cobrança sobre empresas em geral, com alíquota fixa de 0,95% mais 3% ao ano. “A pancada é maior nos negócios”, disse um executivo do setor.
“Para as cooperativas tomadoras de crédito haverá um aumento da alíquota de 0% para 3,95% ao ano, já as cooperativas rurais continuam isentas do IOF, independentemente do volume de recursos contratos”, disse uma fonte do setor cooperativista de crédito. “Até onde vejo, se cooperativas como o Sicredi, Sicoob e Cresol realizarem operações de empréstimo que, no total do ano, ultrapassem R$ 100 milhões, elas passarão a pagar o IOF de 3,95% sobre essas operações”, indicou.
Algumas fontes do sistema financeiro reclamaram que a medida não foi discutida previamente com os bancos. “Estão taxando IOF nas cooperativas”, alertou. “A medida é justa. Iguala os operadores financeiros”, ponderou um especialista.
Técnicos do governo têm discutido até onde a isenção fiscal às cooperativas é “justa”, devido ao crescimento desse setor e a competição “de igual para igual” com grandes empresas de capital.
Em nota, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) disse que “os efeitos colaterais da elevação tendem a onerar os custos de crédito para negócios que exercem papel estratégico em suas comunidades – como é o caso das cooperativas”.
A entidade diz que a aplicação de IOF para operações acima de R$ 100 milhões por ano para cooperativas desconsidera a natureza jurídica e operacional do cooperativismo.
“Tratar essas cooperativas como grandes tomadoras ou credoras de crédito ignora o fato de que sua movimentação financeira é, na verdade, o somatório das atividades de seus cooperados — em sua grande maioria, pequenos produtores rurais, transportadores, profissionais autônomos e trabalhadores que, ao se reunirem em cooperativas, buscam escala, representatividade e melhores condições de acesso a crédito e mercados”, diz a nota.
“Medidas que aumentam o custo do crédito, como o reajuste do IOF, afetam diretamente a sustentabilidade das cooperativas e, por consequência, os milhares de brasileiros que dependem delas para produzir, empreender e viver com dignidade”, completa o texto.
Um outro especialista ressaltou que a apresentação feita pela equipe econômica ontem diz que o crédito rural era e continuará isento de IOF, mas ele ressalta que a informação não é verdadeira.
LCAs
Paralelamente, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou sexta-feira duas resoluções que melhoraram as regras das LCAs, do ponto de vista dos bancos. A primeira reduziu o prazo de vencimento das letras, de nove para seis meses. Até o início de 2024, os títulos eram liquidados em três meses. A mudança pode melhorar a atratividade aos investidores e impulsionar as emissões.
A outra mudança foi na exigibilidade de aplicação dos recursos captados por LCAs no crédito rural. O CMN ampliou de 50% para 60% a obrigação aos bancos. Até 2023, o percentual era de 35%. Dessa forma, os 40% de captação sem direcionamento, geralmente aplicados em operações a PJs, podem ser diretamente afetados, disse a fonte do mercado financeiro.
O estoque de LCAs emitidas estava em R$ 559,9 bilhões em abril. Pelo menos R$ 139,98 bilhões precisam ser aplicados em operações de crédito rural tradicional, sujeitas à aplicação do IOF.
Setor
A Sociedade Rural Brasileira (SRB) se manifestou contra os reajustes no IOF e disse que a medida vai ser “mais uma barreira” ao crédito no país.
“Ao produtor rural isso impactará, principalmente, na contratação de financiamento e linhas de crédito e, ainda, seguros, que tanto evidenciamos a sua necessidade de melhoria para aumento de produtos aderentes às produções de agricultura. Já no caso de cooperativa de crédito, operações com valor anual acima de R$ 100 milhões passam a ser tributadas como empresas comuns”, disse, em nota.
“Com a implementação imediata, o decreto anunciado gerará mais uma barreira ao crédito, especialmente para pequenas e médias empresas”, reclamou a SRB.
A entidade disse ainda que as incertezas quanto à reforma tributária e à volatilidade do câmbio geram ainda mais insegurança jurídica “com regras que aumentam custos de financiamentos e de seguros de aplicação imediata” (Globo Rural)